Vai para os conteúdos

Passos N.89, Dezembro 2007

CULTURA - Livro / O que é ser geógrafo / Aziz Nacib Ab’Saber

A realidade, um grande mestre, uma grande história

por Rafael Marcoccia

Em um determinado momento do livro O que é ser geógrafo, professor Aziz Nacib Ab’Saber diz que não era muito de andar em bares com amigos, simplesmente porque não tinha dinheiro suficiente. Mas que se tivesse, andaria, para ficar contando histórias e ouvindo outras.

Quem gosta de uma boa prosa, deve se apressar em ler este livro, que recolhe as memórias profissionais do professor em depoimento a jornalista Cynara Menezes. É uma conversa “das boas”, daquelas de ficar horas no bar ouvindo um mestre – e sem cansar. O professor Aziz conta a grande trajetória de sua vida, grande não apenas pelos 83 anos vividos, mas por tudo de importante que ele já fez.

Professor Aziz é um dos mais respeitados geomorfologistas do Brasil, intelectual engajado nas discussões sobre as questões ambientais do país e presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Em 1999, foi agraciado com o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia, e, em 2005, com o Prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas.

Neste livro, olha para sua vida e relembra seus momentos mais marcantes – sua infância, amizades, leituras, mestres, escolhas, profissão –, refletindo de que modo cada situação contribuiu para ser o que é hoje.

O aspecto mais interessante de O que é ser geógrafo é o modo como cada fato vivido foi construindo sua história. Desde o contar sua amizade com Florestan Fernandes e como esta amizade o influenciou “a ter uma percepção maior das diferenças socioeconômicas e culturais que existem no Brasil” (p. 44); ou a leitura dos principais romances brasileiros, conhecendo a geografia das regiões do Brasil pela descrição dos autores como Graciliano Ramos, Euclides da Cunha, José Lins do Rego, Jorge Amado...; até as viagens feitas na infância com a família, muito valorizadas: “minhas primeiras viagens, ainda na infância, feitas por alguém que não pensava que um dia viesse a se tornar geógrafo, adquiriram, posteriormente, uma importância fundamental (...) cada impressão que tive de paisagem, de clima ou de tempo foi por mim interpretada geograficamente mais tarde, por mais recôndita que estivesse na memória” (p. 13). “Não sabia nada de geografia, mas me dei conta de que estava saindo do meu mundo” (p.18).

Já na Universidade, lembra da sua primeira excursão de campo, com o professor Monbeig: “Essa excursão iria definir a minha vida...” (p.35).

Professor Aziz relembra todos os seus mestres, ao longo do livro. Sua trajetória é bastante marcada por esses relacionamentos. Cita-os um a um: os professores Friedericci, Tricart, Carilleux, Dresch, Monbeig, e nos conta como cada um o fez pensar sobre determinado aspecto e o ajudou a direcionar a sua carreira.

Em O que é ser geógrafo, podemos notar no professor um espírito curioso, com uma sede imensa de tentar entender a realidade, de conhecer como é um fato, buscando levar em conta todos os fatores em jogo – tentando fazer sempre o trabalho mais rigoroso e completo possível.

É evidente no livro uma grande pergunta por trás de todas as perguntas geográficas: que sentido tem tudo? Uma pergunta que vem à tona quando o professor observa atentamente o que está a sua frente. Como quando depois de ter visitado o norte do Brasil: “as diferentes áreas do país me impressionaram muito ao longo do tempo. Pensava: ‘Como é que a Amazônia, superúmida, pode se encostar no Nordeste, superseco?’” E a partir dessa pergunta nasce uma grande descoberta: “A noção de faixas de transição e de contato foi minha sem falsa modéstia” (p.64).

Papel importante tiveram os livros de geografia estrangeiros e os grandes autores, pois foi no confronto com eles que os dados obtidos na realidade observada pelo professor foram enriquecidos. “Não fiz leituras somente para conhecer as coisas, mas também para poder aplicar quando fosse necessário” (p. 63). “Essa possibilidade de generalizar o conhecimento tornou-se freqüente na minha vida” (p.59).

O que é ser geógrafo mostra um cientista muito inteligente, pois percebe os fatos e lê a realidade com poucos indícios. A partir de um pequeno sinal, o gênio induz uma intuição universal, como diz Dom Giussani.

Ilustrativo disso são dois casos que o professor conta (infelizmente impossível de resumi-los aqui): a descoberta de petróleo no Rio Grande do Norte – que teve participação direta em um caso bastante curioso –, e a elaboração da sua Teoria dos Redutos – uma referência essencial para o estudo da vida e da formação dos solos e dos relevos.

A melhor definição para sua carreira científica é, sem dúvida, a de Alexis Carrel, Prêmio Nobel de Medicina: “muita observação e pouco raciocínio conduzem à verdade”.

O que é ser geógrafo definitivamente não é um livro apenas para geógrafos ou cientistas, mas vale a pena ser lido por todos aqueles que têm o desejo de se aproximar de um grande um mestre. E de aprender com ele.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página