Crônica de um encontro que reuniu 700 pessoas de 70 países e as colocou novamente diante de “um Acontecimento que se dá agora”. O desafio ao coração de cada um a reconhecer o olhar de Cristo.
Os responsáveis de CL de 72 países reuniram-se em La Thuile, norte da Itália, para a habitual Assembléia Internacional (AIR). Pela primeira vez, entre as 700 pessoas hospedadas no Planibel, estavam presentes também amigos vindos da Indonésia, Singapura e Jordânia. Entre o despertar às 8h30 e o silêncio à meia-noite e meia, o tempo foi preenchido durante três dias pela Eucaristia cotidiana, assembléias, momentos de trabalho em grupo, testemunhos de amigos ilustres (este ano teve um significado particular o do patriarca de Veneza, Dom Angelo Scola), conversas à mesa e momentos de partilha alegrados por coros improvisados. Foi interessante registrar – por exemplo, durante o passeio à montanha – a mistura de línguas e culturas diversas em conversas que aprofundavam as palestras ouvidas. Mas, qual é o fio que une uma jornalista da imprensa falada canadense que discute sobre o multiculturalismo e produções cinematográficas e um berlinense profissional do jornal impresso? E o que une um ex-comunista italiano e uma jovem filha do comunismo chinês que querem saber o nexo existente entre o senso religioso e a Igreja?
O próprio Julián Carrón está convencido de que nada é óbvio, mesmo em uma companhia que recebeu todos os reconhecimentos possíveis da Santa Mãe Igreja e que já caminha no mundo há mais de meio século. Por que proposta? Por que significado histórico? “Não é obvio. Devemos dar a precedência ao Mistério que nos faz, a este antes”, disse Carrón na noite de abertura da AIR. “É um acontecimento que se dá agora”, reforçou no início de sua colocação conclusiva.
Como é frágil e ao mesmo tempo potente, a natureza do acontecimento que reúne pessoas de todos os continentes – muitas das quais não se conheciam antes e provavelmente nunca mais se verão nesta vida – e se infiltra tanto quanto passa debaixo de nossos olhos. O Cardeal Simonis, que está prestes a deixar a diocese de Utrecht (Holanda) porque o Papa aceitou seu pedido de aposentadoria, numa conversa com um padre italiano amigo seu, perguntou: “Há quanto tempo nos conhecemos e você me convida para ser um dos responsáveis de CL? Dezoito anos, certo? Nossa amizade foi realmente cheia de histórias. Aliás, foi uma única grande história”. E entendemos a frase do salmista “vos escolherei entre as nações e vos constituirei como povo novo” quando encontramos no elevador o jovem Alex, estudante de origem oriental em Seattle (EUA); ou Said, um egípcio de Alexandria; ou revendo o velho amigo John, o australiano da famosa camiseta da cidade perfeita de Perth, onde antes de ir ao trabalho se surfa e, à noite, janta-se na praia sob um céu estrelado, depois de “outro dia entediante no Paraíso”.
A nota dominante nas palestras de Carrón foi “a precedência a ser dada ao Mistério antes de qualquer coisa. Não um sentimento, mas um juízo, um olhar, um reconhecimento dAquele que nos faz, agora. Este é um dado não uma convenção. Não há necessidade de entrarmos num acordo, ninguém pode prolongar sua vida um minuto sequer”. Durante todos os encontros a direção do Movimento parece ter a preocupação constante de conduzir a uma medida que excede às nossas (embora cristianamente corretas), a uma personalização madura pela qual a comunidade, a companhia, o Movimento não se substitua ao protagonismo da pessoa. Quer se trate da consciência de si diante da realidade ou de decisões cotidianas a serem tomadas diante das solicitações da vida, é necessário que o “eu” seja o ponto de partida de tudo. Tommy, um italiano que se mudou com a família para os Estados Unidos e que trabalha na Harvard, em Washington, não precisa ceder chantagem ansiosa do comunitarismo. “Mas lançar-se na sua aventura por aquilo que você é”.
Ecoa, em Carrón, o fastio pela companhia associacionista e o gosto pela liberdade que responde pessoalmente ao chamado do Mistério. E nós também, pessoalmente, percebemos momentos de resistência diante deste chamado último. Resistência como se estivéssemos diante de um tipo de evidência teórica. Como um estranho jogo de palavras paradoxais, mas que exprime a urgência do não se sentir pronto nem mesmo diante da correspondência perfeita com que certas palavras soam à inteligência. Ou talvez, como disse um jovem nova-iorquino na assembléia, por não estarmos livres “das imagens cravadas em nossa cabeça”. As imagens, por exemplo, que temos do que seja o Movimento. Nós, depois de tudo, nos sentimos à frente em relação a quando tínhamos vinte anos. E, então, alguém me convida a descobrir um Outro que me faz. Quase queremos perguntar: “Então, Jesus Cristo veio a nós somente para nos trazer esta luta intensa pela religiosidade?”. Parece claro, pela paixão que anima a eloqüência de Carrón, que mesmo que o cristão não dê importância a nostalgia da inocência dos gatos e das borboletas, a consciência do humano não subsiste pelo simples fato de pertencer à Fraternidade de Comunhão e Libertação.
“A pessoa é definida pelo relacionamento direto com o Mistério”, disse Carrón. E repete isso com variantes (insistentes) sobre o tema durante toda a duração dos trabalhos. É por isso que Giorgio Vittadini testemunha ter parado de perguntar coisas para Carrón para começar a pedir para olhar para onde ele olha. E para onde Carrón olha? “O método do Mistério é a pessoa de Jesus. Uma presença. Uma presença que se chama Igreja. Qual é a função da Igreja na história? É a mesma de Cristo. A igreja nos defende do isolamento pelo qual a religiosidade terminaria, de outro modo, instrumentalizada. Solicita-nos a um contínuo reconhecimento do ‘antes’ sem o qual escorrego continuamente na ânsia do fazer”. Por isso “o nosso problema não é a gestão de um povo. É seguir quem segue. E uma vez que o eu não emerge de instruções de uso e quem nos oculta o Mistério zomba de nós, viver a religiosidade é o único caminho que gera uma amizade verdadeira. De outro modo, são apenas relacionamentos políticos. Enquanto amizade é andar juntos em direção ao Destino”.
“É a pessoa de Jesus o método pelo qual o Mistério nos introduziu ao mistério da vida. Uma presença que se chama Igreja”
Julián Carrón
“A amizade é caminhar juntos ao Destino”
Julián Carrón
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón