Este ano se realizam eleições presidenciais em várias partes do mundo. Vendo os diversos processos eleitorais, percebemos que em todos os lugares, embora as circunstâncias sejam diferentes, acontece a mesma luta por aquilo que nos é mais caro, e dá um sentido verdadeiro à política
Nos Estados Unidos, esse será um ano eleitoral intenso e incerto, que poderá marcar uma época. Há décadas não se via uma campanha eleitoral como a atual. Quem ganhará as eleições: McCain, um veterano da guerra do Vietnã; Hillary, que seria a primeira mulher presidente do país; ou Obama, que seria o primeiro presidente negro? Importa saber o que está realmente colocado em jogo para os norteamericanos nesse momento.
Na Espanha, para surpresa de alguns analistas, José Luis Rodríguez Zapatero, do Partido Socialista, venceu as eleições de março, com uma margem relativamente apertada seu partido ganhou com 43,6% dos votos, enquanto o Partido Popular ficou com 40,1% dos votos). As eleições coincidiram com um momento marcado pelo crescimento do desemprego, aumento da inflação e retorno do terrorismo do ETA.
Na Itália, com a queda do primeiro-ministro, Romano Prodi, que liderava uma coalizão de centro-esquerda, a situação política está diante de uma encruzilhada: continuar na estrada de uma luta entre tendências ou tentar a via do diálogo, buscando as reformas necessárias, seja lá quem quer que seja eleito. O primeiro caminho parece a repetição de um filme já visto. O segundo, ao contrário, aparece como uma irrenunciável necessidade, sob pena do país se esfacelar. Esta segunda alternativa, com certeza, não é uma novidade: basta pensar na Lombardia , que há mais de dez anos está sendo governada por Roberto Formigoni, eleito pela primeira vez em 1995 e re-eleito duas vezes, em 2000 e 2005. Sua administração inclui diversas iniciativas que promoveram o desenvolvimento da região: leis, reformas e regulamentações que superaram a lógica da briga entre tendências políticas, na ótica de um diálogo e de uma colaboração que tinham como objetivo claro o bem comum.
Em todas essas situações, podemos perceber a importância de uma colocação de Dom Giussani, de 1987, que, falando sobre o desejo do homem, dizia que “[...] todos os movimentos humanos nascem desse fenômeno, desse dinamismo constitutivo do homem. O desejo acende o motor do homem; e então ele se põe a buscar o pão e a água, o trabalho, a mulher [...] interessa-se por saber como é que alguns têm e outros não têm nada, interessa-se por saber como é que algumas pessoas são tratadas de certo modo e ele não [...] Só existe a possibilidade de construir sobre o desejo presente [...] Não existe alternativa entre seguir uma ideologia que está no poder ou perseguir o desejo do coração do homem”. (“O desejo e a política”)
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EUA
Uma questão de educação
por Marco Bardazzi
O que está verdadeiramente em jogo nas eleições americanas foi sintetizado pela Conferência Episcopal daquele país em um documento publicado em novembro do ano passado: “Como nação, recebemos muitas bênçãos e forças, inclusive uma tradição de liberdade religiosa e participação política. Contudo, como povo, estamos diante de sérios desafios que são claramente políticos e também profundamente morais. Somos uma nação fundada ‘na vida, liberdade e busca da felicidade’, mas o direito à vida, em si mesmo, não está totalmente garantido, especialmente para as crianças não-nascidas, que são os membros mais vulneráveis das famílias. Somos chamados a ser construtores de paz em uma nação em guerra. Somos um país que promete buscar ‘liberdade e justiça para todos’, mas estamos por demais divididos por linhas de raça, etnia e desigualdade econômica. Somos uma nação de imigrantes, lutando para adequar-se ao desafio de tantos novos imigrantes em nosso meio. Somos uma sociedade construída a partir da força de nossas famílias, chamada a defender o casamento e a oferecer suporte moral e econômico à vida familiar. Somos uma nação poderosa em um mundo violento, confrontando-nos com o terror e tentando construir um mundo mais seguro, justo e pacífico. Somos uma sociedade próspera, mas muitos vivem na pobreza e na falta do necessário para viver. Somos parte de uma sociedade global lutando contra urgentes ameaças ambientais. Esses desafios estão no centro da vida pública e no coração do esforço pelo bem comum”.
Frente a este cenário, quem vive atento a todos os aspectos da realidade não pode deixar de fazer a pergunta sobre quais critérios utilizar para votar. Os bispos americanos explicam, em seu documento, que a missão da Igreja é ajudar os católicos a formar a sua consciência “segundo a verdade”, de modo que possam fazer escolhas morais justas e enfrentar os desafios. A verdade é o destino pelo qual fomos feitos, como sugeria o título do Meeting de Rímini de 2007. “Ceder à atração da verdade – dizia o comunicado final do evento – faz de cada homem, mesmo o mais frágil e incoerente, um protagonista novo na cena da história”. E também se pode acrescentar: um eleitor melhor.
