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Passos N.65, Setembro 2005

MEETING 2005

A liberdade é o maior bem que os céus doaram aos homens

Uma semana de encontros, mostras e espetáculos levaram a Rímini mais de 700 mil pessoas, superando a freqüência das edições anteriores. Na memória viva de padre Giussani e de uma paternidade que continua – como foi visto no encontro de abertura com padre Julián Carrón e no longo aplauso final –, o testemunho de uma companhia humana aberta a todos e curiosa por tudo o que existe de bonito, de bom e de verdadeiro em todos os lugares. Um evento que ofereceu o exemplo de uma sociedade mais humana e de uma convivência pacífica e operativa. Nestas páginas a crônica dos principais encontros desenvolvidos com este tema. Juízos sobre o momento atual e indicações para o futuro


Liberdade é a palavra que está sempre sob os refletores, que sempre foi interpretada, cobiçada ou blasfemada: dom de Deus ou pretensão de independência dEle. “Liberdade” foi o fio condutor da 26º edição do Meeting de Rímini, a manifestação cultural promovida por Comunhão e Libertação, na Itália, de 21 a 27 de agosto passados

O título do 26º Meeting de Rímini nasceu a partir de uma frase que Don Quixote de la Mancha pronuncia, sem retórica alguma, dirigida ao seu escudeiro Sancho Pansa: “A liberdade, Sancho, é um dos dons mais preciosos que os céus concederam aos homens: todos os tesouros que se encontram na terra ou que estão recobertos pelo mar não se lhe podem igualar: e pela liberdade, assim como pela honra, pode-se arriscar a vida”.
A crítica literária ocupou-se freqüentemente em avaliar com que espírito o herói do romance homônimo de Cervantes, uma das grandes obras primas da literatura moderna, teria usado a palavra liberdade; mas, qualquer que seja a sua interpretação, em termos laicos ou religiosos, não podemos eliminar o fato de que Don Quixote atribui este “dom” aos “céus” e “os céus”, como se sabe, no mundo antigo e especialmente na cultura judaica, é sinônimo de Deus.
A questão sobre a liberdade sempre foi um dos grandes problemas do homem e corresponde a um valor cujo conteúdo foi objeto de milhares de reflexões. Mas mesmo que pareça imediato intuir o sentido desta palavra e o seu uso pareça fácil e dado por óbvio, tanto a aplicação na experiência pessoal quanto o aprofundamento teórico do significado da mesma deram lugar a considerações contrastantes, para não dizer violentamente opostas. O valor da liberdade é proclamado, primeiramente, do ponto político. Do ponto de vista moral, a mentalidade moderna, mas não só ela, considera que o triunfo da liberdade coincide com a eliminação de qualquer vínculo e com a capacidade dada ao homem de escolher aquilo que instintivamente deseja.

Aquilo que se quer
O ceticismo de cunho niilista não nega ao homem a faculdade de ser livre e, por isso, para o homem moderno, ser livre significa fazer aquilo que se quer. A prova de que a eliminação dos vínculos e dos próprios desejos não são suficientes para tornar o homem nem livre nem feliz nasce da própria experiência, que demonstra que a satisfação do desejo nunca é total porque a cada desejo satisfeito segue-se um outro, depois outro e ainda outro. Por outro lado, o homem sente e, às vezes, é colocado em circunstâncias onde experimenta que aquilo a que aspira é uma medida infinita, algo que vive em uma dimensão não finita à qual, porém, pode abrir-se mesmo na própria finitude. Um exemplo de homem aparentemente livre é o super-homem de Nietzche que afirma: “Onde há vida há, também, vontade: vontade de poder”. Isso equivale a afirmar que o homem livre é aquele que dá livre vazão à própria vontade de poder, um conceito sempre atual e aplicado, tanto no campo político quanto no econômico. Mas, por potente que seja a vontade do super-homem, esta também, inevitavelmente, se choca contra uma medida mensurável - isso se demonstra nos insucessos - e a sua liberdade de repente é comprometida.

Construir a si mesmo
O conceito de liberdade próprio do positivismo liberal é similar ao renascentista de Pico de Mirandola. Para Pico, o homem livre é aquele que constrói a si mesmo. O homem é aquele que sabe se fazer. Examinemos, por outro lado, a posição do cristão. Para o cristianismo, a liberdade também é uma ação, é um relacionamento ativo. É relacionamento com Deus, ativo enquanto pleno de desejo, de consciência e de espera; é um relacionamento atravessado pela sede inextinguível de um pedido de revelação e que leva a um Deus que o cristão sabe que é incomensurável, sem medida. “Se o homem quer ser livre de tudo aquilo que o circunda, se quer ser livre de tudo aquilo que existe em torno de si, deve ser dependente de Deus. A liberdade do homem é a dependência de Deus” (padre Giussani, Meeting 1983).
A mentalidade moderna tem o vício de olhar com maior ou menor malévola suficiência tal posição, que o liberalismo considera, no melhor dos casos, abstrata e fruto da fantasia. O homem que deseja abrir-se ao Mistério de Deus - não ao infinito que se perde no ar, mas ao Deus encarnado e que tem o rosto de Cristo - é, freqüentemente, tomado como louco. No entanto, se refletimos, podemos ver que a condição de liberdade só é garantida ao homem por um relacionamento que, em última instância, exceda a sua medida, vá além do seu limite. Um relacionamento que, antes de mais nada, funda-se sobre um laço do qual o homem tem um desejo vital para não sentir-se só; e, ainda, uma ligação que não seja submetida aos cálculos de uma economia humana.

Um desafio paterno
Deus desafia generosamente o homem incitando-o a ser livre, de modo misterioso, e solicitando dele o maior dom que lhe deu. Desafia-o com paterna generosidade, deixando-lhe esta âncora de salvação: a liberdade. Esta se torna, para o homem, sinônimo de libertação, salvação libertadora, capacidade de ultrapassar a própria medida mensurável. De fato, é diante de Deus que o homem pode antegozar, mesmo que imperfeitamente, a grandeza à qual o cristianismo o chamou e que um Salmo antecipou: “O que é o homem para que cuides dele?”. Grandeza do homem como efeito da sua valorização total operada por Deus que cuida dele. Não existe nem filosofia nem pensamento capaz de valorizar o humano como o cristianismo, para o qual até o gesto negativo é resgatado pela ação libertadora da misericórdia.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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