O Colégio Berchet, de Milão, decidiu recordar “seu” professor fixando uma placa em homenagem a Dom Giussani e promovendo um encontro para aprofundar sua paixão educativa
No dia 12 de fevereiro havia diversas gerações de estudantes do Berchet no salão nobre do colégio de Milão. O nome de Dom Giussani os reuniu. No terceiro aniversário de sua morte, “o Conselho do Instituto decidiu por unanimidade – sublinhou o diretor da escola, Innocente Pessina – fixar uma placa para lembrar este personagem tão importante que deu aulas aqui”. Introduzindo as colocações, Pessina disse que “hoje é ainda mais significativo lembrar um professor como Dom Giussani, pois vivemos uma ‘emergência educativa’. O próprio Papa nos falou sobre isso há alguns dias. Quem trabalha com jovens pode confirmar: quase todos os dias encontro pais que declaram sua impotência diante da fragilidade e das dificuldades e também um pouco de resignação”. O juízo sobre os professores também foi agudo: “Vejo muitos professores que se contentam em passar algumas informações, conhecimentos disciplinares, aptidões – que são coisas muito justas –, porém acredito que a tarefa da escola seja mais ambiciosa: educar. Mas, para educar é preciso acreditar nas coisas que se faz e se diz, porque a educação passa por uma relação pessoal em que o adulto se oferece como testemunha, com a própria crença. Se o educador é vazio, ensina apenas o vazio”.
Então, o que é a educação? O professor Pessina respondeu com uma imagem que teria encontrado em Dom Giussani uma aprovação entusiasmada: “A educação é o transbordar de uma plenitude, o florescimento de algo de que se está repleto, de algo que se tem dentro, que persuade de tal modo que é impossível mantê-lo dentro e desperta a necessidade de dá-lo a alguém, e o contamina. Não conheci Dom Giussani pessoalmente, mas o vejo como uma pessoa tão rica, tão plena, tão convencida dos próprios valores que não podia deixar de comunicá-los aos outros”.
Roberto Formigoni, Governador da Região da Lombardia, estudava em Lecco na época, fez uma saudação: “Nunca tínhamos vindo no colégio Berchet, mas pelas palavras de Dom Giussani, da forma como contava, das suas emoções, podíamos ver as classes, os corredores, as escadas, os professores, os alunos, os debates, a vida, a explosão de algo inesperado e surpreendente que também nos ligava àquele lugar. Dom Giussani nunca me impôs nada. A sua, era sempre uma provocação à liberdade e ao uso da razão”. Depois falou Dom Luigi Negri, Bispo de San Marino-Montefeltro, que foi aluno de Giussani na famosa classe “E”: “Subindo os degraus da escada de ingresso eu dizia a mim mesmo: que grande intuição teve Dom Giussani! Naqueles anos, no diálogo cotidiano entre um grande professor e a nossa adolescência, aconteceu o milagre da passagem da fé do seu coração ao nosso, de tal modo que toda a nossa vida foi marcada e nós demos nossa contribuição ao carvalho nascido do seu coração, que sempre enfrenta os desafios atuais e olha corajosamente para o futuro”.
Em seguida falou o psicanalista Claudio Risé, que estudou com Dom Giussani em 1955. Foi ele quem propôs dedicar uma placa ao professor: “Era um verdadeiro educador. Ensinava-nos a reconhecer o que chama de exigências mais profundas do coração com o qual se vive tudo e que dá o nome de ‘experiências elementares’, da qual só muito mais tarde, no meu trabalho de terapeuta, reconheci com mais clareza o profundo significado”. Seu método? “O da liberdade, composta de inteligência e energia da vontade. Na sua visão educativa, então, a razão tem um papel central. Abrigava-nos da tentação de nos refugiarmos em um intelectualismo frio graças ao chamado a uma razão amplamente entendida, até porque a associava a algo ao qual até então pouquíssimos a associavam, que é a fé: a fé, dizia, é um modo de conhecimento e quem conhece é a minha razão. E a fé aprende algo do objeto conhecido por meio de uma testemunha: Cristo, aquele que rompe o fechamento do ego e abre ao mundo, ao conhecimento. Como profissional da psique digo que o testemunho da razão na fé é o que tira da psicose da onipotência adolescente para colocar a pessoa no pleno desenvolvimento psicológico e afetivo do jovem adulto”. Por último, foi a vez de Marco Pisa, estudante de 18 anos do Berchet: “Nunca vi Dom Giussani, a não ser em fotos. Mas, para mim, ele é familiar e amigo. Seu carisma, o ímpeto humano com o qual vivia o cristianismo, chegou a mim por via indireta, por intermédio dos meus pais, e de modo mais evidente pelo movimento de pessoas que ele iniciou nesse colégio. Fui mudado de modo inesperado por meio do encontro com essas pessoas. O que recebi de Giussani não foi uma filosofia de vida, mas uma ferida, quer dizer, a possibilidade de satisfazer ao meu desejo de uma vida mais intensa. Assim, até o estudo se torna ocasião de crescimento para mim e não apenas funcional ao objetivo, aos créditos, à universidade; e, também, o empenho nas eleições escolares para melhorar a realidade em que vivemos. Esta educação a perceber a realidade de maneira mais profunda e intensa é a ferida da qual eu falava e é isso que recebi de Dom Giussani. Isso me torna mais livre e certo do caminho que iniciei e sou grato a ele por isso”.
