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Passos N.73, Junho 2006

DOCUMENTO - MOVIMENTOS | ENCONTRO COM BENTO XVI

Pentecostes: Jesus vem a nós e nos atrai para si

Alguns trechos da homilia de Bento XVI durante o encontro com os Movimentos Eclesiais e as Novas Comunidades. Praça São Pedro, sábado 3 de junho de 2006

Caros irmãos e irmãs, realmente, vocês vieram em grande número esta noite à Praça São Pedro para participar da Vigília de Pentecostes. Agradeço-vos de coração. Pertencentes a diversos povos e culturas, vocês, aqui, representam todos os membros dos Movimentos Eclesiais e das Novas Comunidades, espiritualmente reunidos em torno do sucessor de Pedro para proclamar a alegria de acreditar em Jesus Cristo e renovar o empenho de ser-lhe fiéis discípulos neste nosso tempo. Agradeço pela vossa participação e, a cada um, envio minhas cordiais saudações. (...).Volta com comoção à nossa memória o encontro análogo que teve lugar nesta mesma Praça no dia 30 de maio de 1998, com o amado Papa João Paulo II. Grande evangelizador da nossa época, ele vos acompanhou e guiou durante todo o seu Pontificado; muitas vezes ele definiu como “providenciais” as vossas associações e comunidades, sobretudo porque o Espírito Santificador se serve delas para despertar a fé nos corações de muitos cristãos fazendo-os descobrir a vocação recebida com o Batismo e ajudando-os a ser testemunhas de esperança, cheios do fogo de amor que é dom específico do Espírito Santo.
Agora, nesta Vigília de Pentecostes, nos perguntamos: Quem ou o quê é o Espírito Santo? Como podemos reconhecê-lo? De que modo nós vamos a Ele e Ele, a nós? O que realiza? Uma primeira resposta nos dá o grande hino pentecostal da Igreja, com o qual iniciamos as Vésperas: “Vinde, Espírito Criador...”.
O hino acena aos primeiros versículos da Bíblia que expressam, recorrendo a imagens, a criação do universo. Lá diz-se que sobre o caos, sobre as águas do abismo, pairava o Espírito de Deus. O mundo no qual vivemos é obra do Espírito Criador. Pentecostes não representa somente a origem da Igreja (...); Pentecostes também é uma festa da criação. O mundo não existe a partir de si; provém do Espírito Criador de Deus, da Palavra criadora de Deus. E, por isso, também exprime a sabedoria de Deus (...). Aqueles que, como cristãos,
crêem no Espírito Criador, tomam consciência do fato de que não podemos usar e abusar do mundo e da matéria como se fossem simples materiais do nosso fazer e querer e que devemos considerar a criação como um dom oferecido a nós não para a destruição, mas para que se torne o jardim de Deus e, assim, jardim do homem. Diante das múltiplas formas de abuso da terra que vemos hoje, quase ouvimos o gemido da criação da qual fala São Paulo (Rm 8, 22); começamos a compreender as palavras do Apóstolo que diz que a criação espera com impaciência a revelação dos filhos de Deus para ser libertada e alcançar o seu esplendor.
Caros amigos, nós queremos ser estes filhos de Deus que a criação espera, e podemos sê-lo, porque no Batismo o Senhor nos fez tais. Sim, a criação e a história – elas nos esperam, esperam homens e mulheres que realmente sejam filhos de Deus e se comportem como tais. Se olharmos a história, veremos como em volta dos mosteiros a criação pôde prosperar e como, com o despertar do Espírito de Deus nos corações dos homens, o fulgor do Espírito de Deus voltou-se também sobre a terra – um esplendor que por causa da barbárie do desejo humano de poder obscureceu-se e, por vezes, foi quase destruído (...) –. Encontramos, assim, uma primeira resposta à pergunta sobre o que seria o Espírito Santo, o que ele realiza e como podemos reconhecê-lo. Ele nos vem ao encontro por meio da
criação e da sua beleza. Todavia, a criação boa de Deus, no curso da história dos homens tem sido recoberta por uma camada maciça de sujeira que torna, se não impossível, pelo menos difícil reconhecer nela o reflexo do Criador – embora, diante de um crepúsculo no mar, diante das montanhas ou de uma flor revele-se em nós, sempre novamente, quase espontaneamente, a consciência da Sua existência.

Acontecimento de amor
Mas o Espírito Criador nos vem em socorro. Ele entrou na história e, assim, nos fala de um modo novo. Em Jesus Cristo, o próprio Deus se fez homem e nos concedeu, por assim dizer, lançar um olhar na Sua própria intimidade. E, ali, vemos algo completamente inesperado: em Deus existe um Eu e um Tu. O Deus misterioso não é uma infinita solidão, Ele é um acontecimento de amor. Se ao olharmos a criação pensamos poder entrever o Espírito Criador, o próprio Deus, quase como matemática criativa, como poder que plasma as leis do mundo e sua ordem manifestando-se também como beleza – nesse momento, descobrimos: o Espírito Criador tem um coração. Ele é Amor. Existe o Filho que fala com o Pai. E ambos são uma só coisa no Espírito que é, por assim dizer, a atmosfera do doar e do amar que faz deles um único Deus. Esta unidade de amor, que é Deus, é uma unidade muito mais sublime do que poderia ser a unidade de uma partícula indivisível. Exatamente o Deus trino é o Deus único.
Por meio de Jesus lançamos, por assim dizer, um olhar na intimidade de Deus. “Ninguém jamais viu a Deus: o Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou” (Jo 1, 18) (...). Mas Jesus não se satisfaz apenas em vir ao nosso encontro. Ele quer mais. Quer unificação. Nós não devemos apenas saber algo sobre Ele, mas mediante Ele mesmo, devemos ser atraídos a Deus. Por isso, Ele precisou morrer e ressuscitar. Porque agora não se encontra mais em um determinado lugar, mas o seu Espírito, o Espírito Santo, emana dEle e entra em nossos corações unindo-nos, assim, com o próprio Jesus e com o Pai – com o Deus Uno e Trino.
Pentecostes é isto: Jesus e, mediante Ele, o próprio Deus, vem a nós e nos atrai a si. “Ele envia o Espírito Santo”. Qual é o efeito disso sobre nós? (...). Vida e liberdade – são as coisas que todos nós desejamos. Mas o que é isto – onde e como encontramos a “vida”? Eu penso que, espontaneamente, a grande maioria dos homens tem o mesmo conceito de vida que tinha o Filho Pródigo do Evangelho. Ele gastou a sua parte do patrimônio e, então, se sentia livre, queria finalmente viver sem ter o peso dos deveres de casa, queria apenas viver (...) No fim, viu-se cuidando de porcos e invejando-os – de tão vazia que sua vida tornara-se. E vã revelava-se também a sua liberdade. Isso, por acaso, não acontece ainda hoje? Quando se quer da vida apenas a posse, ela se torna cada vez mais vazia, mais pobre; facilmente acaba-se por refugiar-se nas drogas, na grande ilusão. E emerge a dúvida se viver, no final das contas, é um bem (...). Só é possível encontrar a vida doando-a; não é possível encontrá-la desejando possuí-la. É isso que devemos aprender com Cristo; e isso nos ensina o Espírito Santo, que é puro dom, que é o doar-se de Deus. Quanto mais alguém dá a sua vida pelos outros, pelo próprio bem, mais abundantemente flui o rio da vida. Em segundo lugar, (...) encontramos a vida na comunhão com Aquele que é a vida em pessoa – na comunhão com o Deus vivente, uma comunhão na qual o Espírito Santo nos introduz. O pasto, onde jorram as fontes da vida, é a Palavra de Deus como a encontramos nas Escrituras, na fé da Igreja. O alimento é o próprio Deus que, na comunhão da fé, aprendemos a conhecer mediante a potência do Espírito Santo. Caros amigos, os Movimentos nasceram exatamente da sede da vida verdadeira (...). Se quisermos proteger a vida devemos encontrar a sua fonte; então, a própria vida deve emergir em toda a sua beleza e sublimidade (...).

Liberdade de filhos
O tema da liberdade já foi citado há pouco. Na partida do Filho Pródigo se reúnem exatamente os temas da vida e da liberdade. Ele quer a vida e, por isso, quer ser totalmente livre. Ser livre significa, nesta visão, poder fazer tudo aquilo que se quer; não ter que aceitar nenhum critério que esteja fora ou acima de si (...). A conseqüência inevitável deste conceito egoísta de liberdade é a violência, a destruição mútua da liberdade e da vida. A Sagrada Escritura, ao contrário, associa o conceito de liberdade com o da filiação: “Porquanto não recebestes um espírito de escravidão, para viverdes ainda no temor, mas recebestes um espírito de adoção pelo qual clamamos: Aba, Pai!” (Rm 8, 15) (...). A verdadeira liberdade se demonstra na responsabilidade por um modo de agir que assume sobre si a co-responsabilidade pelo mundo, por si mesmo e pelos outros. Livre é o filho, a quem pertence a coisa e que, por isso, não permite que seja destruída (...). Nós fazemos o bem não como escravos que não são livres para fazer de outro modo, mas o fazemos porque carregamos pessoalmente a responsabilidade pelo mundo; porque amamos a verdade e o bem, porque amamos o próprio Deus e, por isso, também as suas criaturas. Esta é a liberdade verdadeira, à qual o Espírito Santo quer nos conduzir. Os Movimentos eclesiais querem e devem ser escolas de liberdade, desta liberdade verdadeira. (...) [E devem] demonstrar aos outros, com a vida, que somos livres e como é bonito ser verdadeiramente livres na liberdade dos filhos de Deus. O Espírito Santo, dando vida e liberdade, também doa unidade. São três dons, estes, inseparáveis entre si. (...)

Variedade de formas e unidade
Na Carta aos Efésios, São Paulo nos diz que este Corpo de Cristo, que é a Igreja, possui conexões e também as cita: são Apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e doutores (cf. 4, 12). O Espírito, nos seus dons, é multiforme. Se olharmos a história, se olhamos esta assembléia aqui na Praça São Pedro, percebemos como Ele suscita sempre novos dons; quão diversos são os órgãos que Ele cria e como, sempre de novo, opera corporalmente. Mas, nEle, multiplicidade e unidade caminham juntas. Ele sopra onde quer. E o faz de modo inesperado, em lugares inesperados e de formas antes inimagináveis. (...) Ele quer a vossa multiformidade, e nos quer para o único corpo, na união com as ordens duráveis – as conexões – da Igreja, com os sucessores dos Apóstolos e com o sucessor de São Pedro. Não nos tira a fadiga de aprender o modo de nos relacionarmos mutuamente, mas nos demonstra, ainda, que Ele opera em vista do único corpo e na unidade do único corpo. Vocês participam da edificação do único corpo! Os pastores estarão atentos em não extinguir o Espírito (cf. 1 Ts 5, 19) e vocês não cessarão de levar os vossos dons a toda comunidade (...).
O Espírito Santo quer a unidade, quer a totalidade. Por isso, a sua presença demonstra-se, finalmente, também no ímpeto missionário. Quem encontrou algo verdadeiro, belo e bom para a própria vida – o único tesouro verdadeiro, a pérola preciosa! –, corre para compartilhá-lo em todos os lugares, na família e no trabalho, em todos os âmbitos da própria existência. E o faz sem nenhum medo, porque sabe que recebeu a adoção de filho; sem nenhuma presunção, porque tudo é dom; sem desânimo, porque o Espírito de Deus precede a sua ação no “coração” dos homens como semente nas mais diversas culturas e religiões. E o faz sem confins, porque é portador de uma boa notícia que é para todos os homens, para todos os povos. Caros amigos, peço-vos que sejam, ainda mais, muito mais, colaboradores do ministério apostólico universal do Papa, abrindo as portas a Cristo. Este é o maior serviço da Igreja aos homens e, de modo todo particular, aos pobres, para que a vida da pessoa, uma ordem mais justa na so-ciedade e a convivência pacífica entre as nações encontrem em Cristo a “pedra angular” sobre a qual é possível construir a autêntica civilidade, a civilidade do amor. O Espírito Santo dá aos crentes uma visão superior do mundo, da vida, da história e faz deles guardiões da esperança que não decepciona nunca.
Peçamos, então, a Deus Pai, por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo, na graça do Espírito Santo, para que a celebração da solenidade de Pentecostes seja como fogo ardente e vento impetuoso para a vida cristã e para a missão de toda a Igreja. Coloco a intenção de vossos Movimentos e Comunidades no coração da Santíssima Virgem Maria, presente no Cenáculo junto aos Apóstolos; que Ele nos impetre a concreta atuação. Sobre todos invoco a efusão dos dons do Espírito para que também neste nosso tempo possa haver a esperança de um renovado Pentecostes. Amém!

© Copyright 2006 - Libreria Editrice Vaticana

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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