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Passos N.114, Abril 2010

ATUALIDADE - ACUSAÇÕES À IGREJA

A esperança de um vínculo indestrutível

por Paola Bergamini

Dos erros dos religiosos às polêmicas em torno do celibato. Depois, os dados exagerados a respeito de um fenômeno. O aspecto patológico da questão. O psiquiatra EUGENIO BORGNA explica que peso tem os ataques feitos à Igreja. Tentativas de enfraquecer o horizonte de sentido do homem, que só na caritas consegue viver aqui o que o salva do seu mal

“Creio firmemente no poder regenerador do amor de Cristo”, escreveu Bento XVI na Carta aos Católicos da Irlanda, de 19 de março, a propósito dos abusos sexuais cometidos por padres e religiosos, que por longo tempo foram subavaliados por uma parte da hierarquia eclesiástica irlandesa, em prejuízo de muitos jovens. São palavras entristecidas, ditas por um padre que sabe que só o amor misericordioso do único Pai pode dar esperança e perdoar algo que, para os homens, é humanamente incompreensível e imperdoável.
Os fatos estão expostos nas páginas dos jornais do mundo inteiro: os crimes de pedofilia que mancharam a vida de religiosos na Irlanda, na Alemanha e, antes, nos Estados Unidos. Atos ignóbeis, condenados com firmeza pelo Papa. Que levantaram uma onda de opiniões contrárias ao celibato, às ordens religiosas e, mais radicalmente, contra a própria Igreja.
A propósito da Igreja, o Papa escreve – na mesma Carta – dirigindo-se aos jovens: “Estamos todos escandalizados com os pecados e as falhas da Igreja, particularmente por parte daqueles que foram escolhidos de modo especial para guiar e servir aos jovens. Mas é na Igreja que vocês encontrarão Jesus Cristo, que é o mesmo ontem, hoje e sempre”.
Nos últimos meses, muitos se sentiram no “dever” de dizer o que é a Igreja, como ela se degradou e o que precisaria ser. Esquecendo-se de que milhares de religiosos, silenciosamente, em todos os cantos da Terra, dedicam todos os dias da própria vida aos necessitados, e fazem isso exclusivamente por amor a Cristo e à Igreja. O Papa repete mais uma vez – com dor no coração pelo que aconteceu e indicando uma estrada a ser percorrida –, que só aí Cristo pode ser encontrado.
Alguns dias antes da publicação da Carta, encontramos o professor Eugenio Borgna, professor emérito de psiquiatria no Hospital Maior de Novara, na Itália, e autor de vários ensaios. Desenvolveu-se, então, um colóquio que, partindo dos fatos recentes, abordou o tema mais amplo da presença da Igreja na sociedade contemporânea.

A pedofilia é seguramente um dos crimes mais nefandos que se pode cometer. O rumor aumenta quando são cometidos por religiosos. Qual foi a sua primeira reação?
Antes de tudo, que o fenômeno, de um ponto de vista numérico, é mais circunscrito do que parece. É normal que, dada a repercussão que teve na mídia, tenha havido uma enfatização do fato, acompanhada de imprevistos testemunhos sobre possíveis abusos, a partir daquilo que eu chamaria de “ilusões da memória”, uma deformação da memória. Estamos falando de fatos acontecidos há cerca de trinta anos. Com isso não quero dizer que o desvio não exista mais. Ao contrário: existe e não é tão incomum. Os sacerdotes que cometeram tal crime podem ter sido movidos por impulsos patológicos, como qualquer outro homem. E a Igreja os condenou drasticamente. Nesse clima, a mídia tende a indicar o sacerdócio como uma das fontes dessa terrível experiência agressiva. Mas ligar essas duas experiências de vida – o celibato e o surgimento desses fatos – não me parece algo viável.

