Carta para um amigo verdadeiro
Oi Paul, te escrevo porque sinto uma grande felicidade no meu coração e agora, pela minha condição, por não poder te ver, é o único modo para expressá-la. Sábado à tarde, quando você, Miki, Luca e Kannabis vieram me visitar, me escancararam o coração porque eu não pensava que existisse alguém neste mundo que ainda me amasse, que se preocupasse comigo. Como você sabe, perdi meu pai quando tinha quatro anos e a minha mãe partiu há três. Portanto permaneci sozinho com meus dois irmãos, os quais se afastaram de mim e recusaram a permissão do juiz para fazer uma última saudação antes que eu fosse preso. Você me conhece desde pequeno. Lembra-se das aulas de catequese? As nossas primeiras bobagens, os esportes …? E depois a droga, o cigarro, o álcool… Você escolheu um outro caminho e quando eu te convidava para ir às festas, fumar, e você não aceitava, eu me sentia traído. Você sempre me via no bairro, acompanhado de pessoas sorridentes, e eu dizia que aquela vida era divertida. Mas pelo contrário, sentia o vazio. De noite eu ficava triste, chorava, me sentia sozinho e não entendia qual era o motivo. Eu não entendia porque vivia, entendia apenas que o pó branco me fazia esquecer por um tempo quem eu era, e também toda a minha vida. Com as mulheres fui sempre um desastre. Tive muitas, mas nunca me liguei a nenhuma, pois as via apenas como um objeto para ser usado a meu modo. E foi você quem me disse que a mulher não é para ser possuída, pois é criatura de Deus, e portanto, é dEle e não minha. E eu brigava com você por isso. Somente agora percebo o quanto devo ter te ferido com as minhas palavras… Mas quem é Deus? Eu nunca te entendi. Você sempre me falava dos seus amigos, da escola, que se sentia feliz… No fundo no fundo, eu te invejava porque eu também queria ser feliz. Nunca me esquecerei das nossas brigas porque você não abandonava a sua idéia sobre Deus, dizendo que Ele é Criador e outras coisas que aprendemos na catequese e eu continuava a não te escutar. Você me convidava para conhecer seus amigos e eu não aceitava. Porém, alguma coisa me unia a você. Você foi o único que sempre permaneceu próximo, que me procurava, mas eu era orgulhoso demais para admitir que por 19 anos tinha vivido de maneira errada. Na verdade nunca vivi de verdade. Quem eu sou? O que farei da minha vida? Eu sou uma nulidade. Porém, você com o seu Deus sempre me dizia que a vida tinha um sentido, e também me dizia que eu estava bobeando. Eu realmente não sei o que te faz ter sempre um sorriso no rosto ou encontrar sentido na vida, mas sei apenas de uma coisa: eu quero ser feliz como você. Domingo à noite você me deu aquela imagem de Nossa Senhora com uma oração no verso. Eu ia rasgá-la, mas você me suplicou para conservá-la. Algo aconteceu e eu a guardei. Agora, mesmo não entendendo as palavras, repito a oração duas vezes por dia e penso em você quando a digo! Não sei o que está acontecendo comigo, mas aqui na prisão, em uma semana eu entendi que joguei fora 19 anos da minha vida e agora quero me salvar. Aqui a vida é muito dura e te destrói psicologicamente, mas sábado à tarde vocês me deram um grande sustento. Somente nestes momentos se entende quem se importa com você, e por isso quero apenas te agradecer e te peço para lembrar-se de vez em quando de mim. Agradeça a Luca, Miki e Kannabis e faça com eles o que está fazendo comigo. Infelizmente não sei rezar, mas assim que for possível irei falar com o padre aqui do presídio e lhe perguntarei algumas coisas sobre Deus.
Carta assinada
Acontecimento decisivo
Sou grato pela permanência de padre Carrón entre nós aqui em Bari, após o Congresso Eucarístico. Hoje de manhã quando acordei tinha uma alegria estranha, nunca experimentada antes. Os Exercícios da Fraternidade deste ano tiveram toda a densidade de um acontecimento decisivo para a minha vida, no qual a pessoa está pronta para deixar tudo e seguir. O trabalho da vida continua, mas de um modo diferente, com uma consciência mais certa (diante da esposa, dos filhos, dos alunos para os quais eu aplicava uma prova hoje cedo), mais tensa à única tarefa que me espera como homem.
É verdade: seguir nunca foi uma idéia na minha vida, mas agora é como se fosse mais claro. E pra mim isso ficou evidente olhando para Julián no sábado “de férias”: o seu permanecer, o seu repousar, assim como a simplicidade no relacionamento com todos. Era visí-vel uma tensão contínua que torna o efêmero ver-dadeiro, pois aquilo que muda é justamente o olhar humano sobre as coisas de sempre. Fiquei impressionado com a singular analogia entre o encontro de Julián com o Movimento e o meu encontro, ocorrido “depois de velho”, um ano depois de me casar, mesmo que sempre tenha sido um “bom” cristão. Peço a Cristo que conserve a memória destes dias e sobretudo que me faça sempre mais partícipe do acontecimento que experimentei, na modalidade e lugares que Ele me indicará.
Paolo, Bari – Itália
Despertar da fé
Somos um casal, ambos vindos de famílias católicas praticantes, e ainda pequenos fizemos nossa Primeira Comunhão. Buscávamos desde adolescentes uma brecha no dia-a-dia para iniciarmos nosso Crisma, mas não estávamos abertos a compartilhar nosso tempo em comunidades da Igreja. Ao fazer o Encontro de Noivos com Cristo, encaramos uma realidade completamente diferente da vivência em comunidade cristã que imaginávamos. Fomos surpreendidos e tocados pelo entusiasmo e alegria daqueles que compartilhavam sua vida com Cristo e ao mesmo tempo estavam ali para dividir conosco suas experiências conjugais do dia-a-dia. Quando nos casamos, percebemos que o anseio pelo Crisma era recíproco na vida dos dois, mas que estávamos vivendo às margens, esperando que uma “oportunidade” aparecesse para darmos um espaço em nossa vida para o Senhor. Decidimos, então, começar o curso do Crisma e nos primeiros encontros notamos que, sem perceber, estávamos presos à vida material, éramos muito sensíveis à exposição da mídia, confirmando que para sermos felizes precisávamos somente de nós mesmos. Estávamos reativos ao Mistério. Por meio dos testemunhos de fé dados nos encontros do Crisma, nosso coração foi se abrindo mais a Cristo. A palavra nos tocava, os problemas do dia-a-dia tornavam-se muito pequenos, os medos eram aliviados. Essa vivência do Crisma foi se tornando cada vez mais prazerosa, o Mistério não estava mais tão intangível e nosso coração pedia mais espaço para Cristo em nossa vida. Nesse ínterim, recebemos um convite para participar dos encontros do Movimento Comunhão e Libertação, mas ainda tínhamos receio, pois pairava uma dúvida se estávamos preparados para nos relacionar com um novo grupo católico. O fato determinante foi quando recebemos de presente do nosso orientador do Crisma o livro de padre Giussani. Hoje, a cada encontro de Escola de Comunidade a experiência de vida cristã trocada neste verdadeiro grupo – mais do que amigos – nos leva ao aprimoramento do entendimento da Palavra de Cristo e da vida em Igreja. Podemos afirmar que nossa vida hoje segue o caminho que nosso coração deseja e que sentimos a presença de Cristo cada vez mais relacionada a todos os acontecimentos cotidianos.
Marcos e Daniele, Rio de Janeiro - RJ
Sem abstrações
Caro padre Carrón, não sei o quanto entendi destes Exercícios Espirituais, tão bonitos e dramáticos, mas uma coisa me parece clara: se a forma da resposta de Cristo ao meu desejo é Ele mesmo, a sua doce presença não pode ser algo abstrato. Enquanto você e Cesana falavam, eu olhei à minha volta. Se a sua doce presença é esse povo, não é abstrata. E não pode ser nem genérica. Se a doce presença de Cristo é o rosto dos meus familiares, dos meus amigos, dos colegas ou das crianças que cuido na escola, das pessoas para quem levo a cesta básica a cada 15 dias, dos jovens colegiais e, assim por diante, o rosto de todos aqueles que me foram dados, inclusive o seu, então é claro que posso dar a vida pela obra de um Outro, porque essa obra eu a tenho diante de mim todos os dias, em todos os instantes. E mais dou a vida pela obra de um Outro, mais se tornam minhas, a vida e também as obras. Obrigada por nos recordar que sentimos a falta de Cristo e com o seu testemunho tornar o Mistério mais familiar para nós, até o ponto de podermos dizer tu a Ele.
Antonella, Adria – Itália
A vocação
tem uma forma
Caríssimos, pensando na Fraternidade São José tenho me perguntado sobre as coisas que estão acontecendo, como está o meu envolvimento. Vejo que hoje quem está perto de mim é o padre Vando, a Mercedes e a Cristina e que essa amizade foi um caminho dado para que, dentro da minha pequena liberdade, seguisse, tentasse ser mais fiel a essa história. Descrevo assim porque não foi imediato, fácil ou óbvio, mas digo, agora, ainda sob a forma de intuição, que foi o reconhecimento de que cada vez que eu me confrontava e obedecia às indicações e às circunstâncias, via que era a possibilidade do meu “sim” