Com uma participação média de 700 mil pessoas por ano, o Meeting de Rímini – que acontece desde 1980, durante uma semana do mês de Agosto – é um evento feito de encontros, mostras culturais, espetáculos musicais e artísticos. A seguir, um pequeno relato da edição de 2007, onde uma razão aberta ao Mistério mostrou que o “caminho à verdade” é uma experiência possível para todos
O Meeting é um lugar de encontro, de amizade e de diálogo. Ou seja, de paz”. Foi o que reconfirmaram este ano os muçulmanos Wael Farouq, professor de Ciências Islâmicas na Faculdade Coptocatólica do Cairo, e Sari Nusseibeh, presidente da Al-Quds University de Jerusalém. A dissonância entre fé e razão gera a violência fundamentalista, atribuível não às religiões em si, mas a pessoas fanáticas. Ao contrário, uma pessoa que aceita a natureza da razão, que é abertura e busca infinita, pode – segundo as palavras de Bento XVI em sua saudação ao Meeting durante o Angelus do domingo 19 de agosto – “realizar a mais profunda vocação do homem: ser caçador da verdade e, por isso, de Deus”.
Por isso, o Meeting 2007, cujo título foi “A verdade é o destino para o qual fomos feitos”, respondeu a essa expectativa antes de tudo pelo encontro com personalidades religiosas, com judeus e muçulmanos, ortodoxos e protestantes, todos desejosos de percorrer o caminho razoável na busca da verdade. Antes de tudo, enfatizou-se que a fratura entre religiões, entre fé e razão, abre caminho para o relativismo e o niilismo, que tornam o homem cada vez mais só e confuso frente aos seus desejos.
O Cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, realizou a missa inaugural do Meeting. Na sua homilia abordou as razões de tal confusão, afirmando que “às vezes temos a impressão de que, no clima de relativismo e de ceticismo que invade a nossa civilização, se chega a proclamar uma radical desconfiança na possibilidade de conhecermos a verdade”.
Na mesma direção, Giancarlo Cesana, um dos responsáveis de Comunhão e Libertação, destacou que frases de conhecidos intelectuais – do tipo “A única verdade é libertar-nos da malvada paixão pela verdade” – introduzem nos jovens a tendência a não se amar nada e ninguém, numa espécie de “Chernobyl das consciências”, como a definiu Dom Giussani. Prosseguindo nessa estrada, o teólogo protestante inglês John Milbank, ao descrever a redução do amor a mero sentimento subjetivo, falou da perniciosa “fratura” que tenta separar amor e conhecimento. O teólogo protestante Stanley Hauerwas mostrou que, na experiência religiosa norte-americana, e, conseqüentemente, em toda a mentalidade hoje dominante, o homem pretende escolher tempos e modos para encontrar o Mistério. Por isso, depois de ter escolhido Deus na forma que prefere, quer escolher o filho, a esposa, os outros de sua preferência, e se torna violento na pretensão de eliminar tudo o que não corresponde aos seus desejos. Ao invés, como disse o professor judeu norte-americano Joseph Weiler, só quando aceitamos e imitamos o respeito à dignidade e à liberdade do homem demonstrado por Deus, que escolhe homens e um povo, mas permite-lhes que O rejeitem, é que se torna possível um mundo onde a liberdade do homem seja respeitada e exaltada.
Choque no coração
Pelo lado positivo, quais os passos que precisamos dar para escapar da mentira de achar que não vale a pena buscar a verdade? Não basta refletir teoricamente. Como ainda lembrou Cesana, a verdade é uma proposta: “uma experiência envolvente, constringente, que nos obriga a tomar posição... é um encontro que nos comove”. Um encontro assim não pode ser escolhido, mas apenas rejeitado ou aceito, e se o aceitarmos, acarretará envolvimento, necessidade de mudança, porque é uma atração que gera algo como um choque em nosso coração, uma maravilha por algo que sempre almejamos. Foi o que repetiu também o padre Francesco Ventorino, numa apaixonada releitura da trajetória de Dom Giussani rumo à verdade, rica de citações, de São Tomás de Aquino a Leopardi, de Nietzsche a Pirandello, e na qual concluía: “Os niilistas não têm razão, o homem é salvo pelo amor de um Deus que se faz carne”. Um Deus que é Beleza presente, não aquela apolínea, mas a que não se esquece do sacrifício e da dor, de que falou Ratzinger em sua visita ao Meeting de 1990.
No Meeting deste ano falou-se muito dessa experiência de beleza, crucial, por exemplo, na concepção ortodoxa descrita pelos filósofos Kozyrev e Legojda, e testemunhada pela mensagem do Patriarca Ecumênico de Constantinopla a presidente do Meeting, Emilia Guarnieri, por ocasião da inauguração da mostra sobre a Basílica de Santa Sofia: “Quanta grandeza alcança a arte cristã quando é fruto de comunhão com o Deus vivo, fonte de sabedoria e caridade”.
Mas vimos a beleza, no Meeting 2007, sobretudo nos estupendos espetáculos, nas apresentações regionais, nas mostras, como aquela da Associação Cometa, obra de comunhão e acolhimento de crianças, que testemunha como – quando se vive do encontro com a verdade – o eu coincide com a obra, sem ficar determinado pelo êxito.
A beleza, como fonte de correspondência com a própria humanidade, gerou nos voluntários uma ordem, uma pontualidade, uma precisão, notadas pelos convidados russos e por tantos outros presentes, como o prêmio Nobel de Física George Smoot, atentos e admirados com tudo o que acontecia, ainda que informalmente, em torno deles. Estranha e misteriosamente, é a mesma correspondência de que falaram os cientistas, correspondência que gera a imensidão do universo visível, descrita por Smoot, ou por aquela que se pode encontrar na objetividade das regras matemáticas, de que falaram os cientistas Giorgio Israel, Laurent Lafforgue e Enrico Bombieri.
Esperança possível
O Meeting de Rímini, em sua denominação original, apresentava-se como “Meeting para a amizade entre os povos”. Ainda é atual essa denominação? Hoje, como nos anos 70, a verdade é a força da paz: os diálogos com Pottering, presidente do Parlamento europeu, com o vice-presidente Mário Mauro, com o político basco Gotzone Mora, com os libaneses Hariri e Mitri, com a escritora iraniana Marina Nemat, mostraram sinais de uma esperança possível em áreas do mundo particularmente sofridas, quando não se renuncia à difícil busca pessoal e coletiva da verdade.
Nos debates sobre direito, falaram o juiz italiano Guido Piffer, que criticou a concepção segundo a qual a lei vale enquanto ato proveniente da autoridade; o juiz Samuel Alito, da Suprema Corte dos Estados Unidos, e o professor Paolo Carozza, da Universidade norte-americana de Notre Dame, membro do Tribunal Interamericano para os Direitos do Homem, que falaram da Constituição americana. Todos mostraram que o verdadeiro direito não pode se esquecer de que existem verdades válidas sempre e em todo lugar, por estarem inscritas no coração do homem e percebidas como evidentes.
Daí a importância da subsidiariedade, porque não podemos entender em abstrato as exigências verdadeiras do homem, mas identificando-nos com elas e valorizando a busca de verdade por parte da pessoa, que se expressa também no desenvolvimento dos corpos sociais a que pertence. É o ponto-chave de um olhar diferente sobre a política, que emergiu de debates sobre esse tema promovidos pela Companhia das Obras e a Fundação para a Subsidiariedade.
E como exemplo do “eu em ação”, um dos encontros promovidos no Meeting deste ano teve como tema a política latino-americana. Assim, no dia 23 de agosto, Bolívar Aguayo, presidente da Companhia das Obras na região, reuniu para um diálogo Hector Flores da Argentina, Leopoldo López da Venezuela e Marcos Zerbini do Brasil. Eles, respectivamente, contaram suas experiências como diretor do Movimento dei Trabajadores Desempleados, que busca reconstruir antes de tudo a dignidade do homem; a política atenta aos indivíduos, investindo no capital humano; e a Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo, que com seu trabalho de ajudar as famílias a se organizarem para a compra da casa própria, já conseguiu dar moradia para 12 500 delas, e agora ajuda os jovens a ingressarem nas universidades, desejo que já se concretizou para 25 mil estudantes.
A verdadeira democracia
É preciso restituir a cidadania aos cidadãos, inclusive por meio de mecanismos compartilhados por todas as forças políticas, que restituam poder ao eleitorado, porque – como escreveu Dom Giussani – democracia não é só respeito a procedimentos formais, mas diálogo, que nasce do “respeito ativo do outro, numa correspondência que tende a afirmar o outro em seus valores e em sua liberdade”, que chega a uma “comunhão entre as diversas identidades ideologicamente engajadas” (cf. L. Giussani, O Caminho para a verdade é uma experiência, São Paulo, Companhia Ilimitada, 2006, p. 220).
A ótica da subsidiariedade orientou os encontros também no campo econômico. Tais debates não puderam prescindir da fala do Cardeal Bertone, que no primeiro dia do Meeting evocou o “dever de pagar impostos segundo leis justas”, junto com a necessidade de que “não haja injustiças na distribuição dos recursos do Estado”. Para apoiar a capacidade empreendedora difusa, se de um lado é justo respeitar as leis do Estado, por outro é um delito desperdiçar os recursos com despesas públicas que favorecem a concentração de renda e perpetuam um Estado de Bem Estar Social (Welfare State) iníquo e ineficaz, em particular no que se refere à escola.
Todavia, não acontecerá uma reviravolta, sobretudo na educação, se não houver uma mudança do eu. Tudo o que ocorreu e se ouviu no Meeting mostra que também essas desejadas reviravoltas por uma liberdade de educação não servirão para nada se não formos livres e verdadeiros na vida em geral, como proposto pelo livro de Giussani apresentado no último dia, “Certi di alcune grandi cose” (Ter certeza de algumas grandes coisas).
“A certeza quer dizer abandono de si, quer dizer superação de si, quer dizer que eu sou pequenino, sou nada, e a coisa verdadeira e grande é outra (...) porque a lei do homem é o amor (...), a afirmação de algo diferente como significado de si”. Como disse o professor Giulio Sapelli ao apresentar o livro: “Um conceito ativo de cultura como conjunto de conhecimentos e sentimentos e que deixa a sociedade em condição de concretizar as obras... O que é a verdade se não esse modo de abertura para si mesmo e para Deus?”.
* Presidente da Fundação para a Subsidiariedade
TESTEMUNHO
ENCONTRO ENTRE OS POVOS
A seguir a carta que recebemos do vencedor da ação entre amigos “Passos rumo ao Meeting 2007”
A oportunidade que a revista Passos me proporcionou de viajar à Itália foi um acontecimento fantástico de beleza e correspondência em minha vida. O grande sentimento que me marcou nesses dias da viagem foi o de gratidão. É impressionante como o Senhor cuidou de tudo para me revelar uma beleza única, tanto nas paisagens e obras de arte, quanto nas amizades que aconteciam. Para isto, Ele usou como instrumentos as circunstâncias precisas e pessoas, muitas pessoas. A maioria delas que eu nem conhecia, mas que com poucos minutos de conversa, parecia que já existia uma familiaridade de muitos anos, como a nossa amiga Kátia de São Paulo, que me hospedou na véspera da viagem, e os nossos amigos de Milão, que me acolheram na partida. É muito difícil citar nomes ou ocasiões especiais, certamente corro o risco de esquecer e ser injusto. Contudo, posso dizer que a oportunidade que tive de rever meu grande amigo que conviveu tantos anos conosco aqui em Brasília e que agora mora lá na Itália, o caríssimo padre Giorgio, foi uma ocasião de grande alegria. Poder ver de perto que ele está bem em sua terra natal, e perceber durante os dias de convivência a sua grande disponibilidade ao Mistério. Sua obediência à Igreja e ao Movimento, realmente me comoveram. Durante os passeios que fizemos, ele fazia questão de me mostrar as coisas bonitas, as cidades, as obras de arte, as igrejas, e me explicar o significado dos detalhes, o contexto histórico da época em que aquilo tinha sido construído, enfim, uma preocupação com o significado das coisas, o que realmente não é comum hoje em dia. Só mesmo alguém que vive esse relacionamento com a pessoa de Cristo é capaz de nos ajudar na tarefa de perceber o significado da realidade.
Outro evento que me marcou muito foi o motivo pelo qual devia ir: conhecer o Meeting de Rímini. Realmente aquele lugar é fantástico, e supera qualquer expectativa que se possa ter antes de conhecê-lo. À medida que os dias iam passando, eu ficava cada vez mais impressionado e maravilhado com o Meeting, com a disponibilidade dos voluntários, a possibilidade concreta de diálogo verdadeiro com outras religiões, e até mesmo entre políticos de pensamentos divergentes. Enfim, cada palestra, cada mostra ou gesto cultural apresentado revelava uma grandeza particular. Outra coisa que também me impressionou é que foi muito grande sua repercussão na mídia (a abertura com a missa celebrada pelo Cardeal e a benção do Papa foi transmitida ao vivo pela TV), e eram milhares de pessoas vindas de milhares de lugares diferentes, de idiomas diferentes, transitando com amigos, com seus filhos, e como tinham crianças naquele lugar. De fato, para mim ficou a impressão que aquela era realmente uma bela maneira de se evangelizar e de mostrar a verdade, a grandeza e a beleza do cristianismo a todos.
E aí cheguei a Roma, encontrei com a Gislaine, a Luciana e os amigos dos Jovens Trabalhadores, e fomos logo fazendo amigos. A Irmã Júlia, uma freira simpática que mora na casa onde estávamos hospedados, me falava que morou em missão por 24 anos em Goiânia, que adorava nosso país e que sentia saudades de notícias boas do Brasil, pois na Itália são escassas. Então não perdi tempo, dei-lhe logo uma revista Passos e mostrei um juízo cristão sobre o acidente de Congonhas. Ela ficou comovida e disse que vai fazer uma assinatura. E para finalizar, fui presenteado com a beleza do Vaticano e da cidade de Roma, com a audiência de quarta-feira com o Papa na praça de São Pedro, e pude receber de perto a sua benção com toda sua paternidade e afeição, que coroou minha viagem. Realmente, muito obrigado.
Ivanildo,
Brasília – DF
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