Passos N.65, Setembro 2005

MILÃO / VIDA NA UNIVERSIDADE

Viver a universidade ao máximo

por Paolo Perego

Um dia com os estudantes da comunidade do CLU da Bicocca. Além das aulas, estudos e provas, é possível compartilhar uma amizade, ajudar os calouros, propor debates sobre temas atuais ou criar um informativo como instrumento de comunicação. Tudo em nome de um Outro

Bicocca é um famoso bairro industrial de Milão, que no século passado abrigava as fábricas da Pirelli e da Breda, com seus operários de macacões azuis. Esse bairro mudou e hoje tentam chamá-lo de Tecnocity mas, para todos, continua sendo a Bicocca. Aqui foi construído um novo complexo universitário de Milão por meio de um projeto iniciado em 1992 visando a abrir novas vagas em universidade pública e promover uma revalorização urbanística desta área no norte da cidade. São oito faculdades, científicas e humanísticas, que oferecem cursos de psicologia, ciências econômicas, medicina, direito, sociologia, estatística e ciências da educação.
O dia é quente e ensolarado. Chego no prédio da Universidade e olho ao redor: calçadas cinzas e vermelhas, canteiros, uma pequena colina artificial, prédios em construção, envoltos por andaimes, cuja fachada está voltada para uma praça construída no nível do subsolo, com ilhas gramadas, cascatas de água e pórticos em diversos níveis. Atrás, está o Teatro dos Arcimboldi, com a sua vidraça inclinada. Os prédios são identificados por números: U-6, U-7, etc. Alguns jovens estão sentados em banquinhos de mármore branco que se alternam entre luminárias tecnológicas e pequenos cestos de design moderno, colocados cerca de dez metros uns dos outros. Aproximo-me: trata-se de uma aula de Sociologia ao ar livre, o professor no meio e os jovens em círculo perto dele.

Começa com um café
Quando entrei no edifício U-6, me esperavam alguns jovens do CLU (grupo de universitários de Comunhão e Libertação; nde). Junto com Luca estão Stefano, André e Paolo. Vamos até o bar que fica no primeiro andar: é o restaurante dos estudantes que, às dez da manhã, ainda está deserto. Durante o café começo a fazer perguntas enquanto, pouco a pouco, chegam outros amigos... Adriano, Franci e Chiara, Daniel e Francesco, Claudio e Gabriel... Falo sobre minhas impressões do lugar: digo que a estrutura não é muito acolhedora com todos aqueles corredores e salas de aula. Os rapazes logo me interrompem, dizendo: “Realmente, é verdade. Esta estrutura parece construída para que não se tenha vontade de vir até aqui. Existem poucos lugares onde se encontrar além dos corredores. É como se a pessoa devesse vir à universidade só para assistir as aulas e, uma vez terminadas, voltar para casa”. Vocês têm aula hoje? “Nós – explica Paolo, que estuda Economia – viemos à Universidade mais do que para assistir as aulas. Chegamos de manhã bem cedo e voltamos para casa à noite. É claro que as aulas e os estudos na biblioteca e nos grupos de estudo ocupam muito tempo, sobretudo no período de provas, mas a vida aqui dentro também é feita de encontros com as pessoas, de amizades, de relacionamentos que tomam as formas mais diversas, de uma pausa corriqueira para um café, um bate-papo e um cigarro até a organização de iniciativas culturais”.

Na Salinha
Estou curioso. Saímos da mesa e percorremos um longo corredor. Luca pára perto da máquina de café: “Vou te mostrar a Salinha”, e abre uma porta contra incêndio atrás da qual está uma sala com mesas, computadores e armários. Sem janelas. “Esta é a sala que a universidade destinou aos representantes dos estudantes eleitos nos órgãos superiores”. Luca foi eleito no último ano pelo Conselho de Administração da universidade e explica que neste lugar, que é dividido com todos os outros representantes, nascem todas as iniciativas públicas que são propostas na universidade. “Para nós, é importante participar da política universitária porque é um modo de participar positivamente da vida universitária e porque nos permite construir a partir da nossa experiência cristã. Como no caso das associações estudantis”.
Associações estudantis? “Há alguns anos – explica André – começamos a dar uma forma mais institucional aos encontros de recepção aos calouros que fazíamos no início do ano. Assim, nasceu a Associação Help Point e, em setembro, preparamos a apresentação das várias faculdades feita por professores e alunos, fazemos contato com os calouros e organizamos uma iniciativa de três dias para conhecerem a universidade. Além disso, o Help Point propõe alguns eventos como o ciclo de encontros que fizemos neste ano”. Explicam-me que organizaram mesas redondas sobre diversos temas: de educação a filosofia, de economia ao referendum sobre fecundação assistida, das quais participaram grandes personalidades e professores e que a programação continuará no próximo ano com periodicidade mensal. “Por exemplo, lendo um artigo de Giancarlo Cesana publicado em um jornal de dezembro do ano passado, pensamos em propor a todos, professores e estudantes, um encontro sobre ‘psicologia e educação’, chamando para o debate o próprio Cesana, a diretora da faculdade de Ciência da Educação, Susanna Mantovani, e o professor Dario Varin, professor de Psicologia do Desenvolvimento. A idéia de fundo de uma iniciativa como essa é participar como protagonistas da vida da universidade, inclusive aprofundando o relacionamento com os professores, como neste caso. Inesperadamente, a freqüência, até agora, tem sido notável. No último encontro sobre o referendum, com Angelo Vescovi e Giulio Cossu, estavam presentes mais de 500 pessoas”.

