Dia 11 de novembro, por ocasião da apresentação de Educar é um Risco, em Sesto San Giovanni (Itália), no final do encontro padre Ambrogio Pisoni, um dos relatores, foi parado por um senhor que lhe disse: “Eu sou Pavesi, aquele que alçou a mão no primeiro dia de aula no Colégio Berchet”. Desde então ocorreram novos encontros a ponto de Claudio Pavesi aceitar contar alguma coisa do seu relacionamento com Dom Giussani
Conheci padre Ambrogio por ocasião de uma conferência que realizou sobre Dom Giussani. Compareci porque Dom Giussani foi, por vários anos, o meu professor de religião. Ao apresentar Educar é um Risco, padre Ambrogio abriu o livro e leu justamente o episódio em que Dom Giussani fala de mim: logo que entrou na classe, para o primeiro dia de aula, Giussani viu-se diante daquele Pavesi que já estava com a mão levantada, colocando-lhe de cara uma questão sobre fé e religião, polêmica de certo modo preparada pelo professor de Filosofia, Miccinesi.
Mas, apesar desse primeiro impacto, para ser sincero devo dizer que ele era tão envolvente, tão seguro da sua fé e daquilo que ensinava, que às vezes, só para embaraçá-lo (embaraço relativo, porque era impossível colocar Dom Giussani em apuros!), eu me informava antes sobre o tema da aula e procurava documentar-me (minha mãe era protestante) para poder contestá-lo. Apesar disso, eu sempre ficava com a sensação de que as minhas armas frente a ele eram totalmente inadequadas, porque Dom Giussani tinha uma força e uma capacidade de envolver as pessoas tão grande que certas coisas acabavam se voltando contra mim mesmo.
Dom Giussani era muito envolvente, independentemente do ponto de vista da sua fé, daquilo que ensinava, daquilo que sentia dentro de si, sobretudo de um ponto de vista humano. Sua simplicidade era encantadora. De fato, enquanto vários colegas de classe que, sendo de outra religião, eram dispensados da aula, e saíam ou aproveitavam a hora de religião para fazer outras coisas ou para brincar, havia um grupo que seguia com extremo interesse aquilo que ele dizia, inclusive procurando argumentos para aprofundar o assunto ou para abrir um debate. De um ponto de vista meramente humano, ele era muito simpático, de tal modo que com freqüência nós, garotos de 15 e 16 anos, sem carro, pegávamos nossas bicicletas e íamos até Desio, onde ele morava com a sua mãe.
Quando terminei a faculdade, voltei a me encontrar com Dom Giussani. Eu tinha 23 anos de idade e tinha resolvido casar. Minha noiva era católica praticante, eu não tinha nada contra a religião, mas por respeito a ela e por causa dos ensinamentos recebidos de Dom Giussani, não queria me casar na igreja só para fazer bonito, para cumprir uma coisa meramente formal. Eu não tinha resolvido, ainda, algumas questões intelectuais e me definia como agnóstico. Resolvi então procurar Dom Giussani. Fui ate a sede na rua Statuto, onde então se reuniam os colegiais. Eu me lembro de que estava um pouco receoso de reencontrar esse homem que, passados três ou quatro anos, já se tornara um personagem, no melhor sentido da palavra. Ele estava conversando no corredor, cercado por alguns rapazes. Eu me aproximei timidamente e quando Dom Giussani me viu, abriu os braços e disse: “Ah, Pavesi! O contestador!”. Deixou o grupo que o cercava, veio ao meu encontro e me abraçou, sempre com o seu jeito cheio de humanidade. E me disse: “Como vai? Que bons ventos o trazem aqui?”. Expliquei qual era o meu problema e ele me deu mais uma prova da sua sensibilidade: “Olha, venha outras vezes, e nós conversaremos em particular”.
Tive a felicidade de me encontrar umas três ou quatro vezes com ele. Dado que minha noiva tinha fé e eu a amava, e como não tinha nada contra a fé católica, Dom Giussani me disse que esse era um modo de crer, pelo amor à minha mulher, um modo indireto; por isso, não havia problema em aceitar o casamento religioso; aliás, esperava que esse fosse o primeiro passo para o esclarecimento de muitas dúvidas, para adquirir uma fé “em nome próprio”, não mais por meio de uma outra pessoa. Ele atendeu minha confissão ali mesmo no seu escritório, num colóquio muito afetuoso. E me casei na igreja.
Depois Dom Giussani se tornou uma pessoa muito conhecida. Trocamos correspondência por alguns anos. Quando nasceram minhas filhas, mandou-me mensagens carinhosas. Tive a sorte de permanecer na memória de Dom Giussani por causa daquele episódio ocorrido na escola, e depois, bem mais tarde, aquela disponibilidade e aquele afeto demonstrados em relação a mim foram uma prova de que tudo o que Dom Giussani nos havia ensinado na escola era uma coisa real, que permanecia através do tempo.
Hoje, existencialmente, a mão continua levantada, a busca ainda está viva!
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Cardeal Dionigi Tettamanzi
Pai forte e manso, testemunha
de Cristo e do Seu mistério
Se, agora, nosso olhar sai da Igreja universal e se volta para a nossa Igreja ambrosiana, não podemos fugir à necessidade de expressar uma análoga gratidão ao Senhor pelos numerosos e preciosos dons distribuídos. (...) Nem posso me esquecer do intenso momento de vida eclesial vivido por ocasião dos funerais de monsenhor Luigi Giussani, sacerdote desta Igreja milanesa, que para muitos foi um pai querido, forte e manso, e que para todos foi anunciador e testemunha de Cristo e do seu mistério.
(Da homilia durante o “Te Deum”, Catedral de Milão, 31 de dezembro de 2005).
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“Lembro que a minha primeira aula no Liceu Berchet foi na turma 1º E. Dirijo-me à cátedra e já, no fundo, à esquerda da sala (na última carteira mesmo), alguém ergue o braço. E eu penso: ‘Meu Deus, já existe um problema antes de eu começar!’. ‘Diga, por favor’ (depois vi na lista de presença da classe que aquele rapaz se chamava Pavesi: me lembro muito bem, mesmo depois de 40 anos!)”
Luigi Giussani, Educar é um Risco, p. 19
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