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Passos N.114, Abril 2010

BENTO XVI

Este é o grande dom que Deus nos concede: o próprio Deus

Trechos da LECTIO DIVINAcom os seminaristas durante a visita do Pontífice ao Seminário Romano Maior, 12 de fevereiro de 2010
© Copyright 2010 - Libreria Editrice Vaticana


Eminência, Excelências, queridos amigos, cada ano é para mim uma grande alegria encontrar-me com os seminaristas da Diocese de Roma, com os jovens que se preparam para responder ao chamado do Senhor para ser trabalhadores na sua vinha (...) O trecho do Evangelho que acabou de ser lido fala de maneira indireta, mas profundamente, do nosso Sacramento, da nossa chamada a permanecer na vinha do Senhor, a ser servidores do seu mistério. (...)
A primeira palavra é: "Permanecei em mim, no meu amor". O ato de permanecer no Senhor é fundamental, como primeiro tema deste trecho. Permanecer: onde? No amor, no amor de Cristo, no ato de ser amados e de amar o Senhor. Todo o capítulo 15 concretiza o lugar do nosso permanecer (...): "Eu sou a videira, e vós os ramos". A videira (...) contém um significado dúplice: trata-se de uma parábola para o povo de Deus, que é a sua vinha. Ele plantou uma videira neste mundo, cultivou esta videira, cultivou a sua vinha (...) com a intenção de encontrar o fruto, de encontrar a dádiva inestimável da uva, do vinho bom. E deste modo manifesta-se o segundo significado: o vinho é símbolo, é expressão da alegria do amor. O Senhor criou o seu povo para encontrar a resposta do seu amor e assim esta imagem da videira, da vinha, contém um significado esponsal, é expressão do fato de que Deus se põe em busca do amor da sua criatura. (...)
Mas sucessivamente, a história concreta é uma história de infidelidade: em vez de uva preciosa, são produzidas só pequenas "coisas não comestíveis", não chega a resposta deste grande amor, não nasce esta unidade, esta união incondicional entre o homem e Deus. (...) No entanto, Deus não se rende: Deus encontra um novo modo para chegar a um amor livre (...): Deus faz-se homem, e desta maneira torna-se Ele mesmo raiz da videira, torna-se Ele próprio a videira. (...) Neste capítulo 15, encontramos o discurso sobre o vinho: o Senhor não fala de maneira explícita da Eucaristia, mas, naturalmente, por detrás do mistério do vinho encontra-se a realidade de que Ele se fez fruto e vinho para nós, que o seu sangue é o fruto do amor que nasce da terra para sempre e, na Eucaristia, o seu sangue torna-se o nosso sangue, e nós somos renovados, recebemos uma nova identidade. (...) "Permanecei": permanecer neste grande mistério, permanecer neste novo dom do Senhor, que fez de nós um povo em si mesmo, no seu Corpo e com o seu Sangue. Parece-me que temos de meditar muito a respeito deste mistério, ou seja, sobre o fato de que o próprio Deus se torna Corpo, um conosco; Sangue, um conosco; que nós podemos permanecer – permanecendo neste mistério – na comunhão com o próprio Deus, nesta grande história de amor, que é a história da verdadeira felicidade. (...)

Se continuarmos a ler atentamente este trecho do Evangelho de João, encontraremos também um segundo imperativo: "Permanecei" e "Observai os meus mandamentos". "Observai" é apenas o segundo nível; o primeiro é o do "permanecer", o nível ontológico, ou seja, o fato de que estamos unidos a Ele, que se nos doou antecipadamente a si mesmo, entregando-nos o seu amor, o fruto. Não somos nós que temos de produzir o grande fruto; o cristianismo não é um moralismo, não somos nós que temos de realizar aquilo que Deus espera do mundo, mas em primeiro lugar temos que entrar neste mistério ontológico: Deus entrega-se a si mesmo. O seu ser, o seu amar precede o nosso agir e, no contexto do seu Corpo, no âmbito do estar com Ele, identificados com Ele, enobrecidos com o seu Sangue, também nós podemos agir com Cristo.
A ética é consequência do ser: primeiro, o Senhor confere-nos um novo ser, esta é a grande dádiva; o ser precede o agir e a partir dele segue-se, depois, o agir, como uma realidade orgânica, porque o que somos, podemos sê-lo também na nossa atividade. E deste modo damos graças ao Senhor porque nos tirou do puro moralismo; não podemos obedecer a uma lei que está diante de nós, mas simplesmente temos que agir em conformidade com a nossa nova identidade. (...)
Depois, segue-se este novo mandamento: "Amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei". Não existe amor maior do que este: "Dar a vida pelos próprios amigos". Que significa? Também aqui, não se trata de um moralismo. (...) É verdade que temos de chegar até a esta radicalidade do amor, que Cristo nos manifestou e concedeu, mas também aqui a verdadeira novidade não é aquilo que nós levamos a cabo, a verdadeira novidade é o que Ele realizou: o Senhor entregou-se a si mesmo, o Senhor conferiu-nos a verdadeira novidade de sermos seus membros no seu corpo, de sermos ramos da videira, que é Ele. Por conseguinte, a novidade é a dádiva, o dom grandioso, e é do dom, da novidade do dom que provém inclusive, como eu disse, o novo agir. (...)

Continuemos a nossa reflexão. O Senhor diz: "Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Chamei-vos amigos, porque tudo quanto ouvi do Pai vo-lo dei a conhecer a vós". Já não sois servos, que obedecem ao mandamento, mas amigos que conhecem que estão unidos na mesma vontade, no mesmo amor. Portanto, a novidade é que Deus se fez conhecer, que Deus se manifestou, que Deus não é mais o Deus desconhecido, procurado, mas não encontrado, ou apenas adivinhado à distância. Deus fez-se ver: vemos Deus no rosto de Cristo, Deus fez-se "conhecido", e deste modo tornou-nos amigos. (...)

Há pouco tempo, escreveu-me um professor de Regensburg, um docente de física, que tinha lido com grande atraso o meu discurso na Universidade de Regensburg, para me dizer que não podia estar de acordo com a minha lógica, ou só podia parcialmente. Ele disse: "Sem dúvida, convence-me a ideia de que a estrutura racional do mundo exige uma razão criadora, a qual realizou esta racionalidade que não se explica por si mesma". Depois, continuava: "Mas se pode existir um demiurgo assim se exprime um demiurgo parece-me garantido a partir daquilo que o senhor diz, mas não me parece que exista um Deus amor, bom, justo e misericordioso. Posso ver que existe uma razão, que precede a racionalidade do cosmos, mas não o restante". E assim Deus permanece-lhe escondido. Trata-se de uma razão que precede as nossas razões, a nossa racionalidade, a racionalidade do ser, mas não existe um amor eterno, não há a grande misericórdia que nos permite viver.
E eis que, em Cristo, Deus se manifestou na sua verdade total, mostrou que é razão e amor, que a razão eterna é amor e assim cria. Infelizmente, também hoje muitos vivem distantes de Cristo, não conhecem o seu rosto e deste modo a eterna tentação do dualismo, (...) renova-se sempre, ou seja, que talvez não haja unicamente um princípio bom, mas também um princípio perverso, um princípio do mal; que o mundo está dividido, e são duas realidades igualmente fortes: e que o Deus bom é apenas uma parte da realidade. Também na teologia, compreendida a católica, difunde-se atualmente esta tese: Deus não seria onipotente. Deste modo procura-se uma apologia de Deus, que assim não seria responsável pelo mal que encontramos amplamente no mundo. Mas que pobre apologia! Um Deus não onipotente! (...) Como poderíamos ter a certeza do seu amor, se este amor termina onde começa o poder do mal?
Mas Deus já não é desconhecido: no rosto de Cristo Crucificado vemos Deus, e vemos a verdadeira onipotência (...) em Cristo (...) a verdadeira onipotência consiste em amar até ao ponto em que Deus pode sofrer: aqui aparece a sua verdadeira onipotência, que pode chegar ao ponto de um amor que sofre por nós. E desde modo vemos que Ele é o Deus verdadeiro, e o Deus verdadeiro que é amor, poder: o poder do amor. (...)
Penso que quem compreendeu isto, quem se deixou sensibilizar por este mistério, que Deus se revelou, rasgou o véu do templo e mostrou o seu rosto, encontra uma fonte de alegria permanente. (...) E penso que esta alegria de conhecer Deus que se mostrou, que se manifestou até ao íntimo do seu ser, implica inclusive a alegria do comunicar. (...) A missionariedade não é algo exteriormente acrescentado à fé, mas constitui o dinamismo da própria fé. Quem viu, quem encontrou Jesus, deve ir ter com os próprios amigos e dizer-lhes: "Nós o encontramos, é Jesus, o Crucificado por nós". Em seguida, continuando, o texto acrescenta: "Constituí-vos para irdes e dardes fruto, e para que o vosso fruto permaneça". Deste modo, voltamos ao início, à imagem, à parábola da videira: ela é criada para dar fruto. E qual é o fruto? Como já dissemos, o fruto é o amor. No Antigo Testamento, com a Torah como primeira etapa da auto-revelação de Deus, o fruto era compreendido como justiça, ou seja, viver em conformidade com a Palavra de Deus, viver segundo a vontade de Deus, e assim viver bem.

Isto permanece, mas ao mesmo tempo é ultrapassado: a verdadeira justiça não consiste numa obediência a algumas normas, mas é amor, amor criativo, que encontra sozinho a riqueza, a abundância do bem. Abundância é uma das palavras-chave do Novo Testamento, pois é o próprio Deus quem dá sempre em abundância. Para criar o homem, cria esta abundância de um cosmos imenso; para redimir o homem, Ele entrega-se a si mesmo, na Eucaristia dá-se a si próprio. E quem está unido a Cristo, quem é um ramo da videira, vive desta lei, e não pergunta: "Ainda posso fazer isto, ou não?", "Devo fazer isto, ou não?", mas vive no entusiasmo do amor que não questiona: "Isto ainda é necessário, ou proibido?", mas simplesmente na criatividade do amor, quer viver com Cristo e por Cristo, e entregar-se inteiramente a si mesmo por Ele. (...)
E finalmente chegamos à última palavra deste trecho: "Eis quanto vos digo: "Tudo aquilo que pedirdes ao meu Pai em meu Nome, Ele vo-lo concederá"". (...) O que significa esta promessa? No capítulo 16, o Senhor oferece-nos a chave para compreender: Ele diz quanto nos oferece, o que é tudo isto, a chará, a alegria: se alguém encontrou a alegria, encontrou tudo, e vê tudo à luz do amor divino. (...) É útil recordar, ao mesmo tempo, também alguns versículos do Evangelho de Lucas, onde o Senhor, numa parábola, fala da oração dizendo: "Se já vós, que sois maus, sabeis oferecer coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está nos Céus vos concederá o Espírito Santo, a vós que sois seus filhos". O Espírito Santo no Evangelho de Lucas é alegria, e no Evangelho de João é a própria realidade: a alegria é o Espírito Santo, e o Espírito Santo é a alegria ou, por outras palavras, a Deus não peçamos algo pequeno ou grande, mas de Deus invoquemos o dom divino, o próprio Deus; este é o grande dom que Deus nos concede: o próprio Deus. (...) Assim, o rezar, diante dos olhos de Deus, torna-se um processo de purificação dos nossos pensamentos, dos nossos desejos. Como diz o Senhor na parábola da videira: temos que ser podados, purificados todos os dias; viver com Cristo, em Cristo, permanecer em Cristo, é um processo de purificação, e só neste processo de lenta purificação, de libertação de nós mesmos e da vontade de termos apenas a nós próprios, está o verdadeiro caminho da vida, abre-se a vereda da alegria.

Como já pude mencionar, todas estas palavras do Senhor têm uma base sacramental. A base fundamental para a parábola da videira é o Batismo: somos implantados em Cristo; e a Eucaristia: somos um pão, um corpo, um sangue, uma vida com Cristo. E assim, também este processo de purificação tem uma base sacramental: o sacramento da Penitência, da Reconciliação, em que aceitamos esta pedagogia divina que, dia após dia, ao longo de uma vida, nos purifica e nos torna cada vez mais membros do seu corpo. Deste modo podemos aprender que Deus responde às nossas preces, responde frequentemente com a sua bondade também às orações pequenas, mas muitas vezes também as corrige, transforma e orienta, para podermos ser final e realmente ramos do seu Filho, da videira autêntica, membros do seu Corpo.
Demos graças a Deus pela grandeza do seu amor, oremos a fim de que nos ajude a crescer no seu amor, a permanecer realmente no seu amor.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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