A Universidade é de vocês
Franci e Chiara, ambos inscritos no curso de especialização em Ciência da Educação, contaram-me como começaram um relacionamento com um professor de Pedagogia, no ano passado, levando-lhe um panfleto de juízo sobre a guerra: “Nunca tive nada a ver com as pessoas de CL antes”, disse. “Ele sempre nos cutucava pelo fato de sermos de CL – conta Chiara – mas o relacionamento com ele ficava cada vez mais interessante e começamos, inclusive, a ir mais freqüentemente às suas aulas. Demos-lhe de presente de Natal o livro Educar é um Risco, de padre Giussani. Ele nos disse: “No entanto, a universidade é de vocês, porque vocês existem, estão presentes”. Outro dia, o professor parou Francesca nos corredores: “Para o estágio, ficamos assim: eu a acompanho, pois quero lhe dar muito trabalho”. A companhia é agradável, encontramos e cumprimentamos muitas pessoas enquanto continuamos o nosso passeio. Perguntei a Daniel, que acabou o terceiro ano de Sociologia, o que mudou com a reforma universitária: “Como para todas as coisas novas, no início foi um pouco confuso: não que agora tudo esteja claro, porém, começamos a confiar mais nas diversas novidades: é necessário estar atentos às ‘classes’ dos exames a serem inseridos nos diversos planos de estudo, é preciso calcular meticulosamente os ‘créditos’ que serão obtidos com eles e com as diversas atividades formativas paralelas às didáticas, como cursos de língua ou estágios. É um pouco como fazer as contas no supermercado: tal exame me dá tantos créditos, tal curso não, no entanto...”. Enquanto caminhamos, percebi que a estrutura é, realmente, vanguardista: elevadores, escadas rolantes, ar condicionado.

A espada na rocha
Falaram-me sobre Giorgio Vittadini – chamado de “Vitta” –, que dá aulas na faculdade de Estatística: “Fazemos Escola de Comunidade com ele todas as quintas-feiras. Também participam professores e funcionários. E, freqüentemente, muitas pessoas novas. Muitos de nós encontramo-nos alguns dias antes para ler o livro e preparar perguntas. Deste modo a assembléia de quinta-feira torna-se mais rica e interessante”. Cruzamos com Stefano, recém-formado em Psicologia e, agora, inscrito na especialização. Ele é um dos novos participantes. “Ouvi falar de CL e, sabendo que alguns deles tinham sido eleitos para os órgãos acadêmicos, fui procurá-los na sala dos representantes. Conheci Daniel que logo me convidou para a Escola de Comunidade. Comecei a participar e fui nas férias com eles, ajudei no informativo...”. Informativo? “A idéia foi de Sangio, no início do ano passado: queria ter um espaço onde pudesse julgar o que acontece no mundo, um instrumento para comunicar estes juízos”. Assim, nasceu um pequeno jornal chamado A Espada na Rocha que, não sem dificuldades, conseguiu publicar três números. “É importante ter um instrumento para comunicar quem somos. Como quando vendemos Passos. Não fazemos uma banca, mas vamos diretamente às pessoas que estão estudando ou que estão nas salas e a propomos a leitura aos nossos colegas”.

Milagres e luminárias
É quase hora do almoço. Antes de ir comer, todos se encontram para recitar o Angelus em uma pracinha em frente à universidade: é um gesto que se faz há anos, todos juntos, e que, com o tempo, tornou-se o alicerce do dia. Depois dos avisos de Marta, fomos para uma lanchonete. Durante o almoço conversamos sobre a história da comunidade de CL de Bicocca que, há sete anos, era muito pequena e, agora, com suas oito faculdades, já são em mais de cem pessoas – excluindo Medicina, que funciona no campus de Monza. A comunidade foi unificada em 2001, pois antes estava dividida em “científica” e “humanística”, de acordo com o curso a que a pessoa pertencia. Depois do almoço os jovens voltaram aos livros, na biblioteca. Estudam em rigoroso silêncio, mas juntos. Todos têm trabalhos. Fazem um intervalo juntos, às vezes descem para tomar um café, trocam algumas palavras e voltam ao estudo. Fazem assim até à noite. Os dias são cheios e intensos. À noite, convidaram-me para jantar em um apartamento que alguns estudantes que não são de Milão dividem e que fica muito próximos à universidade. E a universidade também continua aqui, pois não há divisão entre a vida acadêmica e a vida da comunidade, o estar juntos, a amizade. Falaram-me sobre a morte de padre Giussani, dos encontros inesperados que ela gerou e do novo impulso que o juízo sobre este fato trouxe para a vida cotidiana, como se tivesse sido revelada “a consciência de uma responsabilidade em relação ao mundo”. Francesco, que é de Chioggia e estuda Estatística, diz: “Nestes anos percebi que a universidade e o CLU são um ‘momento de graça’, um período no qual nos é dada uma maior possibilidade de que toda a vida seja plena, de que tudo aquilo que fazemos tenha um único denominador comum: Cristo. É difícil esconder-se, sobretudo aqui em Bicocca, onde até o ambiente é uma provocação para qualquer um: não se pode apenas sobreviver e pronto”.
Vou embora contenta e pensando no dia recém terminado digo que encontrei jovens normais que fazem coisas que todos fazem e coisas que todos poderiam fazer, mas o modo de estar juntos, de compartilhar a vida, suas “tentativas irônicas” de “viver e não apenas sobreviver”, isto não é normal. “A nossa amizade é um milagre”, disse Gabriel. Olho a praça universitária de cimento, com as arvorezinhas e com aquelas luminárias absurdas que, pelo modo como são feitas e dispostas, parecem lápides de um cemitério, sem uma alma na rua. “Um milagre”: pelo que eu vi hoje, talvez essa seja realmente a palavra certa.