Os bispos americanos explicam que não querem “dizer aos católicos como votar”. A responsabilidade das opções políticas cabe a cada pessoa e à sua consciência, adequadamente formada. Por isso, até mesmo o momento do voto, é um problema de educação. Dom Giussani dizia que a política diz respeito ao homem em sua plenitude e o homem não pode ser definido pelo seu poder, pois isso o tornaria escravo e alienado. Fundamental no homem é o que Giussani definia como o desejo, o fator que abre o homem à realidade, o põe em ação, o leva a construir e a buscar respostas às suas necessidades.
Política e desejo: duas palavras que não se costuma ver lado a lado no cenário atual. Nos debates da televisão ou nas análises dos comentaristas, elas parecem não ter relação entre si. Porém, é aqui que se encontra a essência da questão. E se a política tem por tarefa atender ao desejo do homem, a primeira exigência humana é a liberdade.
“Há uma palavra”, dizia Dom Giussani em 1987, “que corresponde à ideia de homem verdadeiro, e, portanto, de política verdadeira: a palavra liberdade (...), que não é a definida pelo poder através dos meios de comunicação de massa. [...] A liberdade é uma palavra que se deve aprender observando sua própria natureza. Se a liberdade nasce como satisfação do desejo, significa que a natureza nos indica a liberdade como a capacidade de satisfação final, isto é, como capacidade de felicidade”.
“O centro das atenções deve estar na liberdade do homem, em toda a sua extensão”, afirma o teólogo e editorialista padre Lorenzo Albacete. “A posição que um candidato tem no confronto com a liberdade, quanto está disposto a estar presente na realidade, a sua abertura à diversidade real: esses são critérios interessantes para uma avaliação que não nos deixa cegar ou enganar pela ideologia”.
Espanha
Da passividade a uma política que nasce do desejo
por Fernando De Haro
O primeiro governo de Zapatero, que está acabando, iniciou-se com uma grande aspiração por mudança e termina com um grande desinteresse pela vida pública. Uma pesquisa de janeiro de 2007 revelou que 52,4% dos espanhóis não se interessam ou se interessam pouco pela política. E 61,2 % não acreditam que o que as pessoas pensam influencia o governo.
“Deve-se dizer – explica Víctor Pérez Díaz, professor de Sociologia da Universidade Complutense de Madri – que as classes políticas do franquismo [...], por quarenta complicados anos, habituaram a sociedade à passividade diante da coisa pública [...] Mas se deve acrescentar, e esse é o problema, que aquilo que as classes políticas da democracia atual fizeram e continuam fazendo é dar por óbvia essa nossa passividade cívica”. Essa passividade é induzida pelo poder e marcada por uma forte tensão social, que não se via mais na sociedade europeia.
As energias da esquerda espanhola concentraram-se no que Zapatero definiu como “ampliação dos direitos civis”. O desejo, entendido como relação subjetivista, sem vocação à verdade e à beleza, se transforma em fonte de geração de novos direitos, como o do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, a clonagem humana e o divórcio rápido. A reforma jurídica teve um efeito imediato: minaram algumas das certezas que permaneciam na sociedade espanhola. Talvez a reforma do divórcio seja a mais significativa. Desde sua aprovação, em junho de 2005, até março de 2007, aconteceram 275 mil divórcios na Espanha, triplicando o número médio de divórcios no país e elevando-o a um dos mais altos da Europa.
O processo de exaltação do indivíduo sem referências objetivas caminha junto com o incremento do peso do Estado. Um novo tipo de estatismo está se desenvolvendo. Levantamentos internacionais indicam que a intervenção do Estado na vida econômica vem crescendo na Espanha.
A invasão do Estado tem a pretensão de definir, com métodos práticos, uma nova antropologia. O governo Zapatero não conseguiu bons resultados na melhoria da saúde pública, mas se esforça por transformar a Espanha no país mais avançado no que diz respeito à tecnologia de clonagem. Os novos direitos criados em nome de uma concepção subjetivista de desejos seguem modelos ideologicamente fixados pelo poder.
O fim do atual governo Zapatero coincide ainda com a entrada em vigor da disciplina “Educação para a Cidadania”. Enquanto a taxa de repetência, nas escolas espanholas, é 30,8% - o dobro da média da Comunidade Europeia – o governo se propõe a criar uma nova matéria que pretende impor uma nova moral de Estado, uma nova forma de dominação das consciências por quem detém o poder.
Por isso, são particularmente atuais para a Espanha as declarações de Dom Giussani à Democracia Cristã em Assago (1987). Se o poder visa exclusivamente alcançar sua própria manutenção, precisa controlar os desejos do homem. O desejo é, de fato, o símbolo da liberdade O problema do poder que deseja se auto-perpetuar é garantir o máximo de consenso de uma massa cuja exigências são cada vez mais manipuladas Assim, o desejo do homem e, portanto, seus valores são reduzidos em sua essência.
Até mesmo no interior do socialismo espanhol está ressuscitando uma esquerda que - sem renunciar a uma posição subjetivista com relação aos direitos civis, como a de Zapatero -, reconhece a necessidade de preservar os valores une a sociedade espanhola, rebelando-se contra um projeto de homologação política.
A resistência à homologação provocou também uma mobilização social até então nunca vista na Espanha. Os protestos contra a reforma do Código Civil, que permite o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, levaram o Partido Popular, pouco inclinado a batalhar nesse campo, a denunciá-la no Tribunal Constitucional. Também foi essa reforma que gerou a mais forte iniciativa legislativa popular em toda a história do país, com um milhão e meio de assinaturas. A batalha contra a lei orgânica de educação levou para a praça centenas de milhares de pais de família e serviu para aumentar em alguns setores da sociedade a preocupação com a liberdade de educação.
Aquele desejo que se nega a ser dominado encontra-se diante de uma encruzilhada. Pode tomar duas estradas. Em uma delas as iniciativas justas acabariam em uma postura reativa, se deixariam dominar pela ânsia de criar uma “alternativa eficaz”, que, com uma boa organização e mobilização tentaria retomar uma hegemonia historicamente perdida, que mantém vivos os “valores de sempre”. É um caminho cheio de miragens, minado por uma ideologização desligada do presente, que pode desembocar na utopia. Seguir nesse caminho pode levar a alguns resultados, mas esse modo de fazer política está condenado à falência, pois não basta ter poder para determinar mudanças
A outra estrada, que parece ter sido escolhida pelos movimentos sociais citados acima, leva a trabalhar, em primeiro lugar, a favor de uma cultura da responsabilidade, para depois defender o espaço gerado a partir dessa nova cultura. O esforço e as energias transformadas em obras que educam os jovens e adultos e que tornam tangíveis o fato que o desejo de bem e de beleza é capaz de construir.
É a alternativa descrita por Dom Giussani: “Ou a construção como êxito do empenho analítico e edificante do homem no presente, para encontrar aquilo que pode fazer esperar satisfazer o desejo, ou então a construção política futura de preconceito estabelecido, de um programa ideológico [...] A análise e a construção dependem da intensidade realista do desejo”.
Itália
A Lombardia funciona, vence e convence
por Alberto Brugnoli *
A Lombardia destes últimos anos teve e continua a ter uma experiência de governo que não se define pelos alinhamentos partidários. Creio que isso se deve ao fato de que se teve a coragem de escolher e experimentar e, sobretudo, de valorizar as escolhas feitas com base em resultados já experimentadas. Quando se possibilitou que todos e cada um assumissem as próprias responsabilidades (famílias, associações, grupos de interesse, etc.), rompeu-se o mecanismo dos alinhamentos partidários. O que funciona vence e convence. E não é uma teoria.
Os alinhamentos, as ideias, o confronto e até a luta política fazem parte do jogo. Mas o ponto central é que na Lombardia o consenso não é, geralmente, um “a priori”, mas é alcançado considerando-se os problemas e suas soluções. Na implementação das políticas públicas, por exemplo, os organismos regionais estão abertos à capacidade do terceiro setor e da sociedade civil de realizar projetos: quem participa de uma iniciativa não recebe apenas os recursos, participa da própria idealização e da trajetória dessas políticas.
Para quem, como eu, opera no plano científico, de programação, o que impressiona não é tanto o sucesso de certas escolhas políticas, mas seu critério: governa-se tendo em vista a liberdade e a responsabilidade. Não se trata um governo que pensa as soluções melhores, mas um governo que confia e valoriza a sociedade. Não significa que tudo necessariamente funcione bem, mas que todos aqueles que “são” parte podem “tomar parte”, assumindo os riscos, as consequências, os méritos e as vantagens daquilo que funciona.
Penso na própria pesquisa desenvolvida pelo nosso Instituto, que realiza a avaliação continuada da gestão pública na região. Em nosso Relatório IRER 2005, mais de noventa importantes estudiosos, de orientações muito diversas, contribuíram para a releitura científica de dez anos de governo.
* Alberto Brugnoli é diretor geral do Instituto Regional de Pesquisa da Lombardia (IRER).
Credits /
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