Mata solidão!
O Estado de S. Paulo
Li que um japonês inventou um aparelho que, adaptado à coleira, traduz o latido do cachorro. O cachorro late ou rosna e aparece numa telinha o que ele está tentando dizer para o seu dono. “Quero comida”, “Preciso fazer pipi”, “Troca de canal”, “Gostei do seu cabelo assim”, etc. O mercado para a invenção é enorme, só a julgar pelos donos de cachorro que conheço. Finalmente eles vão poder não apenas falar mas dialogar com seus cachorros, trocar idéias, saber o que eles pensam da vida e dos homens. Há o risco, claro, da contestação inesperada. Do dono dizer “Senta” e o cachorro responder “Contextualiza”. Mas o interpretador de cachorros chega para preencher uma profunda necessidade humana. Gênio.
(Caderno 2, Verissimo, 7.fev. 2008)
A fogueira das vaidades
Folha de S. Paulo
Pobre Bento XVI. O homem é um filósofo e um eminente intelectual europeu. Professor também. Mas, quando ele põe o pé numa universidade, o mundo desaba em volta.
Em setembro de 2006, na universidade alemã de Ratisbona, um discurso do Papa sobre as relações entre a fé e a razão incendiou o mundo islâmico, que não gostou de uma citação erudita sobre as violências de Maomé (que, como se sabe, foi o primeiro pacifista da história). A cabeça de Ratzinger foi rapidamente exigida numa bandeja.
Na passada semana (janeiro 2008; nde), a universidade La Sapienza, em Roma, ofereceu espetáculo similar. Primeiro, convidou Bento para discursar no começo do ano letivo. Depois, 67 professores da casa exigiram o cancelamento do convite. Parece que Bento é um “reacionário” em matéria científica, e receber o Papa seria receber o anticristo; seria, enfim, uma grotesca violação da autonomia da universidade. Bento XVI preferiu não comparecer. Os fanáticos gritaram vitória. Alguns, citando Stálin (sem saber que citavam Stálin, ou, talvez, sabendo), proclamavam que o Papa fora obrigado a retirar as suas “divisões”. Perfeito. Com a idade, uma pessoa habitua-se a tudo. À grosseria, à deselegância e à estupidez da espécie humana. Como São Paulo, é possível suportar tolos de cara alegre. Mas a ignorância é difícil de engolir. Sobretudo quando a ignorância vem de gente perfeitamente convencida da sua sabedoria. (...)
O problema é mais vasto e lida com a própria idéia de "universidade" – que é, goste-se ou desgoste-se, uma criação da Igreja Católica no Ocidente pós-romano.
Verdade que os 67 professores provêm das ciências exatas e, tal como C.P. Snow denunciava em 1959 num célebre discurso sobre as "duas culturas" - a científica e a humanista -, persiste ainda um divórcio analfabeto entre ambas. (...) Os 67 sábios da La Sapienza são a negação do espírito científico e, sem surpresas, a expressão da mediocridade universitária européia. Mas são mais: ao condenarem qualquer posição contrária como herética, eles assumem o papel inquisitorial que, pateticamente, acreditam condenar.
Eis um sinal irônico do barbarismo contemporâneo: saber que as fogueiras santas do passado mudaram de dono e são agora atiçadas pelos racionalistas do presente.
(Folha Ilustrada, João Pereira Coutinho, 22.jan.2008)
Lulomania
O Estado de S. Paulo
“A popularidade em alta de Lula”, observa o diretor do Sensus, Ricardo Guedes, “está ancorada no bom desempenho da economia e nos programas sociais.” A tal ponto que, para 61% das pessoas ouvidas na pesquisa, o país não vai parar de crescer, embora 39% temam que o Brasil não esteja preparado para enfrentar uma crise mundial. (Só pouco mais de metade da amostra se considera informada da questão.) O grosso da população tem razões objetivas e subjetivas para otimismo. De um lado, a vida melhorou. De outro, o otimismo de Lula contagia. Aliás, a própria trajetória dele, no imaginário popular, como que avaliza o seu otimismo. O fato é que o presidente brasileiro é o governante mais benquisto do mundo democrático – imune, de resto, ao desgaste do tempo no poder. Não surpreende que a Lulomania tenha escassos pontos de contato, se tanto, com a imagem do seu partido, qualquer que seja.
Por sinal, ele faz o que sabe para se dissociar ostensivamente do PT: nem apareceu na festa dos seus 28 anos, semana passada. E os companheiros nem podem se queixar, por serem devedores, e não credores de Lula. Fossem outros os ventos, Lula não poderia passar ao largo da confissão do novo secretário-geral petista, deputado José Eduardo Cardozo, de que o mensalão existiu. “Vou ser claro: teve pagamento ilegal de recursos para políticos aliados? Teve. Ponto final”, disse ele à revista Veja. “Não podemos esconder esse fato da sociedade.” Mas, para boa parte da sociedade, Lula não tem nada a ver com isso.
(Notas e Informações, 20.fev.2008)
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