Conhecer Dom Giussani significou o encontro com uma pessoa que mostrava Cristo como uma realidade viva e capaz de iluminar todas as dimensões da vida. Com ele, foi possível entender que, mesmo numa realidade de duros conflitos sociais, como no Brasil, é a companhia de Cristo que liberta o homem
Conheci Dom Giussani em 1965, no último ano do ensino médio, pouco antes de começar a Faculdade de Ciências Políticas. De início, encontrei-o no meio da multidão que se reunia para ouvi-lo falar de Jesus. Em seguida, encontrei-o pessoalmente e, quando ele vinha ao Brasil, hospedava-se na minha casa em São Paulo – assim eu pude conhecer mais de perto esse gênio que o Espírito Santo suscitou para dar beleza e paz à nossa vida e para renovar a Igreja.
Milhares de estudantes reuniam-se já nos anos 60 perto de Rímini. E aquelas milhares de pessoas ficavam fascinadas por ele e, mais ainda, pela figura de Jesus que ele esboçava com tanto realismo que parecia vê-lo vivo na nossa frente. Falo no plural porque fiz essa experiência com um pequeno grupo de amigos: somos mais que irmãos de carne, apesar da distância. O Padre Vando Valentini, que chegaria ao Brasil em 1974, ainda era estudante e também fazia parte desse grupo inicial.
Giussani falava do Evangelho como alguém que tivesse participado daqueles acontecimentos ali narrados e, de repente, textos escritos quase dois mil anos atrás se enchiam de vida e apareciam aos nossos olhos como carregados de implicações concretas para cada um de nós. Em suma, não nos falava das idéias de Jesus, mas do acontecimento por meio do qual o Mistério decidiu entrar no nosso horizonte de percepção, ao alcance dos olhos e dos ouvidos e da mão. E, encontrando Dom Giussani, era evidente que aquele acontecimento não tinha ficado no passado porque atuava com poder em nós, graças ao seu carisma. Agora que Dom Giussani nos acompanha do céu, a presença de Cristo, que ele nos educou a reconhecer, continua como acontecimento que fascina e corresponde às exigências mais profundas do nosso coração.
Cada um escutava as palavras de Giussani como se fossem dirigidas diretamente a ele. Era como se ele conhecesse o que estava no nosso coração, penetrando até as dobras mais íntimas e secretas, com a capacidade de tornar mais claros para nós problemas e exigências que percebíamos confusamente, mas que não éramos capazes de verbalizar.
E de repente, não somente nos sentíamos compreendidos, mas acolhidos e também enaltecidos, porque aqueles problemas e aquelas exigências que suscitavam em nós um certo pudor, que nos parecia mais conveniente silenciar, ele os abordava com atenção amorosa e citava grandes autores, Leopardi, Eliot, Dostoievski e muitos outros que os expressavam com a genialidade própria dos grandes artistas. E pouco a pouco, ia indicando o caminho pelo qual poderíamos encontrar a resposta adequada, o método para viver plenamente e com intensidade toda a extensão da nossa humanidade. Ele nos ajudava a compreender o nosso eu, que era, sim, cheio de feridas, mas era amado e abraçado por Cristo. Por isso, nós também podíamos abraçar e levar a sério a nossa humanidade, com realismo e afeição, tomando-a como ponto de partida para um caminho que certamente nos levaria à maturidade, ao destino bom.
Todas as nossas energias de inteligência e de afeição eram assim despertadas, projetadas para encontrar em Jesus Cristo, vivo e presente entre nós, na realidade da comunhão eclesial, o cêntuplo: estudar e ter uma curiosidade cem vezes maior, amar uma mulher e experimentar uma afeição cem vezes mais profunda e intensa e pura, trabalhar e viver uma dedicação cem vezes maior aos desafios do trabalho, deparar-se com pessoas em necessidade e viver uma paixão cem vezes mais humana para partilhar e procurar uma resposta.
Assim, o nosso eu era realmente exaltado, construindo-se na certeza de que existe quem responde ao desejo de felicidade, de realização humana, existe quem dá consistência ao nosso eu, quem nos permite viver com satisfação todas as circunstâncias da vida, inclusive aquelas que de início nos parecem hostis. Existe, é Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado. Existe e nós o encontramos, pois habita entre nós.
A experiência do encontro com o carisma de Dom Giussani provocou uma novidade tão grande na maneira de enfrentar o nosso dia a dia que diversas pessoas perguntavam se tinha acontecido algo. E para nós era natural desejar que todo mundo encontrasse o que nós tínhamos encontrado, que todo mundo fosse envolvido por aquela graça com o poder de nos resgatar do vórtice que nos arrastava para o nada e nos introduzia numa vida nova. Uma ingênua e sincera audácia nos movia.
