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Passos N.84, Julho 2007

EXPERIÊNCIA - Testemunho / Missão

A experiência de anunciar: seguir, presença e educação

por Ana Lydia Sawaya

Publicamos a segunda parte da colocação de Ana Lydia Sawaya no Seminário de preparação ao Celam, realizado em Bogotá, de 19 a 23 de março de 2007. Com o tema da missão, essas notas são uma ajuda a entender o chamado que o Papa nos fez em sua recente visita ao país


Se hoje é fundamental a missão no ambiente de trabalho e no estudo, o verdadeiro problema é como ajudar o leigo a viver essa experiência, gostar dela e experimentar que nela há um crescimento da sua pessoa e uma plenitude de vida maior para quem a vive. Três aspectos são fundamentais para isso: quem a pessoa que vive a experiência missionária efetivamente segue, como vive a presença e como educa para a vida, e conseqüentemente, para a fé. A experiência missionária hoje é marcada, ao contrário, por uma infecundidade comum, sinal de uma aridez pessoal. Tornamo-nos sempre mais um partido ou uma associação que tem objetivos educacionais, sociais, políticos, e não somos uma novidade de vida. A nossa vida é dominada por uma tensão ao invés de uma paixão, consome-se, em vez de gerar e produzir o humano; é definida por aquilo que não se deve amar e que se deve combater muito mais do que por aquilo que se deve amar e, portanto, criar. Ao contrário, a novidade de vida é algo que se renova em nós todos os dias: o início da experiência missionária é uma presença que se impõe, uma provocação, mas não ao intelecto; muitos podem vir atrás de nós movidos por uma provocação ideológica, política, social, de companhia, mas não viverão um pertencer real e permanente se não superarem esse nível. O início verdadeiro é uma provocação à vida do outro. Esta é sempre uma promessa, uma aliança a ser seguida. Seguir quer dizer ir atrás de uma pessoa na qual se encontra o valor, o horizonte, o conteúdo da promessa, o testemunho; mas não se segue uma pesssoa por ela mesma, pelas suas idéias; segue-se o Fato que nela vive. Por isso é necessário que, no ambiente, exista alguém que seja mais feliz, mais alegre, que saiba enfrentar melhor as dificuldades, seja mais livre dos condicionamentos impostos pela metalidade comum.

“A missão é comunicar, para todos, a consciência da alegria e felicidade, pelo fato cristão encontrado” (L. Giussani. Si puó veramente?! Vivere cosí?, Bur Rizzoli, Milão, 1996, p. 418). O primeiro passo do método do anúncio cristão não é seguir os pensamentos e os sentimentos de alguém, mas é seguir um acontecimento que, concretamente, através de algumas pessoas, provoca-nos. O resultado desse seguimento é o incremento da pessoa, e não a organização. É tornar presente no mundo o adulto - aquele que vive todos os relacionamentos à luz do destino, com aquela segurança e espera humilde que dá a qualquer caráter, apesar de tudo, uma doçura última cheia de fascínio (cf. L. Giussani. Educar é um risco, Edusc, Bauru, 2004, pp. 104-106). Quem vive assim é, inevitavelmente, presença onde está.

“Seguir não é um fim em si mesmo. (...) Seguir é por e para uma presença, para que através da nossa presença aquele movimento alcance cada pessoa, invista cada ambiente. Nesse sentido a pergunta exata não é: que fazer? Que devo fazer onde estou?, porque tal pergunta é sinal de um seguir que tende a esvaziar a responsabilidade, a nivelar a criatividade do indivíduo; esvazia a pessoa e reforça a organização. Semelhante imagem de presença substitui a contribuição de uma sensibilidade e de uma exigência próprias, que nasce de um interesse pessoalmente experimentado, cancela a originalidade e não enriquece nem mesmo quem guia. A grande maioria de nós naufraga nessa pergunta que, de um lado, tende a eliminar e, do outro, não permite o enriquecimento de um testemunho, de uma participação consciente, de uma companhia. Quem fica preso à pergunta ‘que devo fazer?’, ou fica preso aos inconvenientes mencionados ou, com um último ceticismo, está presente como se estivesse ausente; trata-se da grande ausência que destruiu a presença do fato cristão dentro da vida do mundo. A pergunta sobre o que fazer nasce de uma preguiça de fundo, e se para um temperamento vivaz é alienação, para outros é uma renúncia total. Portanto, a pergunta verdadeira é: que sou eu? Você é graça. Eis o verdadeiro sentimento que gera e expressa uma presença: o reconhecimento de uma plenitude, de uma verdade e de uma força que carregamos em nós; não nossa como origem, não fruto da nossa capacidade, mas dada, doada, encontrada; algo que devemos só reconhecer e ao qual apenas aderir. ‘Foi-me dito: tudo deve ser recebido sem palavras e divinizado no silêncio. Pensei então que talvez a vida transcorreria na busca do significado do que tinha acontecido. E a Tua lembrança me deixa repleto de silêncio’ (Laurentius, o eremita). A presença começa do ‘que sou eu?’. Uma pessoa pode ser desprevenida, pobre, complicada ou frágil, mas a consciência do ‘que sou eu’ é o ponto de partida que nenhum mal pode tirar, é o princípio contínuo da ressurreição” (Cf. L. Giussani. Educar é um risco, Op. Cit., pp. 107-109).

A presença verdadeira que nasce da resposta à pergunta: ‘que sou eu?’ gera: uma nova consciência de si - que se chama fé e se caracteriza pelo fato de que é como se eu não fosse mais eu, mas alguma outra coisa que está em mim; uma urgência de estar com toda a própria humanidade dentro do ambiente em que vivemos; uma resistência à superficialidade, a ficar na aparência das coisas; uma necessidade de julgar o que se vive no ambiente; uma urgência de viver a memória de Cristo ali dentro, a disponibilidade ao sacrifício e à oferta e uma afeição às pessoas.

O motivo pelo qual, por graça, o Senhor nos escolheu e nos colocou dentro do fluxo de um seguir que nos torna capazes de presença está definido pela educação. A educação não é questão de intrumentos que a comunidade se dá, mas da verdade de vida da pessoa do educador e da comunidade como tal. De que modo Jesus foi educador? Que intrumentos usava? Ele usava sim a sinagoga, inspirava-se no trecho do dia de sábado, mas a figura educativa de Cristo consistia na potência da comunicação de Si. Educar é comunicar a si mesmo, ou seja, uma modalidade viva de relação com o real, que se traduz na explicitação do próprio ideal, num seguimento real e na tentativa de uma hipótese explicativa da realidade, levando em conta todo o risco da liberdade do outro. Somente do amor, somente da afeição, nasce uma educação. E o sentido do processo educativo é a vida de comunhão (Cf. Ib. idem, pp. 119-127).


Cultura, caridade e missão
Por fim, gostaria de abordar, brevemente, partindo da experiência que vivi e aprendi no movimento de Comunhão e Libertação, o que é a vida do cristão no mundo. Dom Giussani nos diz que o cristão é chamado a viver e a desenvolver três dimensões em sua vida: cultura, caridade e missão.

1. Cultura
A participação na vida da comunidade cristã realiza uma nova consciência da existência e da realidade: nova, não no sentido de diferente, mas no sentido forte da palavra, ou seja, de definitivo (“o mundo velho desapareceu, tudo agora é novo”). A cultura cristã indica, portanto, o ponto de vista definitivo sobre a vicissitude da nossa existência e sobre a realidade do cosmos. O anúncio cristão se propõe como satisfação da exigência de total compreensão da realidade. Se a pessoa de Cristo dá um sentido a todas as pessoas e a todas as coisas, não há nada no mundo e na nossa vida que possa viver por si e que possa furtar-se à ligação com Ele. A dimensão cultural cristã se realiza no confronto entre a verdade da sua pessoa e a vida em todas as suas implicações. (L. Giussani. O caminho para a verdade é uma experiência, Companhia ilimitada, São Paulo, 2006). O cristão que vive em comunidade é chamado, então, a avaliar tudo, olhar para a própria tradição, conhecê-la profundamente, julgá-la à luz das vicissitudes atuais e ficar com o que é bom. Essa atividade, em nossa experiência, se traduz num trabalho de formação e catequese permanente chamado Escola de Comunidade, que é feito seja como trabalho pessoal diário, seja em comunidade, semanalmente ou quinzenalmente, além de toda uma série de iniciativas culturais livres nos ambientes, que procuram julgar tudo o que acontece à luz da fé e da tradição da Igreja.

