Vai para os conteúdos

Passos N.87, Outubro 2007

EXPERIÊNCIA - La Thuile/ Testemunhos

Viver pela obra de um Outro

por Paola Bergamini

A acolhida de menores na Itália e a acolhida de doentes de AIDS em Uganda. Os testemunhos de Innocente Figini e Rose Busingye que nos ajudam a aprender um olhar novo na vida de todos os dias.


“Como salientou ontem padre Carrón, a obra é expressão do eu, quer dizer, nasce de uma pessoa que vendo uma necessidade, tenta responder. Mas há maneiras e maneiras. Pode-se parar no particular ou – e é a nossa experiência – ao responder à necessidade que encontramos, sermos ajudados a nos colocar diante dAquele que responde à verdadeira necessidade do homem: Cristo. Percebam que o horizonte é totalmente diferente”. Assim, Vittadini abriu, terça-feira, a noite dos testemunhos de Innocente Figini da Associação Cometa de Como (Itália) e de Rose Busingye, do Meeting Point de Kampala (Uganda). Duas obras, uma de acolhida a menores e outra de ajuda a doentes de AIDS, “que são dois exemplos. Para aprender a ter um olhar novo sobre a realidade e para responder às circunstâncias que a cada dia encontramos”.



Innocente Figini

Hoje são quatorze filhos naturais, vinte e quatro acolhidos em guarda, sessenta acolhidos durante o dia, uma escola profissionalizante, uma associação esportiva... porém “nós não quisemos fundar nada. Deparei-me com esta vida entre as mãos”, disse Innocente, oftalmologista que, junto com os irmãos Erasmo e Maria Grazia está na Associação Cometa desde o início. “Somos chamados a servir algo que um Outro nos indica por meio dos apelos da realidade”. O primeiro chamado foram as palavras do pai, pouco antes de morrer: “Deixo-lhe a minha fé. Uma única recomendação: viva em comunhão”. Ninguém, na época, entendeu o que isso significava. Depois, foi pedido a Erasmo que acolhesse um menino soropositivo, recebeu ajuda do irmão médico numa proximidade cada vez mais estreita e, depois, o encontro com Dom Giussani que lhes disse: “Façam uma obra de comunhão”. “Toda essa história nasceu do encontro com esse homem, que se inclinou sobre as nossas necessidades. Nesse encontro, fiz experiência da correspondência entre aquilo que move o coração e a razão. Para mim, a verdade tornou-se um fato preciso, um homem, e, seguindo-o, entendi que o caminho ao verdadeiro é uma experiência não uma definição. Até aquele momento tinha usado minha razão para manipular a realidade, vagava atrás de minhas imagens e meus pensamentos. Não me deixava provocar pela realidade. Giussani redescobriu aquele cintilo de desejo que eu tinha no coração”. Um encontro que continuou no trabalho de Escola de Comunidade porque “a exigência de significado deve ser educada senão corre-se o risco de cair na armadilha da mentalidade comum que tenta eliminar de todas as formas os desejos de verdade, de beleza e de justiça que temos no coração. E isso vale ainda mais para nossos filhos”. No tempo, a realidade colocou diante de mim muitas necessidades a serem respondidas, que fizeram florescer uma série de encontros e iniciativas, como a mostra no Meeting, totalmente inesperada. “Nunca fizemos projetos, sempre nos sentimos livres do êxito. Livres para pedir ajuda a qualquer pessoa porque tudo concorre para sua Glória. Nunca desejamos entender teoricamente o que significava a palavra comunhão. Fizemos experiência disso por meio da acolhida. A comunhão é um juízo, é verdade. Nasce da união dos corações, não de temperamentos semelhantes”.



Rose Busingye

Em Kampala, Rose assiste com a ajuda de dois médicos, dois enfermeiros e cinqüenta outras pessoas entre assistentes sociais e voluntários, a 2000 doentes de AIDS e 2050 órfãos por meio das adoções à distância da Fundação AVSI. “Comecei a trabalhar verdadeiramente quando alguém me disse: “Você é minha”. Quando descobri de quem sou, não somente quem sou. Sempre trabalhei por Jesus mas houve um momento em minha vida que corria atrás de alguma coisa que eu não conseguia alcançar. Porque, enquanto as coisas vão bem, a pessoa diz: que bonito, Jesus! Depois, chegam as dificuldades: os doentes que se lamentam sempre, os amigos que não estão por perto... Quis desistir. Recomecei a trabalhar quando respondi à pergunta: de quem sou? A resposta encarnou-se em rostos precisos, com nome e sobrenome. Não era mais um Cristo imaginário. Respondi à minha vocação”. Floresceu uma criatividade nova, originada de uma aguda observação da realidade e da necessidade do outro, visto na sua totalidade. “Certa vez, alguns amigos italianos levaram-me para ver a beleza de um pôr-do-sol. Pensei: isso também é para minhas amigas do Meeting Point. Assim, agora organizamos passeios para ir ver o pôr-do-sol! Ultimamente também temos organizado partidas de futebol para nossas mulheres”. Mudou o modo de trabalhar e os outros percebem isso. “Antes viam-me como uma pessoa que ‘precisa’ fazer, agora, ao contrário, vêem-me atenta ao que faço. E mesmo quando eu não estou presente elas fazem as mesmas coisas”. Por exemplo: em relação ao furacão Katrina, que há dois anos passou pela Louisiana (cf. Passos, dezembro 2005), Rose pediu às mulheres que rezassem pelas pessoas que ficaram sem casa e sem família. – Para sobreviver essas famílias quebram pedras grandes transformando-as em menores e as vendem para empresas rodoviárias e da construção civil. Uma mulher se aproximou de Rose e lhe disse: “Quando você me encontrou, não rezou. Eu também quero morrer tendo amado alguém. Não quero que algum dia a pessoa que encontrar os meus filhos reze e pronto!”. “Voltei depois de quatro semanas e eles tinham arrecadado 1.200 dólares para ajudar as vítimas do furacão. Um jornalista americano, sabendo da notícia, ficou escandalizado. Ele nos disse: ‘Quem faz caridade, dá o que sobra. Vocês, ao contrário, deram tudo o que têm. É injusto! São os Estados Unidos que devem dar a vocês’. Uma das mulheres do grupo respondeu: 'O coração do homem é internacional, se comove'. Ele foi embora chocado”.

 


A ESPERANÇA MAIOR


A história de Vicky, soropositiva acolhida no Meeting Point


Meu nome é Vicky, tenho 42 anos e venho da região oriental da Uganda. Quero agradecer a vocês e a Deus pela vida preciosa que me deu. Em 1992, quando engravidei do meu último filho, Brian, meu marido pediu que eu escolhesse entre continuar sendo sua esposa renunciando à gravidez ou separar-me dele se quisesse ter a criança. Naquela época tinha só dois filhos e decidi levar a gravidez adiante, o que marcou o fim da nossa relação. Realmente não entendia porque ele estava sendo tão cruel e intransigente. Depois, em 1997 perdi o trabalho porque fiquei doente e, ao mesmo tempo, meu filho Brian manifestou sintomas de tuberculose, e surgiram as primeiras suspeitas. No ano seguinte piorei e, no hospital de Nsambiya, fui examinada e submetida ao teste de HIV, que deu positivo. Foi então que me lembrei e entendi porque meu marido não queria a gravidez de Brian: na época, ele também era soropositivo.

A vida em casa, com meus três filhos, tornou-se difícil. Os dois primeiros eram saudáveis, mas não tínhamos dinheiro para pagar a escola; não tínhamos o que comer, nem dinheiro para os remédios, e pior de tudo, não tínhamos amor de nenhuma parte do mundo. Não sabia mais se Deus realmente existia. Em 2001, alguém me mandou ao Meeting Point International, onde encontrei mulheres as quais era difícil para mim acreditar que pudessem viver daquela forma mesmo estando doentes de AIDS, tal era a alegria que tinham no rosto; dançavam e estavam felizes, e eu me perguntava como alguém que tinha essa doença podia cantar e dançar. No Meeting Point você é acolhido com músicas e canções de diferentes povos – africanos, europeus, indianos – ouvi até algumas de minha própria tribo. Depois de um longo tempo, comecei a ver uma luz brilhar sobre meu ser em pedaços, então, comecei a encontrar-me com aquelas mulheres. Uma coisa importante, que nunca esqueci, foi o dia em que alguém me olhou com um olhar que tinha em si os raios da esperança e do amor. Durante todo esse tempo eu fiquei na cama e todos os meus amigos, os parentes e até os vizinhos olhavam para mim e para meus filhos com repulsa e desprezo. Com este olhar de amor e esperança que me lançaram foi-me mostrado algo que trouxe vida ao meu espírito e corpo em pedaços. Eu disse a mim mesma: “Vicky, você tem valor e o seu valor é maior do que o peso da sua doença e do que a morte”.

Em 2002, comecei a comprar remédios para meu filho que estava para morrer depois de tê-lo tirado da escola por causa da discriminação com a qual era tratado: tinham-no apelidado de “esqueleto”. Em 2003, também comecei a comprar remédios para mim. Eu pesava, então, 45 quilos, agora peso 75. Brian, agora, está realmente saudável e voltou para a escola. O meu filho maior está na universidade, o segundo, no colegial. Onde está o poder da morte? Está na perda da esperança e na falta de amor. Agora, trabalho como voluntária no Meeting Point, e todas as vezes que acolho as pessoas digo a elas que o valor da vida é maior do que aquele vírus que carregam dentro de si. Essa afirmação nutre a esperança de uma pessoa que sofre e está para morrer e a traz de volta à vida. Todos os meus resultados só foram possíveis porque fui revestida de algo além da morte e, em particular, de amor. Obrigada a todas as pessoas que nos educaram embora nunca as tenhamos visto. Mas, hoje, em nome de Giussani, Carrón veio entre nós que éramos pobres e esquecidos: quem é mais rico que nós, agora? Somos os mais ricos do mundo porque alguém colocou pelo menos um sorriso no rosto de uma pessoa. Agradeça a todos aqueles que nos são caros e diga-lhes que nós os amamos.

 

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página