O MAGISTÉRIO DE BENTO XVI
Dois anos de pontificado resumidos em algumas palavras-chave, que representam um ponto de vista equilibrado sobre a situação do homem contemporâneo. Fruto de uma fé que descortina no evento cristão a resposta às exigências do coração e se oferece como proposta que torna a vida mais humana, inclusive nestes tempos de confusão e de novas intolerâncias em relação à Igreja.
Uma ajuda para quem está aberto à realidade, como o testemunham as intervenções que Passos reproduz nas páginas seguintes
CORAÇÃO
Apresenta-se confiante e auto-suficiente artífice do próprio destino, fabricante entusiasta de indiscutíveis sucessos este homem do vigésimo primeiro século. (...) Como não pensar que, mesmo do fundo desta humanidade satisfeita e desesperada, levanta-se um clamor aflitivo de ajuda? (...) Não obstante as numerosas formas de progresso, o ser humano permaneceu igual ao de sempre: uma liberdade dividida entre bem e mal, entre vida e morte. É precisamente ali, no seu íntimo, naquilo que a Bíblia chama de "coração", onde ele tem sempre necessidade de ser "salvo". E, talvez, na época atual pós-moderna, tem ainda mais necessidade de um Salvador, porque a sociedade em que vive tornou-se ainda mais complexa, e mais enganosas tornaram-se as ameaças para a sua integridade pessoal e moral.
(Mensagem Urbi et Orbi, 25 de dezembro de 2006)
No coração de cada homem existe, meus amigos, o desejo de uma casa. Ainda mais num coração jovem, há o grande anseio pela própria casa, que seja sólida, aonde não só se possa voltar com alegria, mas também onde com júbilo se possa receber cada hóspede que chegar. É a saudade de uma casa em que o pão quotidiano seja o amor, o perdão, a necessidade de compreensão, em que a verdade seja a fonte da qual brota a paz do coração. É a nostalgia de uma casa da qual se possa sentir orgulho, de que não se deva envergonhar e cujo desmoronamento nunca seja preciso chorar. Esta saudade não é senão o desejo de uma vida plena, feliz, bem sucedida. Não tenhais medo desta aspiração. Não a rejeiteis! Não desanimeis ao ver casas desabadas, desejos malogrados, saudades dissipadas. Deus Criador, que infunde num jovem coração o imenso desejo da felicidade, jamais o abandona na cansativa construção daquela casa que se chama vida.
(Encontro com os jovens na Polônia, 27 de maio de 2006)
por Lorenzo Albacete
(Editorialista do New York Times – EUA)
Foi por ocasião da mensagem Urbi et Orbi do Natal do ano passado que o Papa Bento XVI destacou a importância do conceito bíblico de “coração”, conceito essencial para se compreender o drama da vida humana no início deste terceiro milênio. A Igreja proclama Jesus Cristo como o “Salvador” do mundo, mas o Papa se perguntava se os homens e as mulheres de hoje sentem – ou mesmo compreendem – a necessidade de um Salvador. Compreender o conceito bíblico de coração é essencial para se entender corretamente o ensinamento do Papa a respeito do modo como a Igreja participa do drama da existência humana, tal como é vivido nos nossos dias.
Já em Deus caritas est Bento XVI havia escrito: “A Igreja não pode e não deve participar da luta política para realizar a sociedade mais justa possível. Não pode e não deve tomar o lugar do Estado. Mas não pode e não deve também ficar à margem da luta pela justiça”. A contribuição da fé católica está em determinar o “alargamento da razão”, ou “a abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem”, o que permite que todos captem as necessidades humanas em relação à totalidade do real. Sem essa contribuição, as respostas às exigências humanas – ainda que animadas pelas melhores intenções – degeneram numa ideologia que “humilha o homem e desconhece justamente o que é mais especificamente humano” (Deus caritas est, 28).
Como Dom Giussani ensinou muitas vezes, desde o início, a proposta cristã não será compreendida nem dará qualquer contribuição cultural enquanto não estivermos convictos de que “para encontrar Cristo, devemos, portanto, antes de mais nada, colocar seriamente o nosso problema humano” (L. Giussani, O caminho para a verdade é uma experiência, Ed. Comapnhia Ilimitada, São Paulo 2006, p. 104). Sem a consciência daquilo que constitui o coração do homem, em particular a sua necessidade de infinito – que é o que nos define como seres humanos –, Jesus Cristo não passa de um nome. As “soluções” ao drama da vida logo se transformam em ideologias.
