Dois dias de trabalho sobre o tema da educação. A proposta de um método de trabalho e de uma companhia para o cotidiano
Nos dias 14 e 15 de julho, o Movimento Comunhão e Libertação promoveu, em Petrópolis, o 5º Encontro Nacional de Educadores. O evento foi realizado na Universidade Católica (UCP) e teve uma surpreendente participação das escolas locais. Dos 380 inscritos, mais da metade eram educadores da região, que aceitaram o convite para conhecer uma nova proposta educativa. O encontro teve início com a apresentação do tema geral deste ano, “Só educa quem se deixa educar”, por Dom Filippo Santoro, Bispo de Petrópolis e Grão-Chanceler da UCP. Na primeira parte do evento, foram ressaltados o valor da humanidade do educador e de uma proposta educativa feita à “humanidade” dos alunos e à sua liberdade. Retomando o método de Dom Giussani, Dom Filippo afirmou: “O educador é o amigo na estrada que leva ao destino. Não é verdadeiro amigo quem deixa fazer tudo o que o outro quer, abandonando-o à mercê das suas vontades imediatas. Educa quem indica o caminho rumo à realização plena de si. Também não é amigo quem liga as pessoas a si mesmo, como se ele fosse o significado pleno da vida. Somos amigos quando indicamos a fonte que satisfaz a nossa sede, e ensinamos a atingir a esta fonte inesgotável. Eu me educo atingindo constantemente desta fonte e sou muito mais feliz quando comunico ao outro o caminho que satisfaz esta imensa sede da nossa vida. A amizade, que culmina na experiência de comunhão, educa o mestre e o discípulo; por isso é uma graça inestimável”.
Também na parte da manhã, houve uma apresentação do professor Fabrizio Foschi, Presidente Nacional da associação italiana Diesse (Didattica e Innovazione Scolastica), que pelo segundo ano consecutivo participa do evento. Após algumas observações sobre o problema da “emergência educativa” como problema mundial, Fabrizio deu exemplos de experiências educativas, que mostram ser possível reagir diante da situação atual. Além disso, ofereceu cinco pontos de reflexão sobre como a pessoa adulta, e o educador em particular, deve agir na realidade (ver box p. 30-31).
Grupos de trabalho
Com base nas edições anteriores do evento, havia três grandes temas de discussão.
O educador Stefano Giorgi, presidente da associação italiana In-Presa, destinada a educação de jovens, conduziu os trabalhos do grupo de “gestão escolar”. Estavam presentes na sessão mais de cem pessoas provenientes de diversas realidades educativas: obras sem fins-lucrativos, escolas públicas e particulares. O primeiro ponto debatido foi a caridade como ponto de partida da gestão de qualquer obra educativa. Do ponto de vista operacional, esta perspectiva implica em: a) ter consciência da própria dependência, pois só é possível acolher e amar o outro quando o educador também faz a experiência de ser amado e acolhido na própria necessidade humana; b) perdoar a diversidade, pois o processo educativo e o risco de educar inicia com o abraço sem limite ao outro; c) amar ao educando com a consciência de que ele pertence a um Outro, na certeza de que a resposta ao problema educativo do jovem não está na sua pessoa. “O primeiro lugar da acolhida é o relacionamento entre os educadores. É numa comunhão buscada todos os dias que a pessoa se educa, cotidianamente, na condução e na gestão de uma obra educativa”, afirmou Stefano.
A Dra. Marina Massimi, professora do Departamento de Psicologia e Educação da USP de Ribeirão Preto (SP), foi convidada para falar sobre o “ensino de História”. Pesquisadora experiente na área, Massimi destacou alguns pontos de método que servem não só para quem leciona a matéria de História, mas para todos os educadores. Ela afirmou que a primeira questão é o ensino de História não se basear apenas nos manuais, pois sua base está na relação professor- aluno. “É nessa relação que o professor transmite a própria experiência que ele faz da História aquilo que ele vivencia como História, portanto, é uma comunicação de si. E esta proposta se apóia em alguns pilares: 1. a experiência do tempo vivido com significado (o nosso tempo e o da história humana); 2. uma hipótese de sentido global a ser verificada (a história humana como busca do significado da vida própria e do mundo)”. Uma sugestão de leitura vital, feita pela professora, é O senso religioso, de Luigi Giussani. “Uma educação que nasce e se desenvolve dentro de um relacionamento desperta uma paixão pela realidade, por aquilo que se faz, para compreender o sentido e querer transmitir esse sentido ao outro. Essa educação nasce em um encontro e permanece em um lugar: a presença do Movimento no ambiente”. A proposta feita aos participantes foi viver uma amizade com os educadores a partir desse 5º Encontro de Educação, que deve se prolongar dentro da realidade em que eles se encontram imersos: no encontro com os alunos, com os colegas de trabalho, e na continuidade dos relacionamentos iniciados ali.
