O ímpeto de viver o ideal da vida no trabalho gerou em volta dele um movimento de estudantes e colegas; tornando-se um fator de novidade na universidade católica de maior prestígio dos Estados Unidos. Entrevista com Paolo Carozza, professor de Direito respeitado internacionalmente
Paolo Carozza é professor de Direito na Universidade de Notre Dame, em Indiana (EUA). Laureado com louvor em Harvard, seus estudos abrangem do Direito Internacional ao Direito Comparado, dos Direitos Humanos aos sistemas jurídicos europeus e latino-americanos. Lecionou na Alta Escola de Economia e Relações Internacionais da Católica de Milão e, em 2004, foi Fulright Senior Lecturer na Universidade Estadual, em Milão. É membro – e, a partir deste ano, vice-presidente – da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, eleito pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 2005. Conversamos com ele por telefone durante o Thanksgiving (a festa nacional de Ação de Graças), provocados e curiosos pelas notícias trazidas de Notre Dame por Giorgio Vittadini sobre o grupo de estudantes e docentes reunidos em torno de Paolo. Eis o que ele nos disse.
Paolo, o que significa ser professor na mais importante universidade católica dos Estados Unidos?
Eu e muitos outros professores da faculdade tivemos a oportunidade de dar aulas em outros lugares, em algumas das universidades mais conhecidas do país. Viemos a Notre Dame por causa de sua aspiração ideal de ser a melhor universidade de pesquisa e pela certeza de que o seu caráter marcadamente católico não está separado deste ideal, mas é seu ponto-chave. Trabalhar aqui significa ter a liberdade de viver uma vida mais plena; colocar na minha pesquisa perguntas que não são artificiosamente constrangidas pelas convenções de uma academia totalmente secularizada; entrar em relacionamento e discutir com os alunos, em sala de aula e fora dela, segundo uma modalidade que abraça toda a experiência da vida; ser parte de uma comunidade onde a oração e o desejo, na raiz de nossos estudos, são uma única coisa.
Do ponto de vista da impostação cultural, existem diferenças em relação ao sistema universitário americano?
Sob muitos aspectos, o modo como a universidade é organizada e administrada, a linha didática e a maneira de fazer pesquisa, são os mesmos das universidades do mais alto nível nos Estados Unidos. Todavia, existem pelo menos dois aspectos que tornam a Notre Dame um lugar diferente. Primeiramente, é um lugar que nunca aderiu à tese de que a modernização seja inseparável da secularização. Assim, num ambiente universitário que, em sua maioria, reduziu o problema da religião a mero fenômeno social (nos melhores dos casos), e que é espiritualmente surdo em relação ao senso religioso, aqui se afirma sem embaraço nas aulas, nos encontros públicos e nos seminários que a dimensão religiosa do homem é uma parte, que não pode ser eliminada, daquilo que significa investigar a natureza de toda a realidade. Em segundo lugar, este projeto está profundamente integrado com a vida dos estudantes, os quais não apenas vivem no ambiente do campus, num percentual maior em relação a qualquer outra universidade norteamericana, mas vivem em comum cada coisa, do estudo à fé, incluindo a amizade entre eles. Um dos sinais mais visíveis dessa diversidade é a intensidade do senso de pertença que se gerou e pelo qual essa comunidade é sustentada, como se pode ver nos ex-alunos, que voltam aqui com seus filhos e netos e que contribuem com as necessidades econômicas da universidade, nos eventos esportivos que reúnem estudantes e pessoas comuns de todo o país, e no cuidado de nossa faculdade. Pode-se perceber a diferença no simples gesto de uma moça que, depois de ter estudado na biblioteca com os amigos até às três da madrugada ou depois de ter feito jogging em volta das lagoas do campus, encontra tempo para parar na “Grotto” (uma reprodução da gruta de Lourdes) para acender uma vela.
O que o encontro com Comunhão e Libertação trouxe de novo para o seu trabalho?
O meu encontro com o Movimento e a educação que recebi dele tornou possível, para mim, viver o ideal da universidade e da minha vida com mais verdade e intensidade. Não acrescentaram nada à minha pesquisa, à minha forma de dar aulas ou à minha família, mas indicaram-me um modo de vivê-los com maior gratidão e maravilhamento diante da beleza daquilo que me é dado. Consequentemente, tornaram mais profundo o desejo de entrar dentro dessas coisas com todo o meu ser e de oferecê-las ao Pai.
Em que consiste a originalidade do Movimento em relação à mentalidade norteamericana? O que ele valoriza dela e em que se distingue?