Recentemente, um amigo observou que aqui “nos Estados Unidos é mais fácil dizer Jesus do que dizer coração”. No que se refere à atual campanha política, por exemplo, está claro que a religião continua a ser um dos seus principais componentes. O “voto de Deus” continuará a desempenhar um papel fundamental no resultado final do pleito. De um lado, o Partido Republicano faz de tudo para não perder o apoio da “direita cristã”; do outro, os candidatos do Partido Democrático buscam a ajuda de profissionais para passarem a imagem de que estão em profunda sintonia com a linguagem e com os valores das comunidades religiosas. Nesse contexto, é fácil apelar para os ensinamentos de Jesus, mas cuidando para que a discussão permaneça no plano moralista. O único ponto de referência que pode abrir uma fissura nessa redução da proposta cristã é o “coração”, que é onde se experimenta a natureza e a vastidão da necessidade humana de salvação. É no nível mais profundo da existência humana que humano e divino se encontram, que a razão triunfa sobre o sentimentalismo, que a política faz contato com a fé e nasce uma autêntica cultura humana.
RAZÃO
Trata-se de um alargamento do nosso conceito de razão e do seu uso. Porque, juntamente com toda a alegria face às possibilidades do homem, vemos também as ameaças que resultam destas mesmas possibilidades e devemos perguntar-nos como poderemos dominá-las. Nós conseguiremos apenas se razão e fé voltarem a estar unidas de uma forma nova; se superarmos a limitação auto-decretada da razão ao que é verificável na experiência, e lhe abrirmos de novo toda a sua amplitude. (...) Ora, desde há muito tempo que o ocidente vive ameaçado por esta aversão contra as questões fundamentais da sua razão, mas o único resultado seria sofrer um grande dano. A coragem de abrir-se à vastidão da razão, e não a rejeição da sua grandeza – tal é o programa pelo qual uma teologia comprometida na reflexão sobre a fé bíblica entra no debate do tempo atual. “Não agir segundo razão, não agir com o logos, é contrário à natureza de Deus”. (...) É a este grande logos, a esta vastidão da razão que convidamos os nossos interlocutores no diálogo das culturas. Reencontrá-la, nós mesmos, sempre de novo, é a grande tarefa da universidade.
(Aula Magna da Universidade de Regensburg, 12 de setembro de 2006)
por Michele Lenoci
(Diretor da Faculdade de Ciências da Formação da Universidade Católica do Sagrado Coração – Itália)
Educação, razão, plenitude da pessoa humana são três momentos que, no ensinamento de Bento XVI, são constantemente lembrados como favorecedores de um confronto com o real verdadeiramente capaz de curiosidade e de maravilhamento. Se a educação é uma trajetória rumo a um encontro mais adequado com a realidade, é preciso educar principalmente a razão, para que o seu olhar seja capaz de ultrapassar os limites em que um obtuso cientificismo e um estreito reducionismo gostariam de encerrá-la.
A realidade e o homem possuem uma variedade de dimensões e níveis que só uma visão desatenta pode desprezar: mas hoje estamos cegos e surdos para tal riqueza, e por isso temos que ser pacientemente preparados para ter acesso a ela. É preciso educar também para a razão, no sentido de que devemos nos tornar familiares com esse logos que tudo abraça e dirige, e cujos vestígios podemos vislumbrar em toda a criação, graças a essa razão que, como homens, possuímos e que essencialmente nos caracteriza, tornando-nos imagens de Deus. Nada disso deve nos levar a um racionalismo unilateral e enfático, já que o desejo de infinito que se manifesta na razão permeia todas as atividades propriamente humanas, tornando-as capazes de um abraço universal; as emoções, as paixões e a própria corporeidade, na medida em que sejam plenamente humanas, incitam a uma ultrapassagem dessa particularidade, dessa situação na qual surgem, da qual se alimentam, mas que não podem se esgotar nela e satisfazer-se com ela. A educação encontra aí a raiz da insatisfação que se hospeda no coração do homem e, ao mesmo tempo, a meta que pode finalmente satisfazer o seu anseio; o logos que é amor sustenta uma caminhada feita de “sim”, porque mesmo na situação-limite e no próprio mal pode-se entrever o abraço salvífico, e já no aqui-e-agora saborear uma realização mais plena de si mesmo.
EDUCAÇÃO
Diante de uma preocupante "emergência educativa", vocês são chamados a comunicar a fé às novas gerações, favorecendo o encontro com Cristo de muitos jovens. Não se cansem de lembrar a eles – pode ser difícil, mas também é necessário e belo – que só o Evangelho pode satisfazer plenamente as esperas do coração humano e pode criar um verdadeiro humanismo.
(Ao término da Audiência Geral de 7 de fevereiro 2007)
por Bruno Tolentino
(poeta – Brasil)
Acredito que a tarefa deste Papa é mostrar ao Ocidente suas raízes culturais, ou seja, mostrar ao Ocidente que suas raízes culturais são cristãs – não há alternativa cultural ao cristianismo. Quando se recusa o sentido cultural do cristianismo se recusa o sentido civilizatório; ou a pessoa vive, ou incorpora a via cultural do cristianismo ou você desiste de se civilizar e acha que as coisas não significam, não têm mais sentido. Na época de Karol Wojtila, havia outra coisa a fazer: havia de remover as dificuldades civilizatórias, ou seja, a proibição da civilização, a anti-civilização que era o comunismo. Naquela época o cristianismo ajudou a tirar de funcionamento esse mal, o que também é uma função do cristianismo. Mas a função do cristianismo no mundo não é resolver o problema político, nem os problemas econômicos, nem o problema do pobre, do rico, disso ou daquilo, é construir a civilização. Se ele não fizer isso, ninguém o fará, pois ninguém mais está preocupado com a formação da pessoa. O cristianismo hoje em dia não tem outra função: já teve outras, hoje é a mesma que teve há dois mil anos, criar a criatura que agora se confunde com Deus encarnado, este homem que é parte do projeto de Deus para a humanidade.
Como chefe de Estado, o Papa faz a própria agenda – dará seu palpite sobre este ou aquele problema, mas não vai gastar muito tempo com o mundo que criaram sem Deus, porque os cristãos têm que construir o cristianismo, que é contínuo e vai adiante, e este é um projeto cultural. Pois a Igreja não é um departamento do mundo – está inserida aqui, mas não é dele. Não estamos aqui para “construir um mundo melhor” – estamos aqui para fazer uma pessoa melhor, aliás, se faz com um estalo de dedos, se você deixar o Pai, o Filho e o Espírito Santo agirem. Esta nova criatura já estava anunciada com a Boa Nova há muito tempo. Se vocês querem fazer um mundo novo, podem fazer, mas não estamos preocupados com isso. Esse Papa veio dizer isso – e não adianta vir com estatísticas... não estamos no reino na quantidade, estamos no Reino dos céus, e o Reino dos céus é agora, não é daqui a pouco, amanhã, um dia desses, é já. Ratzinger chama a atenção para o fato de que a Igreja precisa reconstruir a civilização do ocidente; os empecilhos já não são tantos, mas não se faz isso sem a noção exata do que é esta civilização.
Ele vai chamar a atenção do desvio do século XVI para o século XVIII, para o problema da dualidade entre sentir/pensar, porque esta visão reduzida do mundo, a perda do sentido metafísico do mundo dá margem a uma espécie de embotamento e dá vazão a atrocidades: você não consegue mais levar vida nenhuma, você vive em um estado de embrutecimento gradual – e é a partir do século XVI que há uma fascinação pelo conceito. Mas, a partir do pós-guerra, haverá não só um fascínio, mas uma submissão do mundo ao conceitual que chega a absurdos cada vez maiores.
