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Passos N.71, Abril 2006

IGREJA

Tu és Pedro

por Massimo Camisasca

O longo pontificado de João Paulo II
e o novo início de Bento XVI.
Ambos apaixonados por Cristo,
centro do cosmo e da história


A transição entre um Papa e outro é sempre um
momento significativo dentro da história da
Igreja. Por alguns dias, ela é como que invadida
pela onda do pontificado precedente e não se sabe
quem e como dará continuidade a ele.
Penso nas primeiras horas após a morte de João
Paulo I. Mais do que a dramaticidade daquele desfecho,
depois de um pontificado tão curto, a pergunta
que me fazia era: quem poderá substituí-lo? Aqueles
dias, mesmo na sua brevidade, apontaram, de fato, para
uma enorme novidade.
Os longos anos do pontificado de Paulo VI tinham
apenas terminado, ele que fora um grande defensor da
fé em dias terríveis e dramáticos, encerrados com os
funerais de Aldo Moro diante de um caixão vazio, sem
os restos do estadista que tinha sido presidente da Federação
Universitária dos Católicos Italianos (FUCI).
O mês do pontificado de João Paulo I foi marcado pelo
abandono da suntuosidade e pelo desaparecimento da
cadeira gestatória, dando lugar ao frescor e à alegria de
suas conversas e de seu sorriso. Tudo levava a crer que
estava começando uma nova era, também e, sobretudo,
pelo seu jeito de ser, tão apegado à substância do cristianismo
e livre de qualquer formalismo, o que fica claro
nessa sua frase: “O verdadeiro drama da Igreja, que deseja
modernizar-se, é a tendência em substituir a maravilha
do acontecimento de Cristo pelas regras”.

Longo pontificado
Pois bem, depois dele, foi eleito João Paulo II, que
teve um longo pontificado. Aliás, entre os mais extensos
da história. Um pontificado que, nos próximos decênios,
continuará sendo avaliado e lido.
Do ponto de vista externo, nele, tudo foi inédito: primeiro,
o número de viagens feitas à maioria dos países
do mundo, mesmo àqueles onde as portas pareciam fechadas
pela ditadura de direita ou de esquerda (podemos
pensar no encontro com Pinochet, no Chile, ou
com Fidel Castro, em Cuba). Depois, surpreendem o
número de discursos proferidos, de audiências realizadas,
de presenças registradas, e a sua exposição na mídia,
que fez de João Paulo II o homem provavelmente
mais visto em todas as televisões do mundo.
Sem comparação com outros pontificados, de acordo
com seus biógrafos, a quantidade de encíclicas, cartas,
mensagens e documentos pós-sinodais que escreveu
ocupam um número de páginas quase similar a
dos documentos escritos por todos os Papas que o
precederam. No entanto, a grandeza de João Paulo II
não provém de nenhum desses elementos. Há um coração
secreto que está na origem de sua paixão, do seu
agir e do seu falar, um coração secreto que se manifestou
profundamente nos anos da doença, anos que
são uma chave fundamental para compreender todo o
resto de sua vida: o amor à Igreja. Desde a primeira
página da encíclica Redemptor hominis, fica claro que
João Paulo II sente pesar sobre si a tarefa de conduzir
a Igreja para além do ano 2000: é como uma grande
metáfora para indicar a necessidade de levar a Igreja
ao encontro dos homens. Este coração secreto o impeliu
aos gestos mais clamorosos do seu pontificado:
a aprovação e a aliança com os Movimentos Eclesiais,
os pedidos de perdão pelos erros e as culpas dos cristãos
dos séculos passados, os encontros de oração com
os expoentes de outras religiões mundiais. Para João
Paulo II, estas iniciativas foram a expressão de uma
única e grande trajetória que, partindo da pessoa humana
e do seu encontro com Aquele que ele definiu
como o centro do cosmo e da história, desejava delinear
o lugar da Igreja como coração do mundo.

As batalhas do Papa Wojtyla
A longa colaboração, por mais de 20 anos, entre o
Cardeal Ratzinger, prefeito da Congregação pela Doutrina
da Fé, e João Paulo II foi uma remota preparação
à sua sucessão. Os documentos mais significativos de
Ratzinger, durante aqueles anos, defenderam as “batalhas”
do Papa Wojtyla. Penso nos documentos esclarecedores
sobre a Teologia da Libertação, sobre a unicidade
de Jesus como Salvador, até a defesa do celibato
e da vida embrionária. Mas é, sobretudo, no longo
trabalho para realizar o projeto do novo Catecismo,
proposto pelo Sínodo dos Bispos, que se percebe aquilo
que começa a aparecer como o tema de continuidade
entre os dois pontificados.
Papa Ratzinger – Bento XVI – viu-se (certamente
contra a sua vontade e provavelmente também contra
sua previsão) tendo que assumir uma herança que faria
qualquer um tremer e que obriga o sucessor de
Pedro a ir até a raiz da sua missão, a cada instante de
seu dia, evitando qualquer comparação superficial com
seus predecessores. A comparação, de fato, para um
Papa, é sempre e somente possível com Aquele que
lhe diz: “Tu és Pedro”.
Bento XVI escolheu, rápida e compreensivelmente,
um sinal novo que, mostrando a sua inevitável diferença
de João Paulo II, também abre o caminho para
compreender a continuidade. Não quis empenhar-se
em uma série tão densa de viagens, mas, ao mesmo tempo, não quis interromper a tradição inaugurada por
Paulo VI. Surgiram, então, as grandes ocasiões que o
levaram a Bari (Itália), para o Congresso Eucarístico e
a Colônia (Alemanha), para a Jornada Mundial da Juventude
e o veremos em breve na Polônia e em outros
países. Como Paulo VI, ele escolheu ligar suas viagens
a acontecimentos emblemáticos da vida da Igreja. Bento
XVI também quis reduzir o número de audiências.
Certamente não deixa de proferir seus discursos, e eles
são sempre um acontecimento.

Homem de pensamento
Nos textos que escreve, pode-se entrever a preciosidade
específica do seu pensamento. Bento XVI leva, na liderança
da Igreja, assim como já fazia na liderança da
Congregação pela Fé, a sua experiência de professor e de
grande homem do pensamento. Sente a necessidade de
ler, de documentar-se, de refletir, e isso atribui um peso
particular a cada colocação sua. Ele sabe conjugar de um
modo absolutamente singular a simplicidade com a profundidade.
Em cada texto seu percebe-se o grande desejo
de expressar o coração do cristianismo, aquele centro
essencial e indestrutível no qual o Mistério se dirige ao
homem: foi assim na sua primeira encíclica, assim no
magistério em Colônia e assim esperamos que seja nos muitos discursos que virão como, por exemplo, aqueles
que pronunciará no início de junho aos Movimentos e
Comunidades Eclesiais que se reunirão em Roma. Há
nele um desejo de revelar ao homem o centro libertador
da fé, aquela promessa que faz do cristianismo não um
peso, uma prisão ou simplesmente um olhar voltado para
o além, mas uma experiência possível já, neste tempo: a
experiência do abraço misericordioso de Cristo e da sua
salvação para o homem como um todo.

Idêntica Autoridade
“Inicialmente, a vontade de Deus pode parecer um
peso quase insuportável, um jugo que não é possível
carregar; mas, na realidade, a vontade de Deus nos dá
asas para voar alto”, disse Bento XVI durante um dos
seus primeiros discursos.
Tanto quanto o pontificado de João Paulo II foi impressionante
pela extensão, o de Bento XVI impressiona
pela concentração, como um processo de sístole
e diástole que a Igreja vive nesta passagem de
milênio e que mostra, exatamente, a sua continuidade
por meio da diferente expressão da única idêntica
Autoridade. Certamente, este é um dos aspectos surpreendentes
e, para quem acredita, milagrosos da vida
do corpo de Cristo na história.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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