Poderia dizer muitas coisas, mas prefiro sublinhar apenas três. Em primeiro lugar, se é verdade que nos Estados Unidos a religião é algo fortemente presente na vida das pessoas, muito frequentemente ela é como um rótulo colado por cima ou algo à margem da vida. Assim, a experiência perturbadora dos meus alunos e colegas é a de lutar contra a fragmentação e a divisão em suas vidas, entre o ideal reconhecido da vida e a experiência cotidiana do trabalho, do estudo, da diversão, da amizade. O carisma de Dom Giussani nos educa a levar a sério o Verbo que se fez carne, a ponto de fazer com que essa divisão seja derrubada. Em segundo lugar, nos Estados Unidos não aprendemos a estar atentos à beleza e a deixar que ela desperte em nós a abertura ao real: a indiscriminada comercialização do espetáculo reduz a sensibilidade. Ao contrário, uma das coisas que mais me toca entre as que ouço dos estudantes que participam das reuniões do Movimento, é que foram atraídos pela nossa evidente paixão pela beleza, sobretudo a arte e a música. Em terceiro lugar, embora os americanos sejam muito habituados àquilo que podemos chamar de “formas associativas civis” – são envolvidos em um número infinito de clubes e organizações –, não é normal, para eles, afirmar a dimensão comunitária da vida, não simplesmente como uma atividade, mas como um método para penetrar na sua totalidade e como terreno onde a semente dos nossos juízos, da percepção do real, das decisões e das ações cresce e dá frutos.
Que significado tem o relacionamento com seus alunos?
Respondo com um pequeno testemunho pessoal. Durante alguns anos, eu e minha mulher vivemos um grande sofrimento porque queríamos ter outros filhos, mas todas as vezes que ela ficava grávida, perdia a criança. Nenhum médico conseguia explicar o porquê. Perguntei a um grande amigo: “Por quê? O que isso significa, o que nos é pedido no fato de termos este grande desejo e de que a sua realização parece ser-nos repetidamente negada?”. Ele me respondeu: “Talvez você seja chamado a ser pai de uma maneira diferente e maior”. Era uma profecia do modo com o qual eu deveria olhar não só os meus filhos, mas também os meus alunos: como um pai que ama seu destino e deseja, mais que tudo, ajudá-los a caminhar na liberdade e na certeza disso. Assim, quer estejamos cantando juntos em minha casa ou analisando a sentença de uma Corte na sala de aula, eu estou com eles pelo desejo de responder à nossa vocação, a deles e a minha.
Poderia nos dizer algo sobre o envolvimento com seus colegas?
Recentemente, enfrentei com um colega um momento difícil e controverso na vida da universidade – um grande debate sobre a futura direção da comunidade universitária – e concluímos, juntos, que não tinha sentido enfrentar o problema num plano puramente teórico. A resposta devia nascer de uma real comunhão entre os membros da faculdade. Convidamos algumas pessoas que conhecíamos para nos encontrar com regularidade, sem outro objetivo prefixado a não ser partilhar uma amizade. Comemos e bebemos, lemos e discutimos assuntos que achamos estimulantes e problemas importantes que a universidade e a sociedade apresentam, colocamos em comum nosso trabalho como docentes. Aos poucos, nasceu um grupo com colegas de Direito, Filosofia, Teologia, Engenharia, História, Arquitetura e Ciências Políticas. Esta “é” a universidade, concretamente e com uma dimensão humana.
Por favor, descreva em poucas palavras o que é o Movimento na Notre Dame.
É o testemunho, na carne, da realização da promessa que o ideal da universidade representa. Dizemos sempre aos novos alunos que a nossa companhia não é para tirá-los da comunidade universitária, mas exatamente para que eles a possam viver mais plenamente, tornando-se dentro dela uma presença que a vivifica e a torna capaz de ser o sinal de que há uma resposta, aqui e agora, para a expectativa do nosso coração.
De manhã, a oração das Laudes na faculdade com um grupo dos universitários, à tarde, um vôo para Washington para a Comissão Interamericana sobre os Direitos Humanos. O que une essas duas coisas tão diferentes?
Ambas não são mais do que o pedido de unidade e plenitude, por meio da consciência do meu limite e do reconhecimento d’Aquele que, sozinho, salva a minha humanidade do nada. A oração da manhã com meus alunos é a reconstrução, a cada dia, daquilo que é autenticamente humano, da dignidade do homem, do “eu”, que toda vítima de uma violação dos direitos humanos deseja: não posso oferecer qualquer ajuda ou resposta ao seu sofrimento que não seja uma mentira se não rezo as Laudes com meus alunos.
O Campus Universitário da Notre Dame encontra-se na região centro-oeste americana, 150 Km a leste de Chicago. Atualmente, conta com 12 mil estudantes inscritos nos institutos e nas várias faculdades, provenientes de todas as partes dos Estados Unidos e do mundo. A universidade, católica, dedicada a Maria, nasceu em 1842 a partir da intuição de padre Sorin, da Congregação da Santa Cruz: ele chegou da França com sete confraternos atendendo a um pedido do bispo local que desejava a construção de uma escola, e se dedicou pessoalmente na fundação da universidade e na sua reconstrução, depois do incêndio de 1879. Sorin, diante da desolação do campo congelado, escreveu, imaginando a futura universidade: “Será um dos mais potentes instrumentos para o bem deste país”. Notre Dame é, hoje, reconhecida como uma das melhores universidades americanas. |
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