Adolescentes se questionam, durante a aula, sobre o mistério da morte. Alunos renovam juntos a pintura do auditório. Mães se comovem porque “agora meu filho levanta da cama cantando...” Para além dos problemas e das análises, qual é o coração (e quem é o protagonista) do desafio da educação? Fatos e histórias de sala de aula. A descoberta das vantagens de aceitar o desafio, sem enganação
“Mas o que está acontecendo...?”. Os bedéis nem podiam acreditar. Trinta jovens prestam atenção ao que diz um homem com o triplo da idade deles, que na lousa escreveu apenas a palavra “realidade”. “O que isso significa para vocês?”. Disparam definições, esquemas, lembranças de autores estudados: a realidade é complexa, é subjetiva, é objetiva... “Esqueçam os filósofos: o que é a realidade para vocês?”. A discussão pega fogo, os jovens tentam achar uma definição. Alguém observa: “A realidade sempre surpreende a gente”; um outro admite: “Eu percebo que, muitas vezes, não ligo muito para as coisas”. O sinal interrompe a discussão: “Mas como? Já acabou?...”.
Foi apenas um flash, mas aí dentro está tudo: um eu atrás da mesa e vários outros eus à frente, nas carteiras, tentando responder. Um episódio simples, mas que jamais teria acontecido se aquela pessoa não tivesse entrado de corpo inteiro no jogo. Apostado no fato de que o desafio da educação é sempre possível. E é algo que interessa a todos: aos jovens, e sobretudo aos adultos, geralmente céticos e incapazes de despertar o interesse dos jovens. Claro, nunca é fácil, os problemas existem de fato. Mas seria muito cômodo usá-los como escudo para evitar o envolvimento pessoal. Ao passo que quem leva a sério essa aventura vence sempre.
“São minhas próprias perguntas”. Exemplos? Voltemos à cena citada acima. Em geral, não é esse o clima dentro da sala de aula... Mas aí descobrimos que aquele homem é o diretor da escola, que faz questão de dar pelo menos uma hora de aula por dia... “Se eu não me encontro com os alunos, como poderei conhecê-los?”, conta Angelo Lucio Rossi, que em Pescara (Itália) dirige um dos maiores institutos escolares da região. Trata-se de um modo eficaz de manter o controle da situação? “Ao contrário. O ponto-chave não é exercer o controle, pois mesmo dentro de um contexto burocrático podemos viver plenamente o desafio educativo”.
Voltamos sempre ao coração da questão: o desafio educativo. Esconder-se atrás dos mil problemas da escola – a reforma educativa que não chega, a violência dentro da escola, o vandalismo, etc – não adianta nada, é uma fuga. Trabalho e preocupação não faltam, naturalmente. “Agora há pouco discuti com o vice-diretor por causa do horário. Ou nos deparamos com uma classe que não responde... Mas eu não desisto: nenhuma dificuldade pode ser um álibi para deixarmos de viver profundamente”, diz Luisa De Luca, professora de italiano em Civitanova Marche. Tanto que pode sempre acontecer um fruto inesperado: “Durante um passeio, alguns alunos me deram uma rosa: é para a senhora, professora. Primeira reação: será por causa do passeio?... Mas eles me dizem: é pelo entusiasmo que a senhora demonstra quando entra na classe e nas explicações que dá”. Cada dia é um desafio: “Há uma semana, por exemplo, convidei um colega para dar uma aula sobre Dante. No final, um jovem me disse: ‘se você conseguisse ser clara assim, ficaria até cinco horas ouvindo você’. Não posso ignorar essa provocação: como os alunos não são como um funil que engole tudo sem questionar, eu também não sou uma repetidora de coisas. Há um diálogo e eu, por primeiro, sou chamada a entrar no jogo”.
É a tal “disponibilidade para aprender” de que fala Silvia Riccobelli, que leciona latim e grego no colegial: “Não sou dona do saber definitivo. Cada vez aprendo mais sobre minha matéria. E pensar que nós as chamamos de línguas mortas...”. Aceitando esse desafio pessoalmente, a gente descobre também os outros que estão diante de nós. Quer se trate de alunos mais adiantados, capazes de repetir as fórmulas de Einstein, ou de pré-adolescentes que ainda penam para entender os advérbios. Foi o que acabou de acontecer com Francesco Fadigati, que leciona numa escola da zona rural de Bérgamo: “Lemos um conto em que o som noturno de um acordeão desperta as perguntas do protagonista. Quando eu disse ‘agora, vamos retomar os pontos fundamentais’, todos levantaram as mãos”. Uma aluna contou: “Eu também, às vezes, não durmo e me pergunto por que precisamos morrer; aí eu procuro pensar em outras coisas, na roupa, na TV... Mas a pergunta não vai embora”. E um outro: “A ciência responde com clareza: o coração parou de bater, as células morrem... Mas não é isso que eu quero saber”.
Alguns dizem “idade de passagem”... Que nada! “Se eu não tivesse mais nada em vista, teria me contentado com o resumo da aula – conta Francesco –. No entanto, eu não podia ficar imóvel. Os alunos colocaram para fora o que têm de mais verdadeiro. Assim, eu respondi: ‘essas são perguntas que eu também faço. Também para mim a vida é um mistério, tal como a morte’. É sempre no impacto com a matéria exposta que emerge aquilo que eles são”.
A reforma sou eu. Bem, parece simples quando a gente trabalha com Dante ou Van Gogh. Mas e se o assunto é uma matéria árida? “Não faz diferença. Mesmo com as equações a gente pode descobrir que as coisas seguem uma ordem”, explica Tiago Bianchi, que em Lisboa preferiu deixar o emprego num banco para ir trabalhar como professor de matemática.
Nada pode ficar de fora desse desafio. Tudo tem valor, inclusive as exigências burocráticas ou o regulamento da escola. “Toda manhã eu espero os alunos na entrada. Eu os saúdo: ‘como vai? dormiu bem?’. Não é simplesmente para que cheguem no horário. É que as regras, dentro de um relacionamento, têm outra consistência”, conta Angelo Lucio Rossi. Daí a importância de cuidar também do local em que estamos: “Posso começar a dizer o que, no Estado, ninguém diz: meu. Resultado? Os jovens estão pintando o Ícaro de Matisse no auditório; em breve, a Polícia Florestal vai nos trazer 150 mudas de plantas; pedras trazidas da região de Maiella embelezarão a entrada... Em vez de ficar esperando o decreto X ou Y, eis aí a verdadeira reforma: pessoas comprometidas com a própria vida”.
Quando alguém se lança assim, todos percebem: os colegas, os alunos, e até os pais. Já nos primeiros dias. Vejam esta cena: sábado de manhã, às vésperas do início do ano letivo, uma centena de jovens, de pais e mães, lotam a sala de uma escola da província. Estão bem vestidos, como se viessem para uma cerimônia. O diretor toma a palavra: saúda-os e fala de si, apresenta a escola e faz referência à felicidade, porque até as horas passadas em sala de aula têm a ver com isso. No final, muitos pais estão comovidos. Diego Sempio, que dirige o Centro de formação profissional Canossa, de Lodi, explica: “Em geral, acontece de, no final do ano letivo, alguma mãe nos procurar para agradecer: ‘antes, meu filho se levantava da cama dizendo que estava com dor de barriga; agora, levanta cantando...’. O surpreendente é ver essa atenção antes mesmo do início do ano escolar: pela maneira como se apresentam dá para ver que intuíram em nós um olhar de estima. Enquanto todos lhes fazem crer que seus filhos não valem nada, eu disse: ‘se vocês estão aqui, é porque têm um problema; mas esse problema eu também o tenho: vamos partir daí’.”
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TESTEMUNHO
O que se espera de um professor
Elisabetta, de Lissone (Itália), nos enviou esta carta escrita por um aluno para se despedir dela, depois de dois anos de trabalho juntos.
Salve, professora! Nestes dois anos, a senhora conseguiu me passar uma paixão, uma força de vontade, uma vontade de ir a fundo daquilo que é a realidade. O que a senhora fez poderia ser comparado a uma flor que, graças a bons fatores climáticos, desabrocha. Acho que todos os homens têm o desejo de descobrir algo a mais na realidade: o essencial é fazê-la desabrochar. Como na senhora ela já desabrochou, conseguiu transmiti-la. Uma das "coisas" mais bonitas foi aprender a distinguir dois verbos: "olhar" e "observar". O que experimento de mais bonito é que, observando a realidade, poucos fatos, poucos acontecimentos podem passar despercebidos. O olho que observa é o de Manzoni que consegue unir os vários momentos de Os noivos. Um "leitor observante" consegue reconstruir aquilo que o narrador diz. Você, sendo uma "leitora observante", fez-nos amar Os noivos, conseguindo nos transmitir a beleza de observar. Professora, a senhora ficou tocada pela beleza de observar, então, a sua paixão irradiava. Sempre me ajudou nas dificuldades; nos momentos difíceis podia contar com a senhora. Além disso, descobri a experiência de Deus. Dito assim, não faz sentido. Eu era católico, mas era um daqueles que vão à missa e que rezam porque são obrigados. Acompanhando o padre durante a homilia e ouvindo você na sala de aula entendi que Deus está na minha vida. Deus revelou-se ao homem fazendo-se homem: "O Mistério se fez carne e habita entre nós". Encontrei verdadeiramente Deus nestes dois anos, e a senhora é uma das pessoas a quem devo agradecer por isso. Crescer, do ponto de vista escolar, graças a um professor, acho que é normal, mas crescer do ponto de vista humano, acho que é excepcional. Tornei-me um pouco mais "homem" graças ao que aprendi com a senhora. Não se espera isso de um professor, e a senhora foi mais do que um professor para mim, foi um guia.
Martino
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