No entanto, as tomadas de posição a respeito do celibato e da pedofilia me parece que sejam o exemplo de uma aberta hostilidade, um ataque direto à Igreja.
A Igreja é, hoje, a única instituição que defende valores que a mundanidade rejeita. Defende firmemente a vida, apresenta-se como portadora, testemunha, de uma contestação contínua de tudo o que não seja eticamente fundado em valores, o que outros rejeitam. Bater na Igreja é uma tentativa de enfraquecer aquela que sempre foi e continua sendo a sua extraordinária e única força na defesa de valores absolutos, que vão além da produtividade do homem: a salvaguarda da vida, o respeito ao ato de morrer. A Igreja é portadora de horizontes de sentido, de vida, que são incompatíveis com aqueles que têm da vida uma concepção positivista, que exclui a verdadeira liberdade, que exclui a presença da dimensão espiritual como parte da vida e que entra em conflito com a ideologia laicista. Pegar a Igreja no contrapé, surpreendê-la em comportamentos condenáveis, é uma oportunidade para se afirmar que ela não é confiável, não pode ser mestra de vida.

Não só isso. Passa-se também a questionar sua dimensão educativa. Os abusos aconteceram justamente em colégios...
Claro. Esses fatos são interpretados como testemunho da incapacidade educativa da Igreja, que é um tiro no coração dessa que é uma das grandes e indiscutíveis realidades: a Igreja dedica-se à educação com paixão, com emoção, de maneira intensa, exclusiva e total. Para a Igreja, a educação é premissa para que fé, esperança e caridade sejam vividas concretamente, historicizadas no mundo de hoje.

Penso não só nas escolas, mas também nos oratórios, nas obras assistenciais. Nega-se a primeira dimensão evangélica da Igreja.
É um golpe fatal na possibilidade de as jovens gerações viverem um cristianismo sempre atual, vivo, palpitante. Descobrir a vertiginosa atualidade do evangelho é uma das funções que, hoje, a educação deveria ter: laica e católica. A paixão de ensinar é uma das grandes linhas do evangelho. Pensemos na frase “Ama o próximo como a ti mesmo” – uma revolução não só psicológico-humana, mas também antropológico-existencial; pois bem, é de uma perene atualidade porque leva em conta as fragilidades humanas e os grandes recursos psicológicos existentes em nós. É o conceito de caritas, sublinhado por Bento XVI. O amor a Deus. Quando se nega isso, nos tornamos prisioneiros do individualismo que predomina em muitos ambientes e que não aceita que a Igreja indique linhas de desenvolvimento, reflexão, contemplação, que ultrapassem a imediata realização dos nossos impulsos (inclusive sexuais), ligados ao prazer imediato.

Esse elemento do individualismo como rejeição da caritas é interessante.
O individualismo se contrapõe a todo tipo de solidariedade, não só em sentido sociológico como também solidariedade humana, que implica respeito, admiração, pesquisa sobre as formas adequadas de ajuda aos mais fracos e aos necessitados, para que não sejam tragados pela lógica da produtividade, que é uma das falsas razões adotadas pelo mundo atual. Quanto mais caritas há em nós, tanto mais nos tornamos capazes de compreender os que erram, os que estão em situação difícil. E dá esperança, a paixão da esperança. Que não existe dentro de você. Ela lhe foi dada.

Em que sentido?
A esperança ou é cristã ou se reduz a mero otimismo. Como escreveu Bento XVI na encíclica. A esperança cria relação: eu espero por você. É a epifania do nós, do próximo. Retornemos à proposição de Cristo: “Ama o próximo como a ti mesmo”. Esse é o fundamento de qualquer ética e bioética. Existem exigências humanas incanceláveis – felicidade, infinito, inclusive o sentimento de culpa – que fazem parte da vida de todos os dias, mas são sufocadas pelo otimismo. A esperança é uma relação capaz de abrir, dilatar. O otimismo dura um instante; a esperança dá sentido ao agir. A esperança cristã permite que não absolutizemos nada. Nem o mal.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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