O grupo de trabalho mais procurado tratava do tema “sexualidade e afetividade na adolescência”, guiado por Sílvia Brandão, psicóloga, com doutorado em Filosofia da Educação, e professora da Universidade São Caetano e da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. Ela iniciou os trabalhos partindo da origem da palavra “adolescente”, que vem do particípio presente do verbo em latim adolescere, crescer. Já o particípio passado, adultus deu origem à palavra “adulto”. “Em português, as palavras seriam equivalentes a ‘crescente’ e ‘crescido’, respectivamente. Assim, o adolescente é alguém está crescendo, está vivendo uma passagem”. E o educador possui grande importância porque tal passagem não acontece sem outra pessoa por perto. É preciso que haja alguém – adulto – junto da pessoa que cresce, para que ela possa compreender o momento de tensão que está vivendo (tensão entre ser e não ser, entre querer e não poder, entre desejar e não compreender o próprio desejo) e o ajude a integrar a dimensão física que se transforma – que é a primeira percepção que o adolescente tem de si mesmo –, à sua dimensão erótica – que é a percepção do outro como atração da sua humanidade, seja pela experiência da paixão, seja pelo desejo de possuir alguém –, com a dimensão psico-afetiva-espiritual. “O adolescente é aquele cuja sexualidade, ou seja, necessidade de relacionamento, de encontro com alguém, com o outro, vai ter a tensão em encontrar resposta à pergunta: ‘quem sou eu para você?’. Neste sentido, a companhia de um adulto que possa responder a ele: ‘você é tudo pra mim’, é fundamental. Mas como essa pergunta pode ser respondida? Somente se esse adulto for alguém que tem consciência de si, No mundo contemporâneo, em que predomina o relativismo, o consumismo – que também passam pela relação interpessoal: você me interessa enquanto pode me oferecer determinado prazer, determinadas conquistas –, dentro de relacionamentos descartáveis, encontrar alguém que seja consistente, que seja sólido e que olhe pra você de uma forma total é fundamental pra existência de qualquer um e pra que esse adolescente cresça de uma maneira sadia”, afirmou Valéria Lopes, relatora do grupo.
Mais perguntas
No domingo de manhã o encontro ainda teve dois momentos de trabalho muito ricos. Dom Filippo, Stefano Giorgi e Fabrizio Foschi responderam a perguntas em uma assembléia livre, em que alguns educadores colocaram perguntas a partir das próprias realidades e foram ajudados pela experiência e pela proposta de amizade dos participantes da mesa. Como encerramento, Dom Filippo apontou alguns pontos que sintetizavam o trabalho realizado no evento. Nas suas palavras: “Este encontro significou a possibilidade de novo início nos educadores. As pessoas foram colocadas no ponto de partida da experiência: a questão do eu, a questão do coração, a verificação. Desta vez também se aprofundou o papel do educador, e isso convida a um trabalho pessoal e a aprofundar essa amizade que contém algo muito maior. Mais um passo foi dado na questão da responsabilidade pública, diante das leis que existem no Brasil, com a possibilidade de intervir com um juízo específico, esclarecendo-se muitos pontos como o valor da educação e a diferença entre educação e instrução.” Fabrizio também se declarou contente com o que vivenciou nesse encontro: “Eu encontrei pessoas mais maduras e mais afeiçoadas à experiência do Movimento e, portanto, com mais capacidade de jogar-se na realidade com um juízo. As perguntas feitas na assembléia e os testemunhos que ouvi também demonstram uma tentativa de unidade mais sólida e o desejo de aprofundar o juízo sobre a profissão do educador. Vi exemplos interessantes de pessoas que estão se lançando na experiência. A participação foi muito viva e me surpreendo como a cada sugestão feita há um desejo de aprofundar, de esclarecer, e de viver o que é proposto. Eu também aprendi muito, tanto no ano passado como neste, e esse é um grande ponto de educação para todos. Neste ano, identificamos alguns educadores que poderão ser pontos de referência em várias regiões do Brasil, o que é uma possibilidade de comparar a própria experiência e ter uma referência para o juízo. Assim, a realidade educativa também pode se desenvolver. O caminho é longo, mas creio que seja possível”.
A tarefa educativa
Notas da apresentação de Fabrizio Foschi
1º) O coração e a realidade
É necessário levar a sério a própria realidade humana e quando isso acontece, a conseqüência é aumentar o nosso interesse pela realidade. Do contrário, tornamo-nos escravos da ideologia dominante.
Uma parte da realidade não é suficiente; é só a totalidade que me fascina. Totalidade não é igual à soma das partes, mas é o significado da parte. Se fizermos experiência do significado, poderemos transmiti-lo a quem encontramos. A afirmação do significado é a condição para conhecer a realidade. É no conhecimento do significado que o meu desejo é educado.
Admitir que existe nexo entre Deus e a realidade é estranho à mentalidade dominante, mas Dom Giussani dizia: “A realidade de Deus tem a mesma consistência dessa mesa”, por isso Afirmar Deus significa afirmar a realidade presente.
Exigências = motor que nos coloca em movimento dentro do real.
2º) Pertencer a um lugar
O educador que tem consciência de si é portador de uma companhia, como muito bem exemplificado na obra de J.R.R. Tolkien, o Senhor dos Anéis, pela fraternidade do anel, formada pelo hobbit Frodo e seus amigos. Alguém que sente o gosto da pergunta e tem a certeza da resposta.
Essa companhia se lança em duas dimensões: ajuda recíproca, nas situações e dificuldades que cada um vive; e ação pública, diante da sociedade em seu conjunto. Essa ação social, hoje em dia, se dá frequentemente como embate contra o poder, pois o Estado nega a essa companhia o direito de se auto-organizar, de enfrentar os problemas a partir da riqueza que vive. É preciso que o Estado reconheça a liberdade de associação e organização das pessoas a partir dos valores que vivem e compartilham.Sem isso, o Estado caminha para o totalitarismo.
3º) Juízo sobre o trabalho
Para sermos capazes de uma ação consciente no mundo, temos que compreender o nexo que une o particular (as coisas que acontecem conosco no cotidiano) e o todo (as condições de trabalho, o salário, os métodos didáticos, os currículos e programas).
Quando aprendemos a julgar tudo cotidianamente, a partir de uma postura que nasce do coração e da companhia, do lugar a que se pertence, a realidade se torna nova inesperadamente!
Nunca conseguiremos possuir a realidade toda.Por mais que nos programemos, por mais que estudemos, há sempre algo que nos escapa, que nossa razão não consegue alcançar, que não conseguimos entender. Isso não significa que a realidade não exista ou que não devamos aceitá-la. Uma personalidade intelectual sadia percebe, nessa incapacidade, como que um “ponto de fuga” (aquele ponto invisível em um desenho a partir do qual se definem todas as perspectivas). Assim, até nossos limites colaboram para a construção de um juízo sobre a realidade.
O juízo é a expressão de uma personalidade criativa e adulta que está continuamente se educando.
4º) Atenção ao particular
É preciso estar dentro do ambiente com toda a energia do seu eu! O desafio do adulto é permanecer na especificidade que o caracteriza; ir até o fundo da especificidade que lhe é proposta. Esta especificidade é dada pelo conjunto de condicionamentos concretos que constituem a nossa vida. Cada um de nós vive em um conjunto específico de condicionamentos. Não podemos fugir dessas condições, pelo contrário, temos que aprofundá-las para crescer.
Ser presença no trabalho significa resistir à aparência das coisas. A partir daí, o interesse pela pessoa (nossa e dos outros) se sobrepõe a tudo e a todas as coisas. Viver de maneira que as pessoas se interessem umas pelas outras é possível se temos uma simpatia pelo humano que existe em nós.
5º) A obra
A primeira obra é o eu. Mas a obra se dá como resposta às necessidades daqueles que encontramos (trabalho para os jovens, para os necessitados, etc). Nessa resposta, afirmamos que a estrutura do homem é desejo e relação com o Infinito. A estrutura que responde às necessidades concretas pode ser construída, mas deve sempre preservar essa relação do homem com o Infinito, pois a obra é o testemunho do sujeito adulto que está por trás dela.
* Na próxima edição de Passos e no site www.cl.org.br, serão publicados os textos referentes ao Encontro.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón