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Passos N.69, Fevereiro 2006

DESTAQUE - DOM GIUSSANI

O olhar de Barrabás

por Pedro Sarubbi

Sempre fui um menino de grandes emoções e grandes contradições; aos brinquedos da minha época, preferia os livros de aventura; às partidas de futebol no quintal, eu preferia a companhia épica do meu avô (herói de guerra) ou os relatos dos velhos pescadores do porto. A realidade me oprimia e eu fugia para o mundo da fantasia. Isso me levou quase que naturalmente a ser ator, desde muito cedo.
Infelizmente, na medida em que eu me acostumava com a rotina da minha profissão, perdia o contato com a busca e com a qualidade de vida, e fui ficando cada dia mais cínico e superficial. Mel Gibson me viu no filme “Il mandolino del capitano Corelli” e me propôs interpretar Barrabás no filme “A Paixão de Cristo”. Eu estava preocupado com a extensão do meu papel, com quanto me pagariam e com a publicidade projetada. Descobri, com desprazer, que Barrabás não tinha nenhuma fala, coisa absolutamente desonrosa para um ator de certo nível como eu. No final dos testes, me aproximo de Mel Gibson e lhe digo que tenho o maior prazer de trabalhar com ele, mas que não posso aceitar um papel sem fala. Ele me chama paternalmente de lado e me explica que este será um filme belíssimo e muito importante, e que o meu Barrabás mudo será mais importante, para mim e para o filme, do que um personagem falante de qualquer outro filme. “Você vai usar a força do olhar! Como deverão fazê-lo todos os atores deste filme”, me diz.
Iniciam-se as filmagens e eu continuo a reclamar. Na terceira semana de trabalho, quando desço os primeiros degraus do Sinédrio, o meu olhar de Barrabás encontra-se com o olhar do ator Jim Caviezel, que interpreta Cristo, e senti como um soco, um solavanco, e uma forte emoção tomou conta de mim. Carrego esse sentimento comigo até hoje, e a minha vida começou a mudar.
Tenho a sensação de que, na realidade, o olhar foi para mim, quando na verdade foi de Cristo para Pedro. A coisa é gigantesca e me deixou em total confusão: por que aconteceu? Essa pergunta me acompanha sempre. Enceno, no teatro, a Paixão de Cristo, na tentativa de analisar e entender, mas sozinho não consigo fazê-lo. Todas as minhas entrevistas estão cheias dessas dúvidas, de tudo o que aconteceu a partir desse olhar. Um dia, telefona-me um sacerdote, padre Gabriel Mangiarotti, que me convida para o jantar, na paróquia de Brugherio, e para falar desse olhar. Aceito. Estão presentes 300 pessoas. Começamos a conversar, todos querem saber, entender, eu gostaria de ser o primeiro a perguntar, mas todos perguntam a mim!
Depois do testemunho, o jantar. À mesa estão padre Gianni Calchi Novati e um grupo de simpáticos senhores por volta dos 40 anos. Falo com eles das minhas dúvidas, e um deles, Ermes, me diz: “Se quiser, venha fazer a Escola de Comunidade conosco e talvez consiga entender”. Combinamos o primeiro encontro. Assim se iniciou a minha caminhada de encontro com Dom Giussani; não foi um encontro pessoal com ele, claro, mas usufruo dos seus escritos, das respostas às minhas perguntas em seus livros e da companhia do seu povo. Ermes me fala da paixão de Dom Giussani pelo olhar e de como, com muita atenção, ele o procurava em qualquer imagem sacra; padre Gabriel me ensina a leveza de se viver em paz; padre Gianni me indica a trajetória, todos estão muito perto de mim. Depois, com eles, vivi a grande dor da morte de Dom Giussani; sentia que eu sofria mais compartilhando a dor deles do que pela real partida de quem eu havia conhecido só por meio dos escritos, mas quando, no funeral, em meio ao frio e ao gelo, imóvel no interior da Catedral, tomei consciência da minha nova condição, eu estava sereno: finalmente, depois de anos, eu estava cercado por pessoas a quem eu amava e que amavam outras pessoas e todos estavam ali unidos na dor, amando dignamente. Sentir-me parte desse povo me fez entender o quanto eu também fui tocado por Dom Giussani e a importância que ele teve no meu renascimento espiritual.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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