Que fique bem claro: este artigo é um desafio. Antes de mais nada, aos nossos leitores. Não é a primeira vez que falamos da penitenciária de Pádua e da vida que crepita ali dentro, onde um grupo de homens, tendo encontrado o cristianismo, descobriu a liberdade. Já falamos da Cooperativa Giotto, dos detentos no Meeting de Rímini, do trabalho, da confeitaria, das amizades... Enfim, podemos pensar que já sabemos tudo sobre a penitenciária Due Palazzi. Ou podemos ficar frente a frente com o que está acontecendo bem agora. E nos maravilhar. Pois, no relato deste meio dia atrás das grades encontramos a evidência de um passo a mais. Nessa prisão vivem homens que estão renascendo. Literalmente. Aos quarenta ou cinquenta anos. Homens que têm as costas arqueadas pelo peso daquilo que fizeram. Mas que voltaram a viver. Hoje. Graças a um abraço que tem a mesma natureza daquele que é retratado na parábola do Filho Pródigo. E que nos faz lembrar também a pergunta de Nicodemos a Jesus: “Como pode um homem nascer quando está velho?” Como pode renascer, mudar em seu íntimo? Então, experimentem ler. Em primeiro lugar, para verificar se é possível que uma coisa destas aconteça também nos lugares em que pensamos já saber tudo, até como Deus age. E, ainda, para se perguntar, como faremos por meio de uma série de artigos, se este fato, este florescimento de humanidade, é algo esporádico e ocasional ou tem em si uma dinâmica tão verdadeira a ponto de poder acontecer em outros lugares. Até em outras prisões. Algo que possa chegar a delinear um caminho, uma hipótese de trabalho para os profissionais que atuam no sistema penal e têm como objetivo criar condições para que quem vive lá dentro mude. E, como sabemos, uma coisa só pode ser um exemplo para todos quando tem dentro um valor infinito. Boa leitura. E bom desafio.
Gol. Um empate. “Eu é que deveria ter jogado”. Usando boné de grife e jaqueta de couro, Elvin, na lateral do campo, tem a expressão dura, parece com raiva. Quase dá medo perguntar por que não está jogando. “Amanhã, meu turno começa às seis. Preciso fazer os doces, e devo fazê-los bem”. Sorri, sabendo que surpreendeu você. “Sim, os doces”, diz com um forte sotaque do Leste: “Essa é a minha maneira de participar do jogo. Nunca tinha trabalhado antes, porque eu era um desocupado. E era escravo de tudo. Hoje é o primeiro dia que estou bem aqui. Nem parece que estou na prisão”. E sorri, pensando que, se estivesse fora, teria estado dentro de propósito. “Porque hoje foi belíssimo. Não, belíssimo é pouco”.
Naquela manhã, na cozinha da prisão de Pádua, onde Elvin faz os doces, padre Eugenio Nembrini entrou de braços abertos e gritando de alegria. Abraçou Giovanni, Franco e os outros. Veio aqui para encontrar os amigos, junto com outros amigos. Pouco importa se para entrar são revistados ou têm que passar por uma série de corredores com as portas todas propositalmente iguais, para confundir. Padre Eugenio conheceu os detentos da penitenciária Due Pallazzi no Meeting de Rímini, onde alguns deles foram pela primeira vez em 2008, e voltaram em 2009 (cf. Passos n. 69/ janeiro 2006). A partir de então, a detenção não pôde impedir a proliferação de uma trama de relacionamentos. Tornou-se uma amizade que está fazendo deste lugar uma casa, onde o tempo se torna o tempo favorável, aqui, em que o tempo coincide com a condenação.
Tudo começou com a Cooperativa Giotto, que dá trabalho aos detentos e os levou ao Meeting. Mas, depois, este início expandiu-se, e percebe-se isto quando Maurizio, grande e gordo, dá um abraço tão forte que quase lhe esmaga, contente como uma criança porque depois de quinze anos reviu um irmãozinho no skype e se viu diante de um homem. Agora que está em semi-liberdade, comprou um computador. Entrou para a prisão sem nunca ter visto um, não sabia nem mesmo como ligá-lo. Agora, fez um curso de informática, baixou os filmes do Meeting, e não se cansa mde assisti-los. “Isso me ajuda porque é concreto. O pensamento daquilo que fiz é uma ferida que não me deixa. Eu, antes, não me dava conta de nada. Durante o processo, eu ria. As pessoas me dizem que o Senhor perdoa. Muitas vezes, a cabeça é tomada por tudo isso, não consigo ver nada, mas há momentos em que penso que é verdade: quando vejo que o bem surge do meu coração. Eu nunca tive isso antes”. Ele chora, mas aplaude com força, porque a festa começa.
O que aconteceu com você? Hoje é um dia especial. Porque os amigos de Milão, Nápoles e Rímini estão aqui. E, sobretudo, porque Bledar, um muçulmano, a partir de agora se chamará Giovanni (João). Tornou-se catecúmeno, pediu para fazer o caminho para receber o Batismo. Festeja com Umberto que, ao contrário, se prepara para a Confissão, Comunhão e Crisma. A missa com todos reunidos é para eles. Depois, salgados e bolo. “A última vez que o vi, meu irmão me perguntou o que tinha acontecido comigo”, conta Youssef, na fila do bolo. Em agosto do ano passado, foi ao Meeting pela primeira vez, pedindo ao seu iman no Marrocos, uma dispensa especial do Ramadã, que caía naqueles dias. “Desde que estive em Rímini, meus pensamentos mudaram. Ver que alguém gosta de você sem perguntar o que você fez, isto faz você se abrir”. Se não, resta apenas o pensamento sufocante de uma pena que termina em 2017. “Não tenha medo porque você não está sozinho. Deus pensa em você”, lhe repete um amigo, hoje, pegando suas mãos. Youssef concorda, entra junto com todos no auditório da penitenciária. Não pode imaginar o que está para lhe acontecer.
A festa começa com as fotos do soldados italianos diante dos caixões enfileirados, depois do massacre de Nassirya e as palavras de Dom Giussani que no dia 18 de novembro de 2003 abriram o Telejornal Tg2, no dia dos funerais. “O medo ou o desprezo pela Cruz de Cristo nunca permitirá participar da alegria de viver dentro de uma festa popular”. Nas arquibancadas do auditório estão cerca de 80 detentos e alguns amigos. Nicola Boscoletto, o responsável pela Cooperativa Giotto, projeta um vídeo do encontro com Margherita, a viúva do oficial Coletta, que veio conhecer os presos pouco antes do Natal. “Devemos nos confiar ao Senhor”. Fala de seu marido, de seu filho, da dor e seu tom tem a força de uma vitória. “Não é só a morte que nos faz sofrer, mas com Ele no coração podemos ser livres”. É o limite das coisas finitas que nos faz sofrer. Porém, se é investido pelo pressentimento de uma vida que tem uma possibilidade maior: “Gostaria de dar a vocês tudo aquilo que seu coração deseja, mas, como não sou capaz, peço a Deus para que doe a cada um o amor de Cristo”. Talvez não possamos entender tudo o que isso quer dizer, mas ao escutá-la, sentimos a amplidão do próprio coração.
“Festejar quer dizer ter uma consciência de si”, diz Nicola: “Eu sou nada e um nada não pode ajudar um outro nada, mas Alguém cuidou de mim, de nós”. Vemos uma mulher que, seguindo a sua vida, chegou até aqui para dar conforto a esses condenados. Vemos reunidas, pessoas que vieram de longe em seus carros e pessoas que, escoltadas, vieram de suas celas. Uma amizade que nasceu e cresceu sem planejamentos, entre homens que não têm nada em comum e tudo a compartilhar. Depois, alguém lê uma carta (na p. 17). Ye é um jovem chinês que cumpriu sua pena e começou a fazer a catequese para ser batizado, recebendo o nome André. Pediu para voltar à penitenciária para esta festa, mas não lhe foi permitido. Então, escreveu aos seus amigos sobre o milagre que recebeu. Tudo aquilo que na vida pode perder o brilho, mesmo que apenas por causa do hábito, nas suas palavras torna-se novo. “Onde, como, quando acontece, não sabemos com antecedência”, diz Nicola: “Aqui, aconteceu”.
“Este é o nosso desafio”. Começam os cantos, todos se soltam, alguém chega do turno na cozinha e corre para sentar-se tirando o avental, ninguém nota o tumulto na entrada do auditório. Ninguém pode imaginar o que está acontecendo atrás daquela porta. Ela se abre: Youssef é libertado. Dizem que acabou de chegar o documento do Tribunal, deve deixar a prisão imediatamente. Não tem tempo nem de se despedir, e todos já estão aplaudindo, sem se darem conta do que está acontecendo. Têm em mente as últimas linhas da carta de Ye André: “Rezo por vocês. E tenho certeza de que o Senhor me escuta, porque sou o único chinês que reza”. Youssef chora e outros choram com ele. Descem os degraus para abraçá-lo, felizes como se todos estivessem saindo. “Este era o nosso desafio: não quem seria o primeiro, mas quem permitiria ao outro sê-lo”. A frase lida rapidamente no alto do folheto de cantos da missa volta em mente inesperadamente, olhando-os. É uma citação de São Gregório Nazianzeno. Fala de seu mais precioso amigo, Basílio Magno, bispo e santo como ele: “Estávamos juntos”, escreve Gregório: “Como por uma concordância, na realidade por disposição divina. Nenhuma inveja... um estava no outro e com o outro”. Quando ouvimos falar sobre a vida na prisão, todos dizem que ali tudo se torna poder e posse. As pessoas se agarram aos detalhes, como uma toalha colocada de maneira errada, para fazer inimigos. Olhando os abraços a Youssef e os rostos daquelas pessoas, é possível ver homens sustentados por uma graça. O princípio não era diferente em Gregório e Basílio. A mesma semente, que germinou nos dois tornando-os santos.
Foi graças ao trabalho na prisão que Youssef pôde pagar um advogado. E, assim, começaram os procedimentos para os recursos. Agora, inesperadamente, chegou o resultado, a redução da pena tornando-o livre. Impossível não pensar em Deus. “Esperamos nunca nos esquecermos disso tudo”, foram, pouco antes, as palavras de Nicola, que parecem um desejo para Youssef, mas é para todos. “O esquecimento e a distração envolvem nossos dias. Mas se formos verdadeiramente livres, isto é, sérios, leais com aquilo que vivemos, o caminho nunca deixará de ser bonito”.
Antes do jogo de futebol, detentos contra visitantes, cantam-se músicas de Mina, canções napolitanas e as do músico e ator Carlo Pastori, que está aqui com os presos e os agradece porque “com vocês é um momento de renovação”. E o é para todos. Entre os guardas carcerários há uma mulher. Vestida em seu uniforme azul, disse pouco antes a uma das visitantes que “aqui na prisão nada é simples”. Agora, está em formação com os outros guardas, de pé, com as mãos nas costas. Comove-se. Sai um instante pela porta, depois volta. Quando todos ainda estão cantando, aproxima-se de padre Eugenio, sentado no chão, e pega suas mãos: “Agora preciso ir porque meu turno terminou. Mas quero lhe agradecer, obrigada”, e vai embora. É a Sua interferência na realidade, simplíssima, onde nada é simples. Na missa da manhã, padre Eugênio também fez uma oração por eles. Pediu para rezar um Glória por todos aqueles que trabalham na prisão e por suas famílias, “com gratidão porque se não fossem eles, não estaríamos aqui, não seria possível tudo aquilo que vemos hoje”. E acrescenta Nicola: “É possível porque todos, do pessoal da administração penitenciária até a magistratura, fazem seu trabalho com empenho, com boa vontade. Se alguém vive com seriedade a própria tarefa, é inevitável que brote um bem maior”.
“Mas, agora, como faremos as brincadeiras sem Youssef? Será que pensaram nisso quando o deixariam sair?” A brincadeira foi feita por Paolo Cevoli, um comediante de Zelig. Que não só é um rio transbordante, mas que, como todos, está ali do jeito que é. Dando-se a si mesmo, e o seu talento. Morremos de rir ouvindo suas piadas. Depois, quando saímos, ficamos em silêncio, naturalmente. Isso é muito mais do que ficar falando sobre tudo. No carro, no caminho de volta para casa, o coração vibra agradecido por ter visto Bledar, o homenageado, que cumpre prisão perpétua e que naquela manhã, durante a missa, no coração de uma prisão, começou o caminho cristão. Ao lado de seu padrinho, Franco, condenado à prisão perpétua, como ele. Os outros presos estavam sobre as escadarias, olhando para ele. Bledar, diante de todos, ajoelhou-se, com o rosto de um menino. Respondendo seguro e sério. O que você pede à Igreja de Deus? “A fé”. E o que a fé lhe dá? “A vida eterna”.
Dá arrepios ver um homem ajoelhar-se diante de Deus. “Quantas vezes terá se ajoelhado em sua vida; quem sabe diante de quantas coisas”, diz padre Eugenio: Hoje, diante do Mistério que lhe espera por toda a sua vida. De braços abertos, abre-os o máximo possível. E espera por você”.
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