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Passos N.76, Setembro 2006

EXPERIÊNCIA - O SENSO RELIGIOSO | EDIÇÃO ÁRABE

Um véu de esperança,
para além do preconceito

por Ambrogio Pisoni

A tradução do livro de Dom Giussani. Ocasião de encontro entre a cultura árabe e a tradição cristã. É o que emergiu do diálogo com o professor Wa’il Farouk e com o jornalista Said Shoaib, destacados expoentes da cultura egípcia

"O maravilhamento de um novo início”: este foi o título pensado para o encontro de apresentação da edição em língua árabe do livro "O Senso Religioso" de Dom Luigi Giussani, e assim aconteceu. Maravilhamento pelo encontro com dois homens, Wa’il Farouk e Said Shoaib, ambos egípcios, do Cairo, que leram o livro e testemunharam o seu juízo sobre ele.
Wa’il começou contando a razão pela qual se encontrava no Meeting : o imprevisto encontro, há alguns anos, com Paolo Caserta, jovem florentino transferido ao Cairo para estudar a língua e a cultura árabes. Paolo freqüentou o Instituto Dar Comboni, a escola de língua árabe fundada e dirigida pelos padres Combo-nianos, a mais conceituada do Oriente Médio em seu gênero.
Wa’il, jovem professor de língua e literatura árabe trabalha lá e por isso se encontraram.

A partir de uma amizade
Uma imediata e estranha simpatia, o conhecimento das respectivas histórias e culturas, sempre acompanhado por uma estima recíproca e sem reservas. Deste modo, a amizade revela sua verdadeira natureza e sua tarefa: ser o método do conhecimento. Assim o jovem docente egípcio e muçulmano introduz Paolo na descoberta dos segredos da sua tradição e recebe, em troca, a chave que abre a porta da riqueza da história cristã.
Amizade que continua e não se acaba à sombra das pirâmides. A estada de Paolo no Egito se torna o início de uma história e logo Wa’il visita a Itália: conhecer Paolo significa apreciar as suas amizades e a sua história. Comunhão e Libertação se torna familiar para Wa’il assim como seus amigos muçulmanos professores, jornalistas, escritores se tornam amigos de Paolo. Quando Paolo dá ao amigo uma cópia de O Senso Religioso em língua inglesa, Wa’il o lê e se entusiasma. Nos encontros às margens do Nilo, fala-se desse livro e não se pode evitar que se evoque a esperança de poder tê-lo logo também na língua do Corão.
De fato, a tradução já existe. Ela foi pensada por nossa amiga Therèse, que mora em Beirute.

O encontro com o Meeting
É tempo de retomá-la para preparar a publicação. Seenà Fadil, doutora iraquiana há anos na Itália, Camille Eid, jornalista e escritora libanesa residente em Milão, e Shoby Makhoul, árabe-israelense residente em Jerusalém, põem-se a trabalhar. Entre julho de 2004 e janeiro de 2006, encontram-se durante vários fins-de-semana de trabalho e, finalmente, o texto, impresso na tipografia do Patriarcado Latino de Jerusalém, fica pronto a tempo para o Meeting. A guerra impediu a impressão em Beirute, como havia sido prevista inicialmente. Mas a Providência não se deixou determinar pela violência dos homens.
Junto com Wa’il chega a Rímini seu amigo jornalista Said Shoaib: dirige um jornal cujo nome em árabe significa “Liberdade”. Ambos, diante de uma platéia tão atenta quanto curiosa, fornecem uma contribuição decisiva para o encontro, hoje tão urgente e dramático, entre as tradições cristã e islâmica.
Wa’il relê algumas palavras decisivas usadas por Giussani, como “realismo” e “razoabilidade” e nos damos conta que está se abrindo verdadeiramente um trabalho ao mesmo tempo novo, fascinante e exigente: aprender o verdadeiro significado das palavras para que a realidade revele o Mistério que a habita. De fato, observa Farouk, hoje o pensamento árabe é atravessado por um conflito entre razão e Mistério e a luta entre tradicionalistas e defensores da modernidade do pensamento ocidental, particularmente o francês, parece insanável.

Um homem de vida
A proposta de Giussani é de particular interesse porque abre novos horizontes ao pensamento árabe e oferece uma outra face da cultura européia. De fato, abre-se a estrada para o conhecimento adequado da tradição cristã, liberada do fardo opressor do preconceito de cunho iluminista. Finalmente se pode começar a falar de amizade entre a razão, a realidade e o Mistério, mesmo porque a experiência de uma verdadeira amizade entre os homens se tornou lugar de maravilhado conhecimento.
Said Shoaib o confirma: “Fiquei surpreso com este livro: vi que apresenta um novo rosto da Europa. É um convite a refletir e um convite à liberdade, a recuperar e a recobrar aquilo que você recebeu de seus pais”.
O mérito do livro de Dom Giussani, sublinha Said, é, entre outros, o de não apresentar uma ideologia fechada ou uma imagem fechada da religião. No Egito, a fé tende, em grande medida, a fechar-se em si mesma: quem se afasta desse modelo torna-se um apóstata. Este livro não apresenta a experiência religiosa como alternativa à vida, mas como um incentivo à vida para conhecer melhor a si mesmo e à realidade. Tudo isto, tem a sublinhar o jornalista, não contradiz as minhas convicções de muçulmano. Lendo o livro, Said descobriu que Giussani não é um homem de religião, mas um “homem de vida”.
O encerramento do encontro fica por conta de padre Stefano Alberto (padre Pino; nde), docente de Introdução à Teologia junto à Universidade Católica do Sagrado Coração, em Milão. A sua colocação se propõe como um juízo que, a partir do acontecimento da tradução, toma a forma de reconhecimento do desafio do gesto e da proposta do método para encará-lo.
Segundo padre Pino, “a tradução do livro de Dom Giussani não é pensada apenas para nossos irmãos de fé, mas também para o mundo muçulmano, ainda que não devamos omitir que a situação é muito delicada”.

Uma pegada no deserto
O fanatismo, mesmo religioso, não nasce da religiosidade, ainda que alguém se obstine a fazer crer o contrário. O fanático fundamentalista é sempre um homem que vive a fratura com a própria tradição e que, portanto, se nutre de ressentimento até o ódio por si mesmo. “Nós amamos a morte mais do que vocês amam a vida”: a inesquecível mensagem dos terroristas islâmicos, depois do atentado de Madri de dois anos atrás. A violência é sempre filha da idolatria, isto é, um relacionamento falso com o Mistério. A autêntica religiosidade sempre abre ao amoroso e curioso conhecimento da realidade.
De resto, a insistência de Giussani sobre a experiência elementar, isto é, o “coração” que se encontra em todos os homens, representa uma grande novidade que alguns ainda olham com suspeita no mundo cristão, como há 50 anos, no início da aventura do Movimento Comunhão e Libertação.
Padre Pino esclarece: “Não se trata de um acordo genérico sobre valores genéricos, mas de ir ao coração do seu rosto interior”. Isto é com certeza incômodo: para nós cristãos e para os muçulmanos porque é incômodo para o homem. De qualquer modo, não há outro caminho: é o caminho “árduo e fascinante”, portanto possível, indicado no ano passado por Bento XVI, em Colônia, falando aos representantes da comunidade muçulmana.
A capa da edição árabe de "O Senso Religioso" foi ilustrada com uma imagem do pintor William Congdon: o deserto marcado por uma pegada. Um passo: um, o primeiro de tantos que o seguiram. Esta certeza nasce da beleza do acontecimento de hoje: a confirmação de que homens certos e amantes da Verdade, no milagre do encontro, se tornam amigos para o Destino e, por isso, sinal de esperança e de paz para todos.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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