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Passos N.76, Setembro 2006

DESTAQUE - MEETING 2006

O suspiro do Meeting

por Carlo Dignola

À razão não basta aquilo que vê, ela é também exigência do outro – o Infinito –, sem o qual não consegue subsistir. Ela é suspiro e pressentimento de que esse Infinito se manifeste. A seguir uma viagem por entre alguns dos vários encontros do Meeting, que aprofundou o título da edição 2006, tirado de um pensamento de Dom Giussani

Uma das primeiras mesas-redondas do Meeting de 2006 tinha como tema justamente “A vastidão e o infinito nas ciências”. Marco Bersanelli, professor de Astrofísica na Universidade de Milão, coordenou a mesa, que contava com Edward Nelson, que leciona Matemática em Princeton, e Steven Beckwith, que dirige o projeto do Telescópio Espacial Hubble, da Nasa.
Nelson perguntou-se o que seria esse infinito, essa não-cifra que os gregos – mas também os indianos – avistaram no final de seus cálculos há mais de 2 500 anos, na aurora da humanidade racional. Ele diz, em sua palestra, que a coisa mais evidentemente infinita é a nossa ignorância a respeito do universo: e não é pouco. O mistério, o infinito, nos envolve por todos os lados. Explica que grandes gênios da Matemática, como Dedekind e Peano, tentaram expressá-lo por meio de uma fórmula, mas Kurt Gödel – com o seu Teorema da Incompletude, que em linhas gerais mostra que um sistema não pode ser usado para provar a si mesmo – chegou a demonstrar que tal “captura” será sempre impossível, mesmo que a inteligência humana dure um bilhão de anos: em nossos procedimentos lógicos há uma falha estrutural.
O infinito é um pouco como aquele oito invertido que está no final da rosca das objetivas das máquinas fotográficas: não indica nenhuma distância, mas se a gente não toma o horizonte como referência, a linha última para a qual tudo em perspectiva se dirige, não consegue focar nenhum primeiro plano. Steven Beckwith explicou que a cada século que passa nós roubamos um pouco do terreno do infinito, mas ele teima em não diminuir, não se reduz: “Nos últimos quatrocentos anos, alongamos muito o confim do mistério”, diz ele, mas se do infinito nós subtraímos alguma coisa – nos ensina a matemática – não o diminuímos em nada: ele continua sendo sempre infinito. Aliás, seria o caso de dizer: ele fica cada vez mais infinito.
Em outra mesa-redonda, o pesquisador Massimo Roberto, que trabalha no observatório astronômico do Havaí, disse que é como se os homens afundassem seu olhar na realidade e ela, se afastando um passo para trás, perguntasse: “Mas o que procurais?”. Isso sempre lhe impressiona, porque é a palavra que o Evangelho coloca nos lábios do Ser que se fez homem. Quando Jesus encontra os primeiros discípulos, pergunta a eles: “O que procurais?”.

Aquele “algo mais” que conta
Em poucas palavras, viu-se logo o que é uma ciência aberta e o que é uma ciência escrava de si mesma, grande tema do Meeting deste ano. Como disse o Cardeal Schönborn, Arcebispo de Viena: “A vida é algo mais do que as suas condições materiais. O que seria esse algo mais é um problema que vai além da metodologia quantitativa das ciências, mas nem por isso é menos real”.
Ao homem de hoje, porém, que importância tem, no plano prático, esse “algo mais”? Pouca ou nenhuma – responde Javier Prades, renomado teólogo espanhol. Ele tinha em mãos os dados sobre a fé dos jovens em seu país: do ano 2000 ao ano 2004, a metade deles havia deixado de lado a Igreja Católica. Na vida – dizem – o que conta é a família, a saúde, os amigos, o trabalho, o bem-estar..., Deus está apenas em sétimo lugar, um pouquinho à frente de Zapatero (primeiro-ministro espanhol). E o máximo que a religião lhes diz é: “seja honesto”, “ajude quem precisa”.

O sinal do mistério
Prades cita o famoso e ácido Nietzsche: “O conceito de Deus foi inventado em antítese ao conceito da vida”. Para fazer tudo o que há de divertido no mundo, a pessoa precisa afastar-se da Igreja? Também aqui o problema está numa visão redutiva da razão...
A razão, hoje, se confunde com a ciência; o mistério é a zona escura, aonde a luz cristalina da razão não chega. O kamikaze muçulmano é alguém que se inseriu mal na sociedade, não uma pessoa que tem problema com Deus. Prades cita Octavio Paz: “A única coisa que, hoje, une a Europa é a sua passividade frente ao destino”. Mas hoje, sob esse aspecto, a Europa não é só um grupo de nascidos naquele continente, a Europa somos todos nós, filhos da cultura ocidental. Gente que, talvez, se sente um pouco cristã de coração, mas que ocasionalmente prefere um prudente silêncio. Porque hoje “no Ocidente domina uma versão reduzida da razão, uma concepção instrumental, que tende a reduzir a profundidade da visão”, diz Prades. E conta a piada de um chefe de pessoal que ganhou de presente duas entradas para o concerto da Sinfonia Inacabada, de Schubert, e saiu de lá pensando em otimizar as energias da orquestra diminuindo a quantidade de violinos, pois tocavam todos a mesma nota, e retirar da partitura os trechos repetidos... A razão entendida como “medida” não consegue sequer perceber o real. O seu olhar cansado a leva a apreciar menos – e não mais – a música e a vida.
Prades finaliza dizendo que não é verdade que o mistério não faz parte da nossa experiência diária, mas o faz sempre por meio de um sinal. Ou seja, acontece “sempre dentro, nunca fora, da realidade”.

O ponto de fuga
Giancarlo Cesana, professor de Medicina do Trabalho na Universidade Bicocca de Milão e uma das principais lideranças de Comunhão e Libertação, explicou: “Há um ponto de fuga, alguma coisa que quebra o objeto que seguramos – e por isso não o compreendemos suficientemente, há sempre uma intolerável injustiça, que procuramos esconder de nós mesmos, distraindo-nos. O jogar-se no instinto é o pior modo de voltar as costas para essa abertura que todas as coisas apresentam, que todas as coisas provocam”. É “aquela tristeza que a gente experimenta numa relação incompleta com a pessoa que mais amamos – porque eu não sou capaz, porque ela não é capaz” – o suspiro de infinito que é o cume da razão, que é “a característica mais humana da vida: a consciência da própria incompletude”.
Por outro lado – diz Cesana –, não se pode esperar por muito tempo alguma coisa que não existe: “Se fosse assim, se sentíssemos que a nossa espera é por algo que não existe, seríamos tomados pelo medo”. Melanie Klein, psicanalista que estudou o surgimento da paranóia em crianças, diz que quando o homem não tem mais confiança, “a ausência se torna má presença”, algo que não nos dá trégua. Em nossa vida, porém, há um pré-sentimento (um sentimento que antecipa todos os outros) diferente: “que o ser existe, que mesmo que a vida lhe derrube – diz Cesana – não pode negar esse braço amigo que lhe sustenta”.
Mas só começamos a entender isso “quando temos necessidade dele; quando essa ausência, que é saudade, irrompe como busca de algo que pode ser encontrado: o infinito se apresenta sempre quando surge a necessidade de algo que é finito”. Como a sebe, no Infinito de Leopardi, que deixa entrever aquilo que os seus ramos acobertam. Para perceber o que está por trás – diz Cesana – é preciso tocar esse limite. “Por isso a vida é dos pobres: porque, se não sentes necessidade de nada, não prestarás atenção a nada”.

O perfume da gratuidade
O que falta à razão, hoje, “não são neurônios, mas a paixão. Porque sem afeto a razão não subsiste. Mas o afeto não depende de nós”, diz Cesana. Enquanto o infinito está na linha do horizonte, ainda que a cabeça e o coração do homem funcionassem bem e ele percebesse essa realidade, isso não bastaria: estaria longe demais. Assim, o barco do amor se quebra, as famílias se separam, os filhos divorciam-se dos pais, as pessoas que você ama vão embora, buscando outras amizades provisórias. Se o infinito escapa infinitamente, você não pode reavê-lo sozinho, “precisa de outro alguém”.
Foi o que explicou padre Mauro Giuseppe Lepori, abade do mosteiro beneditino de Hauterive, na Suíça: “Queremos arrancar das mãos de Deus e, portanto, das mãos dos outros, aquilo que estamos convictos de ser direito nosso”. Roubamos a prataria do Bispo, e quando ele nos perdoa, atormentados pelo remorso de quem não sabe ser bom, talvez façamos algo ainda mais ignóbil, como roubar a única moeda da mão de uma criança carente. Sempre somos tentados a roubar-lhe o chocolate, de “retirar do amor a exigência de infinito”, diz Lepori; no fundo, porque “temos medo de sermos alcançados”.
Pelo contrário, o que de fato muda a vida é o perfume da gratuidade. É o que nos diz o próprio Giussani: “O milagre é a caridade”, o amor que renunciou a toda forma de contabilidade. A verdadeira “diferença ontológica”, a novidade que mexe com as cartas postas na mesa, a surpresa da vida, não é amar, mas ser amado desse jeito. A caridade nunca acabará. É infinita.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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