A certeza do presente. O valor da testemunha. Mas também uma brincadeira de esconde-esconde, os passeios pelo Cazaquistão... Continuando o trabalho sobre a encíclica papal, nós a lemos com um educador nada esquemático. A seguir, o relato desse percurso
Há alguns meses reitor do Instituto Sagrado Coração, de Milão, padre Eugenio Nembrini, de volta do Cazaquistão, onde viveu e lecionou durante anos, fala da nova encíclica de Bento XVI, que Passos anexou ao número de janeiro/fevereiro. Com ele dialogamos sobre a primeira parte da Spe salvi, em que o Papa liga o tema da esperança à fé, afirmando que só trabalhando o presente o homem pode olhar para o futuro sem medo. “É como se o seu pai, que lhe quer bem” – começa padre Eugenio – “lhe dissesse: ‘Sente-se aqui um momento; quero falar com você sobre uma coisa importante: você sabe que ser cristão, conhecer e amar Jesus é uma coisa do outro mundo?’ Ler a encíclica é como ter o Papa ao nosso lado, alguém que se preocupa com a minha felicidade e que quer me dizer coisas que neste momento ele sente como preciosas para a minha vida”.
Alguém que nos toma pela mão para fazer o mesmo trajeto humano – racional e afetivo – que ele está fazendo.
Tanto que lendo a encíclica eu logo me questionei a respeito do meu trabalho: encontro pais e jovens que no fundo pedem uma coisa só: “Meu coração quer o bem, mas com meu marido é impossível, na escola é impossível; mas o coração exige, grita. Mas, então, é mesmo possível?”. A encíclica colocou dentro de mim essa responsabilidade: ser educador é ter a paciência e a liberdade de pegar a mão de cada um e dizer: “Vamos, eu lhe acompanho; aquilo que você procura e que lhe parece impossível é, ao contrário, a coisa mais simples e racional do mundo”.
No entanto, ela parece impossível.
O único impulso que move a pessoa é a intuição de que a vida não é uma pura perda de tempo. Ora, no fundo de quem diz ser impossível o bem há sempre uma dor, uma traição sofrida, um pecado, como se não pudessem ser perdoados, o que termina julgando todo o resto da vida. Por isso, Jesus acaba sendo, no máximo, um apoio psicológico, para que esse peso no coração não sufoque.
Por que, ao contrário, é a coisa mais simples e racional?
A proposta cristã é abertura a um bem que logo se intui como possível, que coloca a possibilidade de paz dentro dessa confusão da vida. Desse ponto de vista, o tema da esperança é fascinante, porque parece quase que contraditório. O Papa o diz bem: é o que mais desejamos e o que mais questionamos.
E qual é a estrada para superar essa contradição?
Não é um discurso, mas algo presente, um acontecimento, um rosto amigo por meio do qual se realiza o encontro com Jesus na história de todos os dias.
A Escola de Comunidade sobre É possível viver assim? começa falando da fé como método de conhecimento e sublinha o valor da “testemunha”.
A testemunha é alguém que junto conosco ama e olha na mesma direção, como Pedro e João correndo até o sepulcro, no quadro de Burnand; é um companheiro de viagem que leva a sério o coração e nos diz: “Vamos em frente, pois é possível!”. O Padre Eterno não nos pregaria essa peça: dar-nos um coração infinito para depois nos fazer viver a vida como a experiência de uma impossibilidade. O Papa me diz: “Eugenio, é possível porque eu o vi, eu o vejo, e o amo”.
Você disse que não nos movemos a partir de um discurso ou de uma explicação. Minha filha Madalena voltou da primeira aula de catecismo dizendo: “Foi lindo! Padre Eugenio contou um monte de histórias e de exemplos”. O Papa e Dom Giussani nos colocam dentro de uma experiência que eles, por primeiro, fizeram e que possibilita o conhecimento.
Para as crianças contei o exemplo do esconde-esconde: “Onde está o belo? Está bem escondido. E por que a gente o procura? Porque é muito gostoso encontrá-lo. Não é essa a brincadeira do esconde-esconde? É isso, crianças, Jesus faz isso com a gente: ele está em todos os lugares, mas quer que cada um o descubra nas coisas, para sentirmos o gosto de dizer: Eu descobri!” Isso não está muito distante do que disse o Papa, porque é terrível quando o cansaço e o pecado nos fazem concluir: então não é verdade. É uma escolha livre, que produz infelicidade, porque a pessoa vai contra ela mesma. Esta noite vamos ter o encontro da “turma da cerveja”, que começou há um ano, quando alguns de nós combinamos: “Vamos nos encontrar de vez em quando para tomar uma cerveja e comemorar a beleza da vida”. Na última vez estavam presentes 240 pessoas. O que há de tão extraordinário ali? Mas o pessoal me escreve: “Minha vida voltou a ter sabor, reencontrei a alegria, a paz”. O que aconteceu? Simplesmente a experiência de que onde Deus está, imediatamente o coração do homem se reanima. E a gente pensa: “Eu também tenho valor, eu também sou importante, também para mim é possível”. Então renasce tudo; não é retirada a dor nem o cansaço, mas a vida se reanima. A encíclica mostra um caminho, tal como a experiência que Dom Giussani nos indica na Escola de comunidade: “Venha comigo”. A aventura da razão ou encontra uma experiência presente, ou tudo se complica.
É por essa fragilidade de encontrar algo no presente que o futuro se torna, muitas vezes, enigmático, assustador?
Para muitas pessoas, o futuro se identifica com um pergunta: quem me garante que fazendo assim ou assado eu não me engano, que este será de fato o meu amor? Quando a gente responde que ninguém pode dar essa garantia, essas pessoas se assustam, porque aquilo que sustenta a vida delas não tem consistência, a não ser teoricamente. A experiência que fiz também no Cazaquistão é de que a falta de certeza, inclusive em relação a coisas materiais, é abraçada e amada por um bem vivido. Se não há uma experiência hoje, o futuro é um problema, e então a pessoa é obrigada a investir em algo que deverá acontecer: descarrega no futuro a realização da certeza que não tem no presente.
A encíclica é uma grande introdução à Igreja como presente...
E a Igreja é um ponto real de experiência. Em É possível viver assim?, o encontro faz nascer o encanto e o desejo de entender. O acontecimento cristão começa assim: “Mestre, onde moras?”. “Venham e vejam”. Em três anos de convivência, Jesus levou-os a fazerem o percurso rumo ao futuro.
Isso descreve bem a experiência humana. Em geral, a experiência da testemunha é circunscrita ao âmbito cristão: se a gente tem fé, crê na testemunha. Se não...
Um dos momentos mais fascinantes da minha vida foi quando, no Cazaquistão, fiz um passeio com um grupo de alunos; eram ateus ou de tradição muçulmana, nada sabiam de Jesus. Fomos ao Grand Canyon. No início da jornada, eu disse a eles: “Vejam bem: esse lugar era odiado pelos seus avós, que eram animistas e consideravam o lugar a morada dos espíritos maus; talvez esta seja a primeira vez que uma centena de jovens o estão contemplando. Ele existe para nós. Apreciemos!”. Na volta, uma jovem me disse: “Vi pouco, porque não sei olhar. Mas passei o dia observando como você e os seus amigos olhavam. Que lindo!”. Essa é a descrição da testemunha, que é a estrutura do homem. Aquela jovem não aprendeu isso lendo livros sobre Jesus, mas no encontro com alguém.
Diariamente vivemos esse dualismo: Jesus é perfeito, mas nós o encontramos por meio de uma realidade pecadora; por isso, encontrar a mim, encontrar você, os amigos, não é propriamente encontrar Jesus.
