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Passos N.78, Dezembro 2006

DESTAQUE - EXPERIÊNCIA

[Filosofia]
Ou o mecanismo ou a interpretação

por Costantino Esposito

O nascimento do conceito moderno de experiência científica. De Galileu a Kant, chegando à sua redução a mero “teste” subjetivo, sem dar um juízo. A contribuição de um filósofo que briga contra a redução da razão

Quando Galileu, numa famosa carta escrita em 1613 para Benedetto Castelli, identificou como momentos essenciais do método científico, de um lado, as “sensatas experiências” e, do outro, as “necessárias demonstrações”, inaugurou, de fato, a história moderna do conceito de experiência. Na definição galileana encontramos, em primeiro lugar, a identificação da experiência com a percepção dos sentidos: no nível imediato, nós experimentamos o mundo por meio dos nossos órgãos de sentido – nós o tocamos, o vemos, o ouvimos etc –, que funcionam, assim, como a porta principal pela qual a realidade nos alcança e entra na nossa consciência. Mas, em segundo lugar, essa abordagem inicial precisa ser integrada e, afinal, reduzida a uma dedução lógica, a um juízo que deixe de lado os aspectos “qualitativos” do mundo (isto é, aqueles que dependem das condições subjetivas de quem capta as coisas pelos sentidos) e o formalize segundo relações matemáticas necessárias, que se referem aos aspectos puramente “quantitativos” da realidade.
Só dessa maneira as experiências sensíveis podem ser aceitas num método “experimental”, como o de Galileu; e esse método, contrariamente ao que se poderia pensar, não se baseia tanto no fato de que nós fazemos experiência direta e concreta da natureza, mas no fato de a natureza ser entendida como uma construção rigorosa e abstrata de relações mecânicas.

Ação/reação
A partir desse momento, o destino da palavra “experiência” será definitivamente marcado – de uma maneira restritiva – pelos séculos afora: fazer experiência será entendido como um mecanismo de ação/reação entre os impulsos que nos vêm da realidade e a resposta dos nossos órgãos de sentido; uma relação do tipo subjetiva, justamente porque cada um “sente” o mundo à sua volta de maneira individual e condicionada, parcial. Para que a experiência possa se tornar “objetiva”, ela precisa se transformar num juízo mensurável, que seja válido para todos e possa ser reproduzido por qualquer um: e isso só é garantido pelos seus termos matemáticos.
Em suma, o sujeito em carne e osso, o sujeito dos sentidos, não tem mais “em si mesmo” um critério de juízo “objetivo”; e, por outro lado, o juízo objetivo sobre a realidade não requer mais, para funcionar, um sujeito ou um “eu” individual, mas só um procedimento geral (isto é, abstrato).

Conhecimento a priori
Mas foi com Kant que se encontrou a versão canônica dessa tendência interpretativa: na Crítica da razão pura (1781), o termo “experiência” significa o mesmo que “conhecimento”, mas para ele conhecer não quer dizer mais entrar em relação com a “realidade” e com o “ser” das coisas (que continuará sendo sempre uma incógnita para nós), mas quer dizer determinar os fenômenos da natureza mediante as categorias da nossa mente e, assim, “construir a priori” os objetos que conhecemos com a sensibilidade e o intelecto. O mundo da experiência não se baseia mais simplesmente naquilo que nos é dado, mas – exatamente o contrário – é a nossa própria mente que condiciona a priori aquilo que podemos experimentar e aquilo que escapa irremediavelmente da nossa experiência. Mas se a experiência se identifica exclusivamente com o conhecimento científico, isso quer dizer que tudo o que não se enquadra nessas categorias a priori – o significado da realidade ou a busca da verdade última das coisas, a tensão para o bem ou o fenômeno amoroso – jamais poderá ser conhecido, isto é, encontrado e compreendido naquilo que é, mas só “desejado” pelo nosso sentimento subjetivo ou “comandado” como dever moral da nossa vontade.

Só reatividade
Assim, por exemplo, eu poderei fazer experiência (isto é, medição científica) da lei da causalidade, mas a rigor não poderei fazer uma verdadeira “experiência” do amor que minha mãe tem por mim, já que esse segundo caso não é mensurável, à base dos meus esquemas mentais, pois é uma coisa que só se enquadra no âmbito dos afetos e dos sentimentos. E quando, na passagem do moderno para o pós-moderno, se quis dar espaço para essa esfera subjetiva, atribuindo também a ela a dignidade de uma verdadeira “experiência”, voltou-se a insistir que esta última significa apenas “provar” ou “sentir” algo (o feeling), explicável à base de uma reatividade do tipo biológico e emotivo. Até se chegar à explicação dos estados de consciência e dos atos de vontade – isto é, a experiência interior do eu – à base unicamente das conexões neuro-niais do nosso cérebro, como é proposto pelas neurociências e pelas teorias cognitivistas contemporâneas.

Versão “hermenêutica”
Essa é uma explicação que se junta a outra idéia (aparentemente contrária, mas na realidade totalmente complementar) segundo a qual todas as nossas experiências são sempre um produto da cultura, da linguagem e do contexto social em que vivemos. É o que poderíamos chamar de versão “hermenêutica” da experiência, na qual o papel do sujeito humano parece ser valorizado ao máximo, mas que na realidade se revela também ela uma construção mental. Ou o mecanismo ou a interpretação: eis a alternativa na qual parece que se exaure o significado da experiência em nossa época. Mas se trata de uma alternativa que cria mais problemas do que resolve. De fato, como é possível sentir uma coisa como verdadeiramente “nossa” (ou seja, fazer a experiência dela) sem compreender o significado que ela tem para o eu e para a vida? Sem juízo não há, de fato, verdadeira experiência, e o mundo se dissolveria no feixe das nossas impressões. Aí está o fascinante mistério da experiência humana, o fato de se tornar “minha”, isto é, conteúdo da minha consciência, uma coisa que não poderei jamais reduzi-la a mim mesmo, porque me foi dada, é objetiva e me alcança, me interpela.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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