AMOR
O eros de Deus pelo homem é ao mesmo tempo totalmente agape. E não só porque é dado de maneira totalmente gratuita, sem mérito algum precedente, mas também porque é amor que perdoa. (...) O amor apaixonado de Deus pelo seu povo – pelo homem – é ao mesmo tempo um amor que perdoa. (...)Deus é absolutamente a fonte originária de todo o ser; mas este princípio criador de todas as coisas – o Logos, a razão primordial – é, ao mesmo tempo, um amante com toda a paixão de um verdadeiro amor. (...)
A verdadeira novidade do Novo Testamento não reside em novas idéias, mas na própria figura de Cristo, que dá carne e sangue aos conceitos – um incrível realismo. Já no Antigo Testamento a novidade bíblica não consistia simplesmente em noções abstratas, mas na ação imprevisível e, de certa forma, inaudita de Deus. Esta ação de Deus ganha agora a sua forma dramática devido ao fato de que, em Jesus Cristo, o próprio Deus vai atrás da « ovelha perdida », a humanidade sofredora e transviada. Quando Jesus fala, nas suas parábolas, do pastor que vai atrás da ovelha perdida, da mulher que procura a dracma, do pai que sai ao encontro do filho pródigo e o abraça, não se trata apenas de palavras, mas constituem a explicação do seu próprio ser e agir. Na sua morte de cruz, cumpre-se aquele virar-se de Deus contra Si próprio, com o qual Ele Se entrega para levantar o homem e salvá-lo – o amor na sua forma mais radical. O olhar fixo no lado trespassado de Cristo, de que fala João (cf. 19, 37), compreende o que serviu de ponto de partida a esta Carta Encíclica: “Deus é amor” (1 Jo 4, 8). É lá que esta verdade pode ser contemplada. E começando de lá, pretende-se agora definir em que consiste o amor. A partir daquele olhar, o cristão encontra o caminho do seu viver e amar.
(Encíclica Deus caritas est, 10-12)
por Giovanni Reale
(Docente de História da Filosofia antiga na Faculdade de Filosofia da Universidade Vita-Salute San Raffaelle – Itália)
As reflexões mais penetrantes sobre o eros foram as de Platão nos diálogos Simpósio e Fedro. Eros é uma força-mediadora que ajuda o homem a se elevar do sensível para o inteligível. Essa força nasce de uma “necessidade” de se buscar e de se possuir o belo (e o bem), do qual o homem é carente e pelo qual sente forte desejo.
Eros não pode ser um deus, porque a deus nada falta, e por isso não necessita nem sente desejo de algo que já possui desde sempre. Eros é um grande demônio, que nunca possui plenamente aquilo que busca, e por isso nunca está satisfeito, o que o leva a continuamente tentar subir para níveis cada vez mais elevados.
O amor cristão, entendido como ágape, é o oposto da antiga concepção helênica do amor como “eros”, tal como é interpretada pela maioria das pessoas. De fato, o ágape não consiste em “conquistar”, em tentar alcançar e possuir um bem, mas no “doar”. Enquanto que o eros é força “ascendente” que sobe de baixo para cima, o ágape é uma força que desce do alto para baixo.
Isso implica numa reviravolta em relação à concepção de Deus, que para o cristão coincide com o próprio amor, no sentido de “doação absoluta”. Deus é quem ama primeiro o homem, doando-lhe o Filho para redimi-lo. O ágape, portanto, não é uma força “aquisitiva”, mas voltada para a doação; não é “conquista” do homem, mas “graça” que o homem recebe de Deus.
Além disso, o eros é “desejo”; o ágape é “sacrifício”. O eros é tão grande quanto o objeto amado; ao invés, o ágape está em relação inversamente proporcional com o objeto amado: o amor de Deus pelo homem cresce na medida da pequenez do homem; o sofredor, o doente, o fraco, o oprimido, o rejeitado, são os mais amados.
Alguém já disse que eros e ágape são de tal modo inconciliáveis que Agostinho merece crítica pela sua insistência nesse “desejo” que o homem tem de Deus, nesse sentimento particular do homem, que não sossega enquanto não repousar nEle. Isso seria uma incorreta retomada do conceito platônico de eros como orexis, e assim de uma enganosa aproximação. Na realidade, as afirmações de Agostinho não implicam uma aproximação entre as duas interpretações do amor: o desejo de Deus é um dom do próprio Deus.
