O Bispo de Petrópolis escreve sobre a nova encíclica de Bento XVI
A segunda encíclica do Papa Bento XVI sobre a esperança, “Salvos na esperança”, é um presente para o nosso mundo pós-moderno, muitas vezes decepcionado e desejoso de uma esperança verdadeira.
A esperança cristã não é um vago sentimento subjetivo de abertura ao futuro, nem uma pura atitude interior ou uma genérica expectativa de algo melhor agora totalmente ausente: “Soframos hoje que seremos felizes amanhã!”. Na esperança cristã o presente já é tocado pelo futuro e, por isso, é possível esperar. Trata-se de uma “posse antecipada do que se espera e fundamento do que não se vê” como diz a Carta aos Hebreus (Heb. 11,1).
Nós todos, escreve o Papa citando Santo Agostinho, desejamos a vida no seu sentido pleno, que ela não seja ameaçada pela morte. Mas uma vida assim é por nós desconhecida. Por meio de Cristo brota para os homens uma esperança que não é apenas algo desejado que se coloca no futuro, mas uma realidade presente, uma verdadeira presença.
Nos tempos modernos, a partir da reflexão de Francis Bacon, o paraíso perdido, a realização plena da nossa esperança, não vem mais pela fé em Cristo, mas sim pela ligação entre ciência e prática. Isso não implicou, logo no início, na eliminação da esperança cristã, mas na sua irrelevância, porque a deslocou para a esfera das coisas privadas e ultraterrestres. A esperança nasceria da ciência e da prática que constroem o reino do homem.
Aqui, Bento XVI traça com habilidade de mestre um perfil muito preciso da cultura moderna e contemporânea, observando o tema da esperança nas várias formas secularizadas, particularmente em Kant, mas também em Engels e Marx, até chegar à Escola de Frankfurt.
Depois deste percurso, Bento XVI destaca o fato de que a ciência pode contribuir para humanizar a sociedade, mas pode também destruí-la se não for orientada por forças que estão fora dela: pela consciência e pelo amor. Porém, “O homem é redimido pelo amor, mas o amor pode ser destruído pela morte”. Por isso, o ser humano precisa de um amor incondicionado. É necessária uma esperança que resista às desilusões e, mesmo quando as esperanças se realizam, percebe-se que o que alcançamos não é a totalidade. Necessitamos de uma esperança que vai além.
Da esperança bíblica passou-se à esperança do reino do homem e agora está diante dos olhos de todos, por causa das guerras, violências urbanas, injustiças, tédio, vazio e drogas, o déficit de esperança que vive o nosso mundo.
Precisamos de esperanças e, sobretudo, da grande esperança que nos faz caminhar.
“Deus é o fundamento da esperança – não um deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até o fim: cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto”.
A encíclica traz referências culturais de primeira grandeza, mas, ao mesmo tempo, está repleta de testemunhos concretos e simples de uma grande esperança. Menciono os exemplos de Santa Josefina Bakhita, uma africana do Dafur, Sudão, que foi escrava e depois libertada, sendo proclamada Santa por João Paulo II; do Cardeal Van Thuan, preso por treze anos nas prisões comunistas do Vietnã, e de um outro vietnamita martirizado em 1857, Paulo Le Bao-Thin. Todos no meio dos tormentos eram sustentados por uma esperança certa, pelo abraço do Cristo presente. Ele é o fogo que queima e que salva por meio do seu amor eterno, oferecido a todos na Ressurreição.
O Paraíso, ponto final da história, já se tornou o presente na pessoa de Cristo e começa a ser experimentado no encontro com Ele. Assim, a recusa d’Ele é o Inferno, a morte da esperança. E entre estes dois estados, o Papa lembra também o Purgatório: um sofrimento em vista da purificação do amor. E sendo que ninguém é uma ilha, “uma monada fechada”, a vida das pessoas é intercomunicante com os outros tanto para o bem quanto para o mal. Neste sentido, tem valor a nossa oração pelos irmãos falecidos como pelos nossos irmãos vivos. Esta é a experiência da comunhão: o dilatar-se do contágio da esperança, no tempo e além do tempo: para sempre.
* Dom Filippo Santoro é Bispo de Petrópolis e teólogo.
(Este artigo foi publicado originalmente no Jornal do Brasil, edição de 10 de dezembro de 2007)
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