Apresentando padre Carrón, o diretor observou que “ele teve coragem de assumir um testemunho tão exigente como o deixado por Dom Giussani há três anos”. A seguir, o texto de sua colocação.
A COLOCAÇÃO DE PADRE CARRÓN APOSTOU TUDO NA LIBERDADE DO OUTRO por Julián Carrón Onde estava a genialidade educativa de Dom Giussani? “Estava na sua capacidade de despertar, no eu, o desejo do belo e do verdadeiro”. Uma capacidade que hoje, se possível, é ainda mais atual “Desde a minha primeira aula, eu sempre disse: Não estou aqui para que vocês considerem como suas as ideias que lhes transmito, mas para lhes ensinar um método verdadeiro para julgar as coisas que eu lhes direi. E as coisas que lhes direi são uma experiência que é o resultado de um longo passado: dois mil anos. O respeito a esse método caracterizou, desde o início, o nosso empenho educacional, indicando com clareza seu objetivo: mostrar a pertinência da fé com as exigências da vida” (Educar é um risco, Companhia Ilimitada, São Paulo, 2004, p. 16). Essas palavras de Dom Giussani exprimem a sua atitude original em relação aos jovens, desde a primeira hora da escola: confiança total. Um dia, ele disse que havia apostado tudo na “liberdade pura” do outro. É preciso ter uma estima muito grande pela humanidade do interlocutor para apostar tudo nela. Como é difícil, hoje, encontrar alguém assim. Essa confiança baseava-se no reconhecimento da capacidade crítica dos seus alunos, isto é, no reconhecimento dos recursos com que a natureza os havia dotado, a fim de perceberem a realidade e, assim, conhecerem o significado dela. O método educacional de Dom Giussani não era uma mera propaganda de ideias, ainda que corretas. Tratava-se mais de um apelo: ele queria despertar uma coisa que havia no interior do outro, provocar a liberdade dele; fazendo isso, realizava um gesto de suprema amizade. Chamava a atenção para as exigências e evidências originais do coração de cada um – exigência de beleza, de verdade, de justiça, de felicidade –, convidando-o a confrontar-se continuamente com elas. Para realizar isso, utilizava-se de tudo o que os gênios da humanidade haviam produzido, da música à poesia. A esse propósito, permito-me ler um trecho em que Dom Giussani relata um fato que lhe aconteceu aqui, durante uma aula. É, para mim, exemplo solar de uma educação que escancara totalmente o eu, ao ponto de levá-lo a começar a vislumbrar o fundo das coisas. “Quando eu lecionava no primeiro colegial, para demonstrar a existência de Deus, eu ia, da minha casa ao Berchet, carregando um toca-disco... e, depois, fazia com que escutassem Chopin, Beethoven... Um dos primeiros concertos [para violino e orquestra] que fiz escutarem foi este, de Beethoven, onde há o refrain que eu chamei “da comunidade”, que é quando toda a orquestra entra e há sempre a mesma melodia, depois, por três vezes, o violino, que representa a singularidade, foge e vai para o seu destino, até que, cansado, é retomado pelo tema melódico da orquestra inteira (que termina também o trecho)..., quando tocou a peça que escutamos na sala daquele primeiro E, onde reinava absoluto silêncio, uma moça que estava no primeiro banco, à direita, que se chamava Milena Di Gioia – eu lembro ainda – de repente, desatou num copioso pranto, que não queria mais parar... Aquela paixão que o tema fundamental gera – paixão tal que uma sensibilidade como a de Milena a fez desatar num choro –, esta paixão é o emblema da espera de Deus que há no homem.” (É possível viver assim? , Ed. Companhia Ilimitada, São Paulo, 2008, pp.249-250) Retornando da visita ao planetário, na época em que eu lecionava religião em Madri, perguntei aos meus alunos o que os havia impressionado mais. Encheram a lousa de perguntas: não queriam saber quantas eram as estrelas ou as galáxias, mas quem havia feito aquilo que tinham visto, quem comandava tudo, qual o sentido do universo. Fiquei impressionado: naqueles meus alunos, o espetáculo do céu estrelado despertara a pergunta sobre o sentido da realidade, à maneira do pastor errante da Ásia, cantado por Leopardi, o poeta que Dom Giussani chamava de “amigo” e cujos poemas certamente terá lido muitas vezes durante suas aulas no Berchet: E quando olho a amplidão, de estrelas cheia, Penso e digo comigo: Por que tanta candeia? Por que estes ares infinitos, este Infinito profundo, sereno, esta Imensa solidão? e eu, o que sou? A genialidade educativa de Dom Giussani manifestava-se nessa sua capacidade de despertar no eu o desejo do belo e do verdadeiro, a partir do encontro com a realidade. Para fazer isso, de certo modo, “entregou-se” aos seus alunos, colocou-se frente a eles como homem, desafiou-os a verificar que a proposta cristã era uma coisa para seres racionais. Muitos deles acolheram seu convite, e isso os deixou na melhor condição para darem uma contribuição à realidade civil de Milão e do país. Como o homem utiliza a razão, como empenha seu desejo, esperança e afeição, tudo isso é decisivo e interessante para qualquer um, não só para o cristão. Dom Giussani – de quem esta noite a “sua” escola se lembra, no terceiro aniversário de sua morte, com uma iniciativa tão significativa – empenhou, nesse desafio, toda a sua reputação: mostrar que ser homem é viver intensamente o real, na busca do significado de tudo, e que ser cristão não é ser menos homem, com alguns desejos a menos e algumas regras morais a mais. De fato, o cristianismo, na proposta de Dom Giussani, representa a plenitude da humanidade, plenitude alcançada e comunicada. Seu método é apresentar a fé como amiga da razão, como algo que pertence, pois, à nossa natureza de homens. Foi o que ele próprio disse certa ocasião: “A escola de religião me deu essa intuição e essa paixão: a intuição de que a fé precisa, antes de tudo, demonstrar a sua familiaridade com a razão, com todas as consequências disso, isto é, a intuição da racionalidade da fé, da fé como a coisa mais racional que existe e, portanto, como a coisa mais humana que existe. Porque... a razão é exigência, paixão, e exigência de conhecer tudo, a totalidade... Uma razão viva é uma razão totalizante, como horizonte de tensão, como pretensão de saber” (1994). Desse ponto de vista, a proposta de Dom Giussani pode continuar a dar uma contribuição positiva ainda hoje, numa época em que se renunciou à busca da verdade e em que a fé foi reduzida a algo sentimental ou a uma mera ética. Há mais de cinquenta anos, ele intuiu o avanço dessa crise que agora todos conhecemos, tanto que se fala hoje em “emergência educativa”. Durante anos, pensou-se que bastava ensinar aos jovens Matemática ou língua pátria, ao invés de lhes indicar o caminho para ele penetrar no real, e isso produziu uma dramática indiferença, no sentido de uma incapacidade para se interessar por alguma coisa ou pessoa. A crise atinge esse nível da experiência humana. Todos percebemos o contexto em que um adulto deve desempenhar a tarefa educacional, mais ainda quem está envolvido no mundo da escola. É como se cada manhã, ao entrar na sala de aula, dominasse uma pergunta: hoje, ao dar a aula, terei a chance de suscitar nos alunos algum interesse, ao ponto de colocá-los em condição de enfrentar a realidade de um modo verdadeiro, positivamente? Não basta o discurso para despertar o interesse. Justamente para isso, Dom Giussani subiu as escadas do Berchet: para comunicar um método que permitisse aos seus alunos fazer uma caminhada e, assim, crescer como homens, alargando o horizonte da própria razão. É desse alargamento da razão – entendida como uma janela aberta para a realidade – que ele deu testemunho, valorizando tudo o que de belo, verdadeiro e bom encontrava no caminho, como vimos. A mesma preocupação encontramos em Bento XVI. É significativo, para mim, que hoje haja dois homens da Igreja defendendo o uso da razão, despida de dogmatismo – clerical e laicista –, sem medo de se expor a críticas e incompreensões. Eis aí, então, o nível do desafio que está diante de nós e que Dom Giussani enfrentou com aquela paixão educativa que, hoje, tantas pessoas reconhecem. Ele sempre definiu a educação como um modo de introduzir a pessoa na realidade total: comunicação do significado da existência por meio da experiência de relacionamento entre pessoas. Um jovem – mas também um adulto – não supera o ceticismo e a indiferença porque alguém lhe explicou uma teoria, e sim quando se defronta com uma testemunha que documenta uma plenitude de vida, que subitamente lhe parece desejável. Dom Giussani foi isso para milhares de pessoas no mundo todo, a partir justamente desta escola, abrindo uma estrada que não levava até ele, mas na qual qualquer um podia fazer dele um companheiro de caminhada, sem jamais querer substituir a liberdade de cada um dos seus alunos. Ao contrário, ele desafiava continuamente a razão com uma proposta frente à qual era preciso tomar posição, sempre: para aderir a ela ou para rejeitá-la. Todos precisamos de pessoas que nos provoquem, ao ponto de nos fazerem desejar aquela vida fascinante que vemos neles. O cristianismo que Dom Giussani propôs – e que me conquistou – começou assim mesmo; para ajudar o homem a conhecer o significado de tudo, Deus não se serviu de um discurso. A “lição” que o Mistério deu aos homens foi tornar-se carne e sangue, um ser humano com quem se podia caminhar pelas ruas de Jerusalém, com quem se podia comer e beber. Assim, quero agradecer ao Diretor e ao Conselho deste Instituto, que quiseram recordar, com um sinal colocado na entrada da escola, esse professor que tornou o nome Berchet conhecido no mundo todo como um lugar onde uma paixão educativa encontrou e encontra espaço e liberdade para se expressar, uma escola onde Dom Giussani pôde confiar algo de si à criatividade do outro, continuando a ser nosso mestre. |
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