É um engano pensar que se fosse realmente Jesus em carne e osso, aí eu o reconheceria. Mas lendo o Evangelho a gente vê que não era isso o que acontecia. Muitíssimas pessoas encontraram Jesus “em pessoa”, no entanto se escandalizaram com ele. Quer dizer, essa não é a questão, pois o que está em jogo é o eu de cada um, que é livre. É como se o Papa, com essa encíclica, me dissesse: “Olhe, o que conta é o seu eu, com o coração que Deus lhe deu, com toda a sua razão, porque se você não comparece com o maior dom que você tem, que é a sede de verdade, mesmo que a verdade batesse à sua porta, você não a reconheceria”.
Dom Giussani diz que aí são envolvidas “todas as ferramentas: razão, olhos, coração, tudo”.
Quando se intui isso, deixa de valer a desculpa “Ah! Se fosse Jesus!”. O que vale é “Jesus está aqui”. E como eu sei que está aqui? Quando eu perceber que você está comigo, que cada circunstância existe para nós, mesmo a mais difícil. Mas para que isso aconteça serve um lugar, um amigo que não me empurre ainda mais para a dor, para o mal; se eu estiver na escuridão, que ele não me venha dizer: “O sol não existe mais”. Precisamos de um olho e de um coração que não estejam cheios de si mesmos, mas livres para olhar onde acontece em alguém. É esse impulso que nos faz recomeçar.
Aí está o gênio educativo de Dom Giussani, como uma documentação da verdade da encíclica. Para alguém, como você, que assumiu uma responsabilidade educacional, isso é decisivo.
Torna-se determinante e também pode trazer dor, como quando uma família tira o filho da escola; nós entendemos que não é mudando de escola que se muda a vida, e isso é motivo de questionamento para mim e meus professores, toda vez que somos incapazes de testemunhar a beleza de que falam o Papa e Dom Giussani, que é a única coisa que pode mover os jovens, missão que o Mistério confia a nós.
Esse não é o último dos frutos da revolução que padre Carrón está provocando entre nós, com esse seu obstinado desafio ao eu na relação com a realidade.
E aí precisamos nos ajudar. Encontrei duas mães que se lamentavam: “Já faz nove anos que confiei minha vida a esta companhia. Agora aconteceu uma coisa... então quer dizer que esses nove anos não valeram nada”. Questionavam tudo. O diabo nos arruína assim: “Veja como tudo isso não passa de balela!”. O diabo faz a coisa parecer impossível: “Deus prometeu demais. Deixe pra lá, não se iluda”. Ao passo que a experiência que Carrón está nos levando a fazer sustenta a nossa esperança, pelo testemunho que nos oferece. E maravilhados frente ao que está acontecendo, começamos a dizer: “Mas então é Jesus mesmo!”.
Chegamos ao fim. Padre Eugenio levanta-se da escrivaninha e diz, quase falando consigo mesmo: “Nossa Senhora”. Tiro da bolsa o bloco de anotações e digo: “O que foi?”. E ele me presenteia com uma pérola.
Nossa Senhora parece-me a descrição da esperança. O Anjo chega, promete que ela se tornará mãe. Não é a segunda, nem a terceira, a quarta ou a quinta vez que será mãe. É a primeira. Penso nessa mulher quando nasceu o seu filho, com que curiosidade, nesse dia e em todos os outros dias da vida, terá ficado diante dele a dizer: “Eu sei de onde ele veio”, curiosa de ver, na experiência cotidiana, o que o Mistério iria suscitar, até a Paixão. Se Maria não fosse sustentada por uma experiência segura, não aguentaria. A esperança é essa curiosidade de observar como o Mistério, hoje, virá ao meu encontro. Sei que ele se manifesta a mim, eu o tenho diante de mim, é esta criança que está comendo, que bebe, chora, e eu estou todo atento para entender. É um presente que a qualquer instante ainda vai me encontrar. Não tenho medo; estou curioso, isto sim. O instante – que talvez você não entenda – está carregado dessa presença que está diante de você. Então a esperança não é “esperamos que...”, “speremm”. Pense em Nossa Senhora, não deram a ela o manual de instruções; ela aprendeu instante após instante, com a certeza de que aquele Cristo é a esperança para si e para o mundo. E não foi poupada de nada, de nenhuma dor. Estar juntos assim é uma bela aventura.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón