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Passos N.71, Abril 2006

DOCUMENTO - BENTO XVI

Igreja, presença de Cristo entre os homens

por Bento XVI

Publicamos a intervenção de Bento XVI na audiência geral de quarta-feira, dedicada a começar um novo ciclo de catequeses sobre a relação entre Cristo e a Igreja. Vaticano, 15 de março de 2006

Queridos irmãos e irmãs, depois das catequeses sobre os salmos e os cânticos das Laudes e Vésperas, quero dedicar os próximos encontros de quarta-feira ao mistério da relação entre Cristo e a Igreja, considerando-o a partir da experiência dos Apóstolos, à luz da tarefa a eles confiada.
A Igreja foi constituída sobre o fundamento dos Apóstolos como comunidade de fé, de esperança e de caridade. Por meio dos Apóstolos, remontamo-nos ao próprio Jesus. A Igreja começou a constituir-se quando alguns pescadores da Galiléia encontraram Jesus, deixaram-se conquistar por seu olhar e, por sua voz, por seu convite cálido e forte: “Vinde comigo e vos farei pescadores de homens” (Mc 1, 17; Mt 4, 19). Meu querido predecessor, João Paulo II, propôs à Igreja, ao início do terceiro milênio, contemplar o rosto de Cristo (Cf. Novo millennio ineunte, 16 ss). Movendo-me para essa direção, nas catequeses que hoje começo, quero mostrar precisamente que a luz desse Rosto se reflete no rosto da Igreja (Cf. Lumen gentium, 1), apesar dos limites e das sombras de nossa humanidade frágil e pecadora. Depois de Maria, reflexo puro da luz de Cristo, os Apóstolos, com suas palavras e testemunhos, entregam-nos a verdade de Cristo. A missão deles não está isolada, marca-se dentro de um mistério de comunhão que envolve todo o Povo de Deus e se realiza por etapas, da antiga à nova Aliança.
Neste sentido, pode-se dizer que se transforma totalmente a mensagem de Jesus se ela é separada do contexto da fé e da esperança do povo eleito: como o Batista, seu imediato precursor, Jesus dirige-se antes de tudo a Israel (Cf. Mt 15, 24), para “reuni-lo” no tempo escatológico que com ele chegou. E como sucedeu com a de João, a pregação de Jesus é, ao mesmo tempo, um chamado de graça e um sinal de contradição e de julgamento para todo o povo de Deus. Portanto, desde o primeiro momento de sua atividade salvadora, Jesus de Nazaré tende a reunir, a purificar o Povo de Deus. Ainda que sua pregação seja sempre um chamado à conversão pessoal, na realidade tende continuamente a constituir o Povo de Deus que veio a reunir e a salvar. Por este motivo, é unilateral e carece de fundamento a interpretação individualista proposta pela teologia liberal do anúncio feito por Cristo do Reino. Foi resumida, no ano 1900, pelo grande teólogo liberal Adolf von Harnack em suas conferências sobre A essência do cristianismo: “O reino de Deus chega na medida em que chega a homens concretos, encontra acesso em sua alma e estes o acolhem. O reino de Deus é o senhorio de Deus, ou seja, o senhorio do Deus santo nos diferentes corações” (Terceira Conferência, 100s). Na realidade, esse individualismo da teologia liberal é acentuado particularmente na modernidade: na perspectiva da tradição bíblica e no horizonte do judaísmo – no qual a obra de Jesus situa-se, apesar de toda sua novidade –, fica claro que toda a missão do Filho feito carne tem uma finalidade comunitária: veio precisamente para unir a humanidade dispersa, veio para reunir o Povo de Deus.
Um sinal evidente da intenção do Nazareno de reunir a comunidade da Aliança para manifestar nela a realização das promessas feitas aos Padres da Igreja, que sempre falam de convocação, de unificação, de unidade, é a instituição dos Doze. Escutamos o Evangelho da instituição dos Doze. Volto a ler agora a passagem central: “Subiu ao monte e chamou os que ele quis; e foram até ele. Instituiu Doze, para que estivessem com ele, e para enviá-los a pregar com poder de expulsar os demônios. Instituiu os Doze...” (Mc 3, 13-16; Cf. Mt 10, 1-4; Lc 6, 12-16). No lugar da revelação, o “monte”, Jesus com uma iniciativa que manifesta absoluta consciência e determinação, constitui os Doze para que sejam com Ele testemunhos e arautos da chegada do Reino de Deus. Não há dúvidas sobre o caráter histórico deste chamado, não só por motivo da antiguidade e multiplicidade de testemunhos, mas também pelo simples motivo de que aparece o nome de Judas, o Apóstolo traidor, apesar das dificuldades que esta presença podia implicar para a comunidade nascente. O número Doze, que evidentemente faz referência às doze tribos de Israel, revela o significado de ação profético-simbólica implícito na nova iniciativa de voltar a fundar o povo santo. Após o ocaso do sistema das doze tribos, Israel tinha esperança na reconstituição como sinal da chegada do tempo escatológico (pode-se ler a conclusão do livro de Ezequiel: 37, 15-19; 39, 23-29; 40-48). Elegendo os Doze, e introduzindo-os em uma comunhão de vida com ele e fazendo-os partícipes de sua própria missão de anúncio do Reino, com palavras e obras (Cf. Mc 6, 7-13; Mt 10, 5-8; Lc 9, 1-6; Lc 6, 13), Jesus quer dizer que chegou o tempo definitivo no qual reconstitui o povo de Deus, o povo das doze tribos, que se converte agora em um povo universal, sua Igreja.

Com sua própria existência, os Doze – chamados de origens diferentes – convertem-se em um chamado para todo Israel a converter-se e a deixar-se reunir na nova Aliança, cumprimento pleno e perfeito da antiga. Ao ter-lhes confiado a tarefa de celebrar seu memorial na Ceia, antes da Paixão, Jesus mostra que queria transferir a toda a comunidade, na pessoa de seus líderes, o mandato de ser, na história, sinal e instrumento da reunião escatológica começada por Ele. Em certo sentido, podemos dizer que, precisamente, a Última Ceia é o ato de fundação da Igreja, pois se entrega a si mesmo e cria, deste modo, uma nova comunidade, uma comunidade unida na comunhão com Ele mesmo. Desde essa perspectiva, compreende-se que o Ressuscitado lhes confere – com a efusão do Espírito – o poder de perdoar os pecados (Cf. Jo 20, 23). Os doze apóstolos são, deste modo, o sinal mais evidente da vontade de Jesus sobre a existência e a missão de sua Igreja, a garantia de que entre Cristo e a Igreja não há contraposição: são inseparáveis, apesar dos pecados dos homens que compõem a Igreja. E, portanto, não pode conciliar-se com as intenções de Cristo um slogan que há alguns anos estava na moda: “Jesus sim, Igreja não”. O Jesus individualista é um Jesus fantasia. Não podemos encontrar Jesus sem a realidade que Ele criou e na qual se comunica. Entre o Filho de Deus feito carne e sua Igreja, dá-se uma continuidade profunda, inseparável e misteriosa, em virtude da qual, Cristo faz-se presente hoje em seu povo. Sempre é nosso contemporâneo, contemporâneo na Igreja, construída sobre o fundamento dos Apóstolos, está vivo na sucessão dos Apóstolos. E essa presença Sua na comunidade, na qual Ele sempre se nos dá, é o motivo de nossa alegria. Sim, Cristo está conosco, o Reino de Deus vem.


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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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