2. Caridade
Um gesto é cristão quando a caridade, que é o abandono de si a Deus, está presente ao menos como princípio, como preocupação. Por isso, o cristão é chamado a compartilhar com os outros, o mais possível, as necessidades deles: espirituais, morais, culturais e materiais. Pela própria natureza, a caridade é uma lei sem limites, universal, católica. Nessa lei, medir e delimitar coincidiria com decepar a própria lei: impor-lhe um limite não é limitá-la, é revogá-la (Ib. idem, pp. 31-63). Para nós, a vida em comunidade inclui, necessariamente, o envolver-se, gratuitamente, com obras e iniciativas chamadas de “caritativa”. Estes são gestos sistemáticos que cada um, desde muito jovem, é chamado a realizar, de acordo com a disponibilidade de tempo e as oportunidades. Vemos essas atividades como fundamentais para que uma pessoa possa aprender o verdadeiro abandono de si a Deus e o amor.

3. Missão
Quanto mais o conhecimento de Cristo nos fascina e nos persuade, ou seja, a Sua presença, a Sua beleza, a Sua ternura, a Sua força está “acontecendo” em nossa vida, mais temos desejo de falar dEle aos nossos amigos e familiares. A dificuldade de falar dEle ou anunciá-Lo em nosso ambiente depende, sobretudo, da incerteza de que Ele corresponda ao nosso coração e responda, coincida com os nossos desejos mais profundos de beleza, justiça, amor, verdade, vividos como experiência real dentro da vida da comunidade cristã. Assim, a incerteza e timidez refletem um “não acontecimento” real dEle para mim e uma conseqüente experiência de solidão. É muito difícil que alguém que se sinta sozinho e não esteja envolvido, entusiasmado, pelos acontecimentos que vive na comunidade cristã, pelas coisas bonitas que vê e ouve, tenha o ímpeto e a coragem de convidar os amigos. O anúncio depende diretamente da experiência de “pertencer” a Ele.

Com relação ao modo de viver a experiência missonária no ambiente, Dom Giussani nos diz: ter em conta atentamente a situação histórica é a única maneira de considerar o outro como verdadeiramente é, e não de forma preconcebida. Para compreender cada pessoa, é preciso, portanto, que nós nos adeqüemos a ela, que nos coloquemos no seu nível. A situação concreta de cada um é definida: pela posição psicológica – em razão da qual é necessária, em quem propõe, uma abertura muito sensível para com a situação interior do outro; pelo tipo de inteligência, nível de conhecimento, temperamento, força de vontade, estado de saúde, vicissitudes sofridas, etc.; e pelo ambiente – que mais decisivamente influencia a existência de uma pessoa naquele determinado momento. O anúncio não pode ir diretamente à consciência, pois para chegar ao eu genuíno, deve perfurar uma mentalidade que é como que um invólucro, e essa superestrutura é, em grande parte, construída pelo ambiente. A importância disso é dada pela exasperação da influência do ambiente de nossos dias, através da propaganda, escola, televisão, etc. É vão pretender resistir ou neutralizar essa influência se não se consegue chegar à pessoa exatamente onde ela é mais influenciada, isto é, no seu ambiente (Ib. idem, pp. 31-63.).

Em conclusão, a experiência missionária de Comunhão e Libertação, que quis trazer como contribuição para este encontro, aponta para a necessidade primordial de reacender o coração e o acontecimento de Cristo na própria vida do católico (leigo ou não), para ser comunicação de si, mudado pela graça do encontro com Cristo vivo e presente em uma comunidade; e de privilegiar, sobretudo, o encontro pessoa a pessoa nos ambientes onde as pessoas vivem a maior parte do tempo e que mais a influenciam.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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