A amizade com Dom Giussani salvou a sua vida. Desde então, ele se dedica a cuidar de doentes terminais no Paraguai. A meditação de manhã bem cedo, a casinha dos órfãos, a gratidão dos políticos. E uma pizzaria. A vida na clínica, ao lado de pessoas que têm os dias contados. Acompanhamos padre Aldo no coração da sua obra. Um lugar em que “reacontece o mistério que permite que o mundo siga adiante”
Em San Rafael, a vida começa cedo. Ainda na luz diáfana da aurora ouvem-se os passos ligeiros de quem começa o dia na capelinha do Santíssimo. Que, na verdade, está sempre aberta, dia e noite. O guarda tem ordens para abrir o portão externo a qualquer pessoa que queira rezar. Mesmo às três da manhã. Padre Aldo ama este lugar, com uma dezena de cadeiras e um minúsculo altar, para fazer silêncio. Aqui, na plenitude de sua solidão (“padre Alberto tinha acabado de ir embora e eu – eu! – virei pároco”), “nomeou” o próprio Senhor pároco de San Rafael e, a si mesmo, sacristão; assim como na clínica, onde Ele é o diretor e, padre Aldo, o capelão.
Em algumas segundas-feiras, um carro para em frente à entrada da pequena paróquia. Pontualmente às 6h30, o vice-presidente do Paraguai, Federico Franco, reza as Laudes junto com os padres (além de Aldo, Paolino Buscaroli e Ferdinando Dell’Amore, conhecido como Daf). O vice-presidente é um grande amigo de San Rafael. Tomando um rápido café, antes de correr ao Palácio da vice-presidência no centro de Assunção, comenta: “Esta paróquia é a clara demonstração de como, no Paraguai, um país pobre, é possível assistir o ser humano de maneira excelente, de primeira classe, e é possível privilegiar a pessoa em qualquer situação. A clínica é como um hotel cinco estrelas, a escola tem professores preparados. Os abandonados, as crianças de rua, os velhos, os moribundos, os doentes que todos os hospitais rejeitam, aqui, são de casa. Como diz a passagem evangélica: os últimos serão os primeiros. Os últimos entre os paraguaios são os mais bem cuidados em San Rafael, e isso se deve ao temperamento, à força, ao afeto, ao carisma de padre Aldo e de Comunhão e Libertação. Saibam que hoje, no Paraguai, muitas pessoas pobres sorriem e agradecem pela ajuda que recebem dos amigos de padre Aldo”.
“Um espinho dentro de mim”. Padre Aldo conta: “Há muito tempo faço pelo menos uma hora de silêncio ao nascer do dia. Quero começar o dia preparado para o ataque de tudo aquilo que quer me separar d’Ele. As preocupações e os cálculos sobre as coisas, os projetos, o dinheiro, as pessoas. Em suma, cada dia apresenta ocasiões para dizer sim ou para dizer não. Eu me preparo, trabalho para o meu sim. Hoje, devo fazê-lo mais rápido porque preciso obrigatoriamente dedicar meia hora à ginástica, talvez uma corridinha, por causa da minha saúde: então, uso este tempo para recitar o terço, não posso começar o dia sem contemplar o Evangelho dos pobres que é o Terço. Nunca perdi a certeza em Cristo. Todavia, dentro de mim, ainda sinto um espinho que todos os dias me acompanha, como escreve São Paulo, e se não tivesse a oração e a força do Altíssimo, não conseguiria ir em frente nem mesmo um segundo”.
Daqui a pouco a escola abrirá suas portas para receber 250 crianças. O segundo compromisso do dia de padre Aldo é na casinha de Belém, antes das 8h. Vestidas de azul, as crianças esperam enfileiradas e alegres. A casinha nasceu para hospedar dois órfãos de uma mãe que morreu na clínica. Agora, são vinte crianças, confiadas ao tribunal, e cuidadas por Cristina, que perdeu dois filhos por causa de uma doença congênita grave. “Ela me perguntava por que, suplicava para que lhe desse uma resposta – lembra Aldo –, e só pude dizer que precisávamos estar juntos diante daqueles fatos: seus filhos foram para o céu, os órfãos tinham ficado conosco na terra. Cristina, disse a ela, continue sendo mãe.”
As orações e as vozes das crianças sobem do pátio da paróquia em direção aos quartos assépticos da clínica para doentes terminais dedicada a São Ricardo Pampuri. É o coração profundo e discreto de toda a vida paroquial e o ponto de referência para os padres, voluntários, jovens, fiéis e catequistas. A enfermeira Beatriz Gomez diz: “Se alguém não tem Cristo no coração, é difícil enfrentar uma realidade que, muitas vezes, é dura. É duro ver uma criança agonizante ou uma pessoa como Marciana, que tem 21 anos e está morrendo (neste período ela faleceu). Sinto-me feliz sendo enfermeira. Faço meu trabalho sem que ninguém me obrigue, quero que meu paciente esteja limpo, que esteja bem, esteja em ordem, que sorria. Isso é tudo”.
Todos os cabelos estão contados.O médico responsável acrescenta: “Para muitos médicos, ter um paciente terminal é uma derrota. Eu não me proponho a curar as pessoas, sei que isso não é possível. Então, o meu objetivo é que aquela pessoa esteja bem, que os sintomas sejam controlados, que não tenha dor, náusea, vômito. Isso eu posso fazer e me dá felicidade, alegria. A fé me sustenta muito e é importante também quando falo com os doentes; a fé ajuda a viver bem estes momentos de sofrimento, de incerteza e medo diante da morte”.
Também para Aldo, a clínica é o centro de tudo: “Vejo nos doentes não só as condições do homem em si, mas a beleza da misericórdia de Deus feita carne em Cristo, misericórdia que salva o homem e que mostra que tudo é positivo. Fico impressionado com o modo como Deus salva a quem não se interessa por nada d’Ele. Quando vejo minhas crianças inconscientes, reduzidas ao estado vegetativo, entendo que elas são o reacontecer da crucifixão e do calvário, e daquele mistério de morte e ressurreição que permite ao mundo seguir em frente. A clínica toma muito do meu tempo e do meu coração. Normalmente fazemos reuniões com médicos, enfermeiros, voluntários ou com o pessoal administrativo. Hoje, por exemplo, há a comissão técnica: semana após semana verificamos cada doente, para monitorar seus progressos e suas dificuldades, no aspecto físico e humano. Depois, o diretivo da clínica nova e a comissão que cuida da construção em andamento. Deverá ser inaugurada no próximo ano. O prédio está quase pronto. A fachada imita a da Redução de Trinidad. Os anjos músicos esculpidos nas paredes da grande igreja, a pedra vermelha, belíssima, erguida contra o céu azul. Como você sabe, aprendi muita coisa dos jesuítas e de sua política cultural inteiramente voltada à beleza”.
Na vida dos padres, a tarde é dedicada “ao encontro com Cristo e à nossa companhia”, diz padre Paolino: “De uma às quatro e meia e todas as segundas-feiras. Sei que, do ponto de vista da eficiência, parecemos mais passivos que ativos, mas precisamos disso, é uma necessidade profunda”. Aldo acrescenta: “Experimentei o escuro, a tristeza, a dor e a angústia. Algumas vezes, até uma mosca me machuca. Se não fosse pela certeza de ser amado por Cristo e possuído por Deus, e de ter por perto a companhia de Paolino e Daf, com certeza não conseguiria fazer esse trabalho. A cada instante preciso dizer a Deus ‘é você que me faz, até os cabelos da minha cabeça estão contados’, senão teria muita dificuldade em resistir e enfrentar tudo. É o drama, dentro e fora de nós: de um lado vemos o nascimento de realidades positivas; de outro, percebemos que o positivo nasce lutando com a dificuldade, com a incompreensão e, muitas vezes, também com o preconceito”.
A tarde começa com um café ou um cappuccino no Café Literário Van Gogh. O local está em uma gruta dolomítica de grande porte. Adornada por livros e CDs, é o ponto de encontro para muitos debates e reuniões culturais. É também onde funciona a pequena redação do Observador, jornal semanal feito aqui em San Rafael e anexado ao jornal La Ultima Hora: um jornal guerreiro e pedagógico conhecido em todo o Paraguai pela originalidade de suas posições. Natalia, Guillermo e padre Paolino constituem o núcleo criativo. A vida da paróquia, e muito frequentemente, da clínica, com toda a experiência de dor, que é contada e aprofundada, mistura-se aos eventos nacionais e internacionais, à realidade da Igreja, às grandes intervenções do Papa. No último ano, muitos artigos foram dedicados a Marcos e Cleuza Zerbini. “Conhecemo-nos em novembro de 2008, conta Aldo folheando o periódico – e desde então, mesmo morando longe, somos inseparáveis. Duas coisas nos unem: o amor pela realidade e pelo homem, que nasce da paixão por Cristo, e a amizade e a vontade de levar a sério tudo aquilo que Carrón nos diz, por meio de um trabalho pessoal e um trabalho entre nós. Tocou-nos a sua afirmação: falta o humano. Acredito que a fragilidade do cristianismo seja fotografada por esta frase. Olha-se para Cristo prescindindo do homem. Vejo isso na América Latina, onde é dominante o moralismo, e também na Europa. Mas o que caracteriza o cristianismo desde o início é a paixão pelo homem. E é isso que motiva o meu relacionamento com Marcos, Cleuza e os outros: a paixão que temos pelo homem, no nosso caso, o homem pobre e sofredor, nos leva a desejar que Cristo seja tudo.”
Há algum tempo, a paróquia tornou-se um vai e vem de visitantes de todas as partes. Estudantes na clínica, políticos nacionais, universitários. O desejo é conhecer e viver a experiência da paróquia, às vezes para aliviar uma certa dor, um certo mal-estar. Aqui, sempre é possível encontrar alguém que lhe quer bem, você nunca é deixado sozinho. Desde que deu um testemunho no Meeting de Rímini do ano passado, padre Aldo recebeu mais de seis mil e-mails. “Respondo como posso, uns quinze por dia. Todos pedem alguma ajuda. Acho que veem em mim uma pessoa que sofreu, que não negou o sofrimento, que não o fechou em si ou se envergonhou dele. Qual é o sentido da vida? Como posso dizer que uma crise é boa, que a depressão é uma graça? Por que existe tanta dor? Como é possível viver a fidelidade? E como perdoar o mal do outro?... São os temas do coração, os temas do homem. Apesar de todos os padres e especialistas que estão perto de nós, percebo que o homem de hoje está realmente sozinho em seu problema existencial, e que se proclamar cristão não basta para resolver isso. Eu tive a graça de ver como Dom Giussani vivia intensa e maravilhosamente cada acontecimento da vida. Foi o meu apoio.”
O desafio de 'O sole mio. À noite, no jantar, é muito fácil encontrar os padres de San Rafael na pizzaria ’O sole mio, criada na paróquia para dar trabalho aos jovens e trazer algum lucro. Vão com os órfãos e com os doentes da clínica que conseguem sair (além de, naturalmente, com os visitantes e paroquianos). Uma festa para todos eles, um desafio para todos os outros clientes.
E o futuro da paróquia? “Essa obra depende inteiramente de Deus que a quis e continua a mantê-la viva. Se Ele vê nela uma utilidade a levará adiante. Pessoas capazes de fazer isso existem. Pessoas que conseguem mendigar realmente Cristo e entregar-se virtuosamente a Ele. Certamente, se aqui não houver uma pessoa apaixonada por Cristo, Ele não vai descer do Paraíso para levar a paróquia adiante. Nós, padres, sabemos bem que essa obra nasceu da fé, portanto, é só a falta de fé que pode destruí-la.” Aldo termina rapidamente o discurso. Agora é, para ele, o momento mais bonito do dia: correr à casinha para dar boa noite às crianças.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón