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Passos N.76, Setembro 2006

EXPERIÊNCIA - Da Utopia à Presença

Presença, juízo, autoridade

por Roberto Fontolan

As palavras-chave da virada histórica do Movimento, em 1976, ecoaram na apresentação do livro de Dom Giussani recém-editado na Itália, evento que aconteceu no encerramento do Meeting de Rímini. À mesa, o professor Weiler: “Lendo Dom Giussani, entendi o que é o acontecimento para nós, judeus”; o ministro italiano Bersani: “É incrível a concentração e a força com que se recupera a essencialidade do tema da presença”; e Cesana: “Um instante antes de tudo há Cristo”

Era o encontro de encerramento do Meeting, no sábado 26 de agosto às 15h. O pessoal já estava com as malas prontas e os voluntários preparavam-se para o enorme trabalho de desmontagem da Feira. Mas quando se iniciou a apresentação do último livro de Dom Giussani (Dall’utopia alla presenza, 1975-1978, Milão, Bur), uma potência conquistou a todos. Estávamos preparados para ouvir, cheios de amizade e interesse.
O livro recolhe os textos dos encontros das equipes dos universitários de Comunhão e Libertação, realizadas de 1975 a 1978, com Dom Giussani. Os anais de uma geração que hoje terá seus 50 anos de idade e que permaneceu indissoluvelmente, eternamente, ligada àquela fase da vida. Aquele pouco ou muito que aprendemos a respeito de Jesus e da fé, e de nós mesmos, aquelas verdades existenciais que nos anos agitados e maravilhosos do colégio haviam encantado a nossa adolescência – os anos da “comunidade” –, tudo acontecia durante os diálogos após o jantar.
Dois convidados para falar neste encontro foram escolhidos de um modo curioso. Joseph Weiler, judeu praticante, norte-americano, renomado professor de Direito internacional, docente da New York University. O fato de ser praticante não é um aspecto destituído de significado, porque, em respeito ao sábado, embora presente, ele não fala ao vivo, mas através de um vídeo gravado no dia anterior. Situação curiosa, que ele próprio genialmente ironiza e genialmente explica, com muita seriedade. Depois, Pierluigi Bersani, um “comunista!”, diria Berlusconi, importante ministro italiano do Governo Prodi, presente em várias edições do Meeting, que na juventude era um apaixonado por Filosofia e Teologia. O terceiro convidado foi Giancarlo Cesana, um dos responsáveis de CL.


Joseph Weiler
Titular de Direito Internacional
na New York University


Mudo diante do microfone, através do vídeo ele começa falando de um Dom Giussani “essencial, ácido, agressivo, entusiasta, combativo, sereno”. É assim que ele o vê no livro. E o vê também em si mesmo, quando acolhe, em seu pensamento de judeu praticante, a dimensão inovadora do pensamento de Dom Giussani. A idéia de Acontecimento, por exemplo. Para Weiler, o acontecimento é o Sinai e os mandamentos a serem observados (com os quais faz ironia); é a lembrança do Sinai todos os dias, do Sinai de cada dia. Por que respeita o sábado e a alimentação kosher? Porque são a lembrança permanente do Sinai-acontecimento. E entendeu isso lendo Giussani.
Depois, Coração, Comprovação, Mudança. As palavras fortes sobre as quais se concentram os diálogos com aqueles estudantes impressionam o intelectual Weiler, que se choca com um dos lendários slogans da época (pode-ríamos defini-lo como um “clássico sempre atual”): “A primeira política é viver”. E a vida está em toda parte, acrescenta um comovido Weiler. E aquela passagem da utopia à presença, o caminho da revolução giussaniana? O professor o entende assim: “Ser, para a vida, não quer dizer promover uma política para a família, fazer programas para a família – embora isso, claro, seja necessário, mas como conseqüência –; quer dizer, na realidade, amar a vida, criar a vida”. E para confirmar o conceito, na tela aparece a foto da bela família de Weiler, “vital, caótica, briguenta, amorosa, como todas as famílias”.


Pierluigi Bersani
Ministro do Desenvolvimento
Econômico da Itália


“Venho aqui tal como sou, como alguém que infelizmente não conheceu pessoalmente Dom Giussani. Leio estas páginas como uma viagem para dentro do cristianismo, guiado pelas mãos de um grande reformador”. O Ministro destaca, no texto-viagem, três características: a vontade de ir até o fundo nas coisas (“é o relato real de um debate permanente e estimulante, no qual aquele que conduz jamais está satisfeito”); a concentração absoluta no fato; a idéia de que a presença vem antes da iniciativa.
Como se estivesse presente nos últimos Exercícios da Fraternidade de CL, no qual padre Carrón, citando Péguy e Graham Greene, falava da “eliminação do presente”, Bersani diz que o Movimento se defrontou com a fundamental travessia “cultural” da época, iniciada em 1968: a “fuga” do presente para o futuro, fuga que toma as estradas da busca política e da ideologia.
Tendo comparecido aos funerais de Dom Giussani, Bersani lembra o discurso de padre Carrón: “A fé floresce no cume da razão”. No texto de Giussani encontra muitas idéias e sugestões, do sentido do tempo universitário aos limites da política, da crítica da utopia à formação da autoridade (“um livro que os sociólogos deveriam estudar a fundo”). As conclusões, bastante interessantes: “Quem encontrou, que continue a procurar; quem está seguro da identidade, continue a caminhar, com a curiosidade e a capacidade de se maravilhar”; “somos chamados a ser um pouco mais povo, a nos amarmos um pouco mais”.


Giancarlo Cesana
Professor de Medicina do Trabalho
na Universidade de Bicocca, Milão


Ele, que tanto acompanhou e amou Dom Giussani, o conheceu exatamente naqueles anos. E estremece ao lembrar-se desse homem que não deixava ninguém tranqüilo. “Um instante antes de tudo há Cristo, mas vocês não estão nem aí”. “Com essa frase – conta Cesana – Dom Giussani mudou a percepção da proposta do Movimento, a percepção de mim mesmo”.
Essa reforma, lembra Cesana, Dom Giussani a fez baseando-se em três palavras-chave. A primeira: presença. “Em 1976 disse: a presença, a vida, aquilo que nós somos, não pode ser algo só reativo, não pode justificar-se porque é a resposta a alguma coisa; deve ser algo original, isto é, deve valer por si mesmo. Nós estávamos totalmente tomados pela necessidade de demonstrar aos outros que nós também éramos capazes de fazer a libertação. Isso acabava nos matando. E disse mais: ‘O que é a fé? A fé é reconhecer a presença da libertação da vida, da salvação de tudo. Cristo antes de tudo’. Essa presença, há dois mil anos, tinha o rosto daquele homem, Jesus Cristo. Hoje, tem o rosto da nossa unidade, que é o nosso Sinai, a surpresa da revelação de Deus”. Segunda palavra: juízo. “Quando somos protagonistas? Quando julgamos, quando dizemos: isto está bom, aquilo não vai bem, isto é justo, aquilo é errado, isto é para mim, aquilo é para você. O juízo de valor não é uma operação intelectualista, antes é um apego às coisas, um afeto, é reconhecer o valor das coisas para ligar-se a elas”.
A terceira palavra: autoridade. “Dizia Dom Giussani: ‘Eu sou o chefe da comunidade não porque tenho as melhores idéias, mas porque consigo valorizar mais as melhores idéias das melhores pessoas’. E acrescentava: ‘A gente segue aqueles que seguem’. Eu sigo você porque você vai atrás de algo que é maior do que você e de mim, que me julga, mas julga também a você, porque do contrário você me plagia. Autoridade quer dizer fazer crescer. O fator originante do nosso Movimento foi o impacto com uma realidade humana diferente, a humanidade de Dom Giussani, aqueles que ele indicava e aqueles com os quais ele próprio se identificava”.
O Meeting encerra-se assim, imerso durante duas horas num livro vivo – como o define padre Carrón na sua introdução. A história continua.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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