Um seminário dedicado ao diálogo inter-religioso. Não no nível teórico, mas baseado no encontro entre experiências culturais do passado e do presente e em uma concreta perspectiva de trabalho
A Fundação Rússia Cristã havia fixado o tema do seminário – que faz parte das manifestações culturais que ela promove anualmente –, antes do discurso do Papa em Regensburg (Alemanha), mas nascera da provocação lançada ao mundo de hoje, e em especial aos crentes, pelo pontificado de Bento XVI, do seu apelo a que se buscasse no testemunho da própria experiência de fé a possibilidade de superar a concepção reducionista de homem e de mundo proposta pelo laicismo, e de instaurar assim um diálogo com outras identidades religiosas, culturais e étnicas. Como o Papa nos lembrou recentemente, “... trata-se da centralidade de Deus, e precisamente não de um deus qualquer, mas do Deus que tem o rosto de Jesus Cristo (...). Penso que é aí que se decide, hoje, o destino do mundo, neste momento dramático: se Deus – o Deus de Jesus Cristo – existe e é reconhecido como tal, ou se morreu” (da homilia aos Bispos suíços, 7 de novembro de 2006).
Nasceu, assim, o desafio de um simpósio dedicado ao diálogo inter-religioso que não visasse tanto a análise sociopolítica dos conflitos existentes, mas as experiências culturais do passado e do presente que testemunhem a possibilidade de um encontro e indiquem uma perspectiva de trabalho. No mundo contemporâneo, de fato, onde multiculturalidade ou multietnicidade são palavras de ordem atualíssimas, parece que as diversas culturas não sabem sair de uma estéril alternativa entre conflito de civilizações e mútuo desconhecimento, entre negação violenta do outro e indiferentismo relativista. Nesse contexto, as próprias religiões tradicionais (cristianismo, islã e judaísmo) parecem perder as suas características e a sua vocação de busca da verdade em vista da salvação do homem, e quando não se perdem num vago espiritualismo (típico das “novas religiões” das sociedades industriais avançadas), geram formas de imposição totalitária, fundamentalista.
Arte e literatura
Nas jornadas de trabalho, que se realizaram em Villa Ambiveri (Seriate – Itália), procurou-se descobrir momentos de história em que o encontro de culturas diversas não foi caracterizado exclusivamente por essas alternativas e por resultados destrutivos, mas, ao contrário, tenha dado lugar a um proveitoso encontro, cujos frutos possam ser ainda evidentes no mundo contemporâneo; foi esse, embora realizado em meio a tensões e conflitos, o encontro das três religiões monoteístas na Espanha, ou também o encontro entre cristianismo e cultura judaica e islâmica, na Rússia.
A experiência da arte e da literatura mostrou, nas duas extremidades do continente europeu (Espanha e Rússia), a realização de formas criativas de convivência e de mútuo enriquecimento. A arquitetura, a música e a poesia religiosa espanhola, de um lado, e a poesia russa, do outro, são um exemplo nesse sentido; nelas a pureza da arte e a sua fidelidade a uma beleza que devia ser religiosamente contemplada geravam um espaço no qual os homens podiam se encontrar, sem cair em nenhuma forma homologatória, seja a da violência, seja a da indiferença. Ao lado das realizações artísticas, desenvolveram-se também reflexões teóricas e experiências concretas, nas quais a intuição e a realidade do belo saíram à procura da própria origem e traçaram possíveis linhas de desenvolvimento social. De um lado, tivemos então (por exemplo, na escola de Salamanca) a descoberta de um direito que, em suas origens religiosas – a imagem de Deus presente no homem –, tornava-se reconhecimento da liberdade e da dignidade das diversas culturas; do outro, tivemos (em pensadores como Solov’ëv) a redescoberta de um cristianismo cuja plenitude se tornava fonte de acolhida do outro e ocasião para aprofundá-lo e levar à realização da verdade.
Uma “correspondência” encontrada
Um programa ambicioso, realizado tanto por meio de amplas visões panorâmicas (por exemplo, a palestra do historiador espanhol Gallego sobre “A Espanha medieval: entre reconquista, expulsão e América. A descoberta do direito dos povos”), como por sugestões mais específicas, como a apresentação das cantigas à Virgem, do “rei sábio” Afonso X, feita por Paulino Carrascosa, ou a análise da extraordinária novidade introduzida pela linguagem das parábolas evangélicas no contexto da literatura rabínica, feita por um professor da Academia Teológica de Moscou, padre Leonid Griliches. Como lembraram, em momentos diferentes, padre Gilfredo Marengo (Pontifício Instituto João Paulo II para estudos sobre matrimônio e família) na reunião inicial e, depois, durante a mesa-redonda conclusiva, tanto o padre Scalfi (diretor da Fundação Rússia Cristã) quanto Claudio Morpurgo (vice-presidente da União das Comunidades judaicas na Itália), o ponto em comum entre contribuições tão diversas histórica e culturalmente é a posição de um “eu” empenhado em testemunhar a “correspondência” encontrada na experiência religiosa e totalmente disposto a captar os seus ecos no outro.
A força de integração católica e o ecumenismo autêntico – distante tanto dos fechamentos confessionais quanto do relativismo – podem, nesse sentido, oferecer realmente um espaço de recomeço à humanidade contemporânea.
RÚSSIA CRISTÃ
Rússia Cristã foi criada em 1957 pelo padre italiano Romano Scalfi com o objetivo de divulgar no Ocidente as riquezas da tradição espiritual, cultural e litúrgica da ortodoxia russa; de favorecer o diálogo ecumênico baseado na troca de experiências; de contribuir para a presença cristã na Rússia. Estes objetivos foram perseguidos por meio de diversos instrumentos durante o regime soviético, seja durante a Perestroika, seja no atual contexto social e econômico caracterizado pela insegurança e por um clima espiritual onde ainda são sentidas as conseqüências do ateísmo militante e são fortes as sugestões do consumismo. Do ponto de vista eclesial, Rússia Cristã se caracteriza como “Associação pública de fé”. A sua atividade cultural e científica é garantida pela homônima Fundação Rússia Cristã, constituída em 1992, enquanto a produção editorial é feita na editora própria, RC Edizioni "La Casa di Matriona".
Outras informações no site: http://www.russiacristiana.org
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón