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Passos N.73, Junho 2006

CULTURA - DAN BROWN | O CÓDIGO DA VINCI

A verdade em torno daquela mesa

por Giuseppe Frangi

Contra todas as falsidades a respeito do quadro sobre a Última Ceia contadas no livro de Dan Brown, prevalecem as anotações do próprio Leonardo da Vinci a respeito do afresco. Nada de Madalena e gargantas cortadas...

João, capítulo 13, versículo 24. Um versículo que é como um fotograma; é o fotograma exato da Última Ceia de Leonardo da Vinci. A fidelidade do grande artista à dinâmica daquele instante é impressionante. Da Vinci foi explícito a respeito das suas intenções desde os primeiros estudos, como o demonstram as extraordinárias anotações contidas no Codige Forster II, hoje conservado no Victoria and Albert Museum, de Londres.
Mas acompanhemos o relato de João: Jesus, sentado à mesa, pouco antes havia feito o anúncio que deve ter congelado o sangue dos comensais: “Em verdade, em verdade vos digo, um de vós me trairá”. As palavra caem como uma bomba, provocando grande agitação entre os Apóstolos. Muitos deles devem ter saltado das cadeiras. Olhares incrédulos e turvados pela suspeita percorrem a mesa. “Os discípulos olham uns para os outros, pois não sabiam de quem ele falava”, escreve João.
Da Vinci retrata, como se fosse um cronista, esse instante, fazendo uma tomada de conjunto de toda a mesa. Ele escreve nas suas anotações: “Um deles bebe e deixa a bolsa na mesa, voltando o olhar para o orador. Outro aperta os dedos e com o rosto contraído olha para o colega... Um outro fala no ouvido do companheiro, e este se dobra para ele e lhe estende os ouvidos, mantendo na mão uma faca... Um outro, ao se virar... segura a bolsa nos ombros. O outro apóia a mão sobre a mesa e observa. Outro assopra a comida. Outro se inclina para frente para ver o orador... O que está ao lado se inclina para trás e enxerga o orador entre a parede e o inclinado”.

Pedro e João
Da Vinci, enfim, pesquisa e faz aproximações, como que tentando completar o relato de João. “Um dos discípulos, aquele que Jesus amava, estava ao lado de Jesus”, escreve o evangelista, que se lembra bem desse detalhe, pois estava falando de si próprio.
Leonardo tenta imaginar: entre os Apóstolos, nenhum deles sabe como se dirigir a Jesus, nenhum sabe como arrancar dele o segredo daquelas terríveis palavras. Nem Tomé, que com o dedo estendido (aquele que, depois da Ressurreição, usará para “tocar” o corpo do Senhor) parece implorar um pouco de clareza. Nem Tiago, que com o braço esticado parece paralisado em seu medo. Nem Filipe, que um pouco amedrontado põe as mãos no peito, como que dizendo que ele não tem nada com isso.
Só Pedro, o mais prático e o mais esperto, sabe o que deve ser feito para sair daquela angustiosa situação. Assim, puxa João para perto de si: sabe que ele é o único entre os Apóstolos que pode saber, que pode decifrar o coração de Jesus, pois é o Apóstolo mais amado pelo Senhor. Da Vinci capta exatamente esse instante, respeitando de modo admirável a psicologia dos personagens. Pedro puxa João para perto e sussurra alguma coisa no seu ouvido. E se o afresco fosse um filme, na seqüência veríamos a cena célebre de João inclinando a cabeça no peito de Jesus.

Uma ordem precisa
Pedro segura, com a outra mão, uma faca. É um Pedro lúcido e fogoso, disposto a tudo para defender Jesus, como o demonstraria algumas horas depois, no jardim das oliveiras, quando com um espada ameaça cortar a orelha de Malco, um dos soldados enviados para prender o Senhor.
O terremoto que Jesus desencadeou com aquela notícia já produziu, porém, uma conseqüência precisa: Judas parece excluído do grupo dos Apóstolos, está implacavelmente só, segurando com uma das mãos a maldita sacola de dinheiro. Está presente, mas é como se já estivesse distante, irremediavelmente estranho ao grupo, inimigo. Essa é a Última Ceia de Leonardo da Vinci. O resto é ficção, fantasia.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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