Da nossa pequena comunidade (na cidade de Fermo), pelo menos seis pessoas deixaram suas famílias para entregar-se à missão, alguns se tornaram padres, outros estão nos Memores Domini, a maioria constituiu família e vive o ímpeto missionário em seus ambientes.
Nesse contexto, apenas cinco anos depois de ter encontrado o movimento, em 1970, vim para o Brasil. Cheguei na Zona Leste da cidade, na Paróquia de São Mateus, unindo-me à equipe organizada por Padre Luis Valentini (padre Gigio), o padre que nos levou a conhecer Giussani e o Movimento. Eram anos duros, nos quais os problemas sociais, especialmente a pobreza, e os problemas políticos, a reconquista das liberdades democráticas que tinham sido sufocadas pelos militares, pareciam constituir o foco do interesse de todos, inclusive da Igreja. Era como se toda a vida eclesial tivesse que ser deixada de lado para concentrar todos os esforços nesses problemas. O Cardeal Ratzinger descreveu muito bem esta circunstância dramática da Igreja no Brasil nos anos 70 e 80, durante a homilia em ocasião do funeral de Dom Giussani: “E foi grande a tentação de dizer: agora devemos no momento, deixar de lado Cristo, deixar de lado Deus, porque há urgências mais prementes, devemos antes começar a mudar as estruturas, as coisas externas, devemos antes melhorar a terra, depois podemos reencontrar também o céu”.
O debate ideológico era muito intenso e nós também, que começávamos a encontrar estudantes da USP e da Escola Paulista de Medicina, da PUC e de outras escolas, corríamos o perigo de nos perder nesse debate, quase tentando responder à ideologia com outra ideologia e fazer a mediação entre a experiência do carisma e a batalha ideológica que parecia avassaladora.
Giussani veio a São Paulo em 1973 e a partir desse momento nos acompanhou passo a passo, inicialmente através da pessoa de padre Ricci; depois, ele mesmo vinha todos os anos, de 1978 até 1991. E nos deu uma orientação que nos ajudou a reconquistar clareza diante das confusões da época: não se trata, nos dizia ele, de disputar espaço na universidade com os grupos ideológicos, colocando-se no mesmo terreno deles, vivendo em função de uma utopia talvez mais eficiente do que a utopia deles, uma utopia que se inspirava no evangelho e nos ideais de Jesus. Pelo contrário, a nossa tarefa era construir realidades eclesiais através das quais a presença de Jesus Cristo se tornasse visível nos ambientes. A Presença de Cristo liberta o homem de todas as opressões. A utopia, como esforço imaginativo que realiza um nosso projeto de bem futuro, é uma ilusão enganosa.
Em 1976, Giussani dizia: “Nós não entramos na escola buscando formular um projeto alternativo para a escola. Entramos ali com a consciência de levar também à escola Aquilo que salva o homem, que torna humano o viver e autêntica a busca da verdade, ou seja, Cristo na nossa unidade” (Da utopia à presença, out/1976).
Com uma paciência extraordinária e um respeito comovente à nossa liberdade, Giussani nos acompanhou durante anos de turbulência, apostando na verdade da nossa experiência e, não sem dificuldades e conflitos, saímos da confusão. A vinda ao Brasil de novos padres (Filippo, Virgilio, Massimo e Giuliano) contribuiu de modo decisivo para que toda a riqueza de grupos de universitários e de adultos que tinham florescido em São Paulo e, em seguida, em Belo Horizonte, seguisse os passos que o Movimento estava dando em todos os lugares.
O Movimento cresceu, tornou-se uma presença significativa no Brasil e no mundo, não por uma capacidade organizativa ou de marketing, mas pela potência do carisma que, acolhido com simplicidade, muda a vida, tornando-a carregada de beleza e de significado, renovando os ambientes onde vivem e trabalham pessoas que pertencem a Cristo.
No Brasil e, particularmente, na Bahia, onde vivo desde 1990, a experiência da caritativa, isto é, do gesto simples de compartilhar a nossa vida durante algumas horas por semana com pessoas em situações mais difíceis, educou a muitos para procurarem respostas às necessidades da pobreza e da exclusão. Bairros novos, com casas coloridas substituem grandes favelas que tinham sido erguidas na maré, mas o espetáculo mais comovente é ver como, pouco a pouco, o povo reencontra a dignidade e a esperança e se mobiliza. Muitos, movidos pela curiosidade, descobrem de onde nasce este olhar que acolhe as crianças nas creches, nos centros educativos, nas escolas profissionalizantes, nas cooperativas, etc. Alguns se envolvem naquele Acontecimento de graça que nos tocou, fazem Escola de Comunidade, crescem da maneira mais surpreendente, documentando o acontecer de verdadeiros milagres que nos confirmam: o que encontramos, encontrando Dom Giussani é uma potência de vida nova que vence a morte. Nós somos testemunhas disso.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón