Último capítulo de nossa viagem ao encontro de pessoas cuja santidade desabrochou entre as paredes domésticas. Protagonista: a “padroeira das causas impossíveis”. Antes de entrar no convento, ela perdeu tragicamente o marido e dois filhos. E pediu ao Senhor a graça de participar dos Seus sofrimentos, recebendo uma resposta surpreendente
Rita mal tinha acabado de arrumar a casa quando ouviu gritos vindos da rua. Saiu à janela e viu três homens. Nesse instante, viu o brilho de uma lâmina e um deles foi ao chão. Rita não conseguiu conter o grito: o homem com a faca virou-se para ela, seus olhares se cruzaram por um segundo, em seguida ele fugiu. A mulher desceu a escada em disparada, o homem estendido no chão, sobre uma poça de sangue, era seu marido Paolo. Ajoelhou-se, tomou seu rosto entre as mãos. Não havia mais nada a fazer. Fechou-lhe os olhos e depois, delicadamente, tirou-lhe a camisa encharcada de sangue. E rezou. Vieram à sua mente as palavras ditas por um pregador que estivera de passagem por Cássia: “Em virtude da Paixão de Cristo, todos vocês gritem juntos a Deus: paz, paz! Misericórdia! E todos, em sinal de paz, amor e concórdia, troquem beijos, abraços, peçam perdão uns aos outros”.
Perdão em nome de Cristo. Só por Ele. Rita pensava nos dois filhos, na família do marido... Eles não perdoariam, iriam querer vingança. Por isso, decidiu esconder a camisa ensanguentada. Assim, esperava que não ficassem sabendo que se tratou de um homicídio. Infelizmente, sabia também que isso era inútil. Contemplou o rosto do marido. Dezoito anos de vida conjugal. Lembrou o dia do matrimônio, ela era ainda muito nova e morava em Roccaporena, a cinco quilômetros de Cássia, e ele, Paolo di Ferdinando Di Mancino, um belo moço de temperamento um tanto impetuoso, habitava nessa cidadezinha da Úmbria. Aliás, em Cássia, naquela época (anos 1300-1400), quem não era impetuoso? Brigas entre famílias, vinganças políticas e particulares estavam na ordem do dia. Os pais de Paolo sabiam bem disso e assumiam o papel de “pacificadores”. Quantas vezes, antes do casamento, ela os acompanhara em suas missões de paz, para dirimir ódios e discórdias. Além dos conflitos entre famílias, havia também as tensões políticas entre os apoiadores do Papa e os que não queriam saber dele. O único ponto de paz na cidade eram as três comunidades agostinianas: uma masculina e duas femininas. No convento, tinham morado vários monges santos. Não só, a cidade podia vangloriar-se de ter, entre os muros do convento, um centro de erudição religioso e cultural. Rita também estudara ali, onde havia respirado uma atmosfera densa de espiritualidade. Isso também a ajudara, naqueles dezoito anos, junto com muitas preces, a aplacar o caráter colérico do marido. E agora? Rita confiava apenas no Senhor.
Em pouco tempo, todos ficaram sabendo do homicídio. A família do marido pressionou para que ela revelasse os nomes dos assassinos. Mas, ela não queria alimentar mais ódio, mais vingança; em seu coração ela já os havia perdoado. Rezava para que os filhos não caissem nessa armadilha, para que a alma deles se salvasse. E de modo misterioso Deus os chamou a Si: uma doença levou os dois jovens à morte.
Rita, então, quis se dedicar completamente a Deus, e pediu para ingressar no convento das agostinianas de Santa Maria Madalena, em Cássia. Mas, seu desejo não podia ser atendido. A madre superiora, com razão, achava que acolher a viúva de um homem assassinado, quando na cidade ainda serpenteava o rastilho da vingança, significaria colocar em xeque a tranquilidade do convento. Além disso, entre as irmãs havia uma Di Mancino, parente do seu marido. O que fazer? Rita rezou para Santo Agostinho, São Nicolau de Tolentino e São João Batista, seus santos protetores, e publicamente perdoou os assassinos. Era o primeiro milagre “impossível”: o ódio e a vingança foram debelados. As portas do convento se abriram para ela.
Era o ano de 1407. Rita tinha 36 anos. Três anos de noviciado e, em seguida, a profissão solene. Levou uma vida humilde, feita de orações, penitências e de sacrifício, de ajuda aos necessitados. Tornou-se um exemplo para todos, fora e dentro dos muros do mosteiro. Ela fez de tudo para o seu Amado: Cristo. Rezou para se tornar partícipe dos Seus sofrimentos. E assim, na Sexta-feira Santa de 1432, um espinho destacou-se do crucifixo diante do qual estava rezando e se fixou em sua testa. Formou-se uma ferida, que não se fechou. Era um dom que o Senhor lhe dava, e ela o acolheu com humildade. Negou-se a falar da ferida, e não saiu mais do convento. Logo a notícia se espalhou pela cidade: Rita, a mulher do perdão, recebeu um sinal do amor de Cristo.
PEREGRINAÇÃO A ROMA. Em 1446, para a canonização de São Nicolau de Tolentino, as monjas decidiram ir em peregrinação a Roma. Rita também quis ir. Suas coirmãs, porém, não queriam que ela, com aquela ferida aberta na testa, viajasse. Ela pediu, então, que lhe trouxessem um óleo; aplicou-o sobre a ferida e esta imediatamente se fechou. E voltou a se abrir após a peregrinação.
Depois dessa viagem, Rita ficou muito cansada, debilitada. Passou quase o dia todo na cela, em oração. Certo dia, um parente veio visitá-la e, no final, perguntou-lhe se precisava de alguma coisa de casa: “Uma rosa e dois figos do meu jardim”, respondeu. A mulher concordou, mas pensava: “Pobrezinha, está delirando! É inverno e lá fora tudo está coberto de neve!”. Já em casa, foi ao jardim e ficou atônita: uma belíssima rosa despontava num ramo e na figueira havia dois frutos maduros.
Na primavera seguinte, na noite entre 21 e 22 de maio de 1447, Rita morreu. Os sinos do convento começaram a soar. Todos os cidadãos de Cássia acorreram para venerar a freira santa. E logo aconteceram os primeiros milagres. Seu corpo não foi sepultado, e inicialmente, foi colocado num oratório, dentro do convento, para que todos pudessem rezar diante dele.
PIEDADE POPULAR. Num documento oficial de 1457, dez anos após sua morte, o notário Domenico Angeli, na abertura de uma longa lista de graças recebidas – onze apenas no primeiro ano –, escreveu: “Uma ilustríssima freira, senhora Rita, tendo passado quarenta anos como monja no claustro da citada igreja de Santa Maria Madalena de Cássia, vivendo com caridade no serviço de Deus, seguiu afinal o destino de todos os seres humanos. E Deus, querendo mostrar aos outros fiéis um modelo de vida, operou admiravelmente muitos milagres e prodígios com a sua força e pelos méritos da beata Rita”.
Nesse mesmo ano, o corpo foi depositado numa caixa ornamentada com um epitáfio e pinturas que relatavam a sua vida. O povo queria, assim, honrá-la e agradecer por todos os “prodígios e milagres” que ela havia realizado e continuava a realizar.
São os únicos “documentos”, além do ato notarial, que nos dizem algo a respeito dela. Porque na época, a ninguém, nem mesmo às coirmãs, ocorreu de escrever a sua biografia, de recolher os seus pensamentos ou escritos, se que é existiram. Mas o povo a venerava, pedia sua intercessão, se convertia e relatava os casos ocorridos. Tão simples e, ao mesmo tempo, tão forte que ficou impresso na piedade popular. E assim chegou até nós, e por isso quisemos reconstruir sua história com esses elementos biográficos que se consolidaram. O que impressiona nessa santa é o seu grande amor a Cristo. Por isso, a ela podemos pedir tudo, inclusive o impossível. O milagre maior para quem visita Cássia é a conversão do coração.
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