Bento XVI não só prossegue nessa linha agostiniana, como constrói um novo paradigma hermenêutico sobre o amor. Na verdade, vai além do paradigma. Além do amor como “eros aquisitivo” e além do paradigma do “amor como doação”, entendidos em sentido restritivo e excludentes entre si (como muitos pensam), impõe-se um terceiro paradigma hermenêutico do amor entendido como ágape inclusivo do eros.
Esse terceiro paradigma implica numa ampliação e numa transfiguração de algumas das características essenciais do eros helênico (como, por exemplo, aquela do “desejo”) e uma sua valorização na dimensão do ágape, na ótica da concepção de Deus como amor-doação em absoluto.
O amor é, na verdade, uma realidade única que se manifesta de duas formas, que não só não se excluem, mas que se exigem mutuamente. O próprio Deus ama o homem não só na forma do ágape, mas também na forma do eros.
Fiquei particularmente impressionado com a imagem bíblica com a qual Bento XVI ilustra a mediação dos dois paradigmas. Escreve ele: “Na realidade, eros e ágape – amor ascendente e amor descendente – jamais podem ser separados completamente um do outro. Quanto mais ambos, embora em dimensões diversas, encontram a justa unidade na única realidade do amor, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor”. E esclarece: “Na narração da escada de Jacó, os Padres viram simbolizada de vários modos essa conexão indissolúvel entre elevação e descida, entre o eros que busca Deus e o ágape que transmite o dom recebido”.
DIÁLOGO
Só respeitando a pessoa humana é possível promover a paz e é construindo a paz que são lançadas as bases para um humanismo integral autêntico. Nisto encontra resposta a preocupação de tantos dos nossos contemporâneos em relação ao futuro. Sim, o futuro poderá ser sereno se trabalharmos juntos pelo homem. O homem, criado à imagem de Deus, possui uma dignidade sem igual; o homem, que é tão digno de amor aos olhos do seu Criador, que Deus não hesitou em dar por ele o seu Filho. Este é o grande mistério do Natal, que acabamos de celebrar e cuja atmosfera jubilosa prosseguiu até este nosso encontro de hoje. No seu compromisso ao serviço do homem e da construção da paz, a Igreja está ao lado de todas as pessoas de boa vontade e oferece uma colaboração abnegada.
(Ao Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé, 8 de janeiro de 2007)
por Magdi Allam
(Jornalista, vice-diretor do jornal Corriere della Sera)
Todas as pessoas de boa vontade são gratas a Bento XVI pela inspiração religiosa, pela lucidez intelectual e pela coragem humana com que definiu, no histórico discurso na Universidade de Regensburg, dia 12 de setembro de 2006, as bases da correta e construtiva relação entre diálogo e paz, na linha da ligação indissolúvel entre fé e razão. O Papa esclareceu, do alto do seu magistério espiritual e da competência acadêmica, que o pressuposto científico do diálogo é a consideração da realidade por aquilo que ela é, fotografando-a objetivamente e descrevendo-a sem qualquer suscetibilidade tanto pela sua especificidade quanto pela sua diversidade. E que somente a partir da consciência da realidade nossa e alheia – sem qualquer mistificação ditada pela ignorância ou pelo preconceito, isenta de qualquer hesitação imposta pelo medo ou pela covardia – é que se tornará possível construir pontes entre as pessoas que se reconhecem em religiões ou crenças diferentes. Desde que essas pontes, que expressam a experiência concreta que leva as pessoas de boa vontade a se encontrar e interagir, encontrem um ponto de apoio seguro, encarnado pela partilha de valores absolutos e universais que são o alicerce da nossa humanidade e que têm em si a essência da transcendência religiosa e divina: in primis, o valor da sacralidade da vida e o valor da dignidade da pessoa.
Pois bem, o Papa claramente identificou o niilismo do extremismo islâmico – que elevou a ideologia da morte ao nível supremo de espiritualidade – e o relativismo valorativo e cultural do Ocidente laicista – que terminou por colocar no mesmo plano o verdadeiro e o falso, o bem e o mal – como os dois maiores desafios éticos e humanos que todos nós somos chamados a enfrentar, a fim de construir uma comum civilização da verdade, da vida, da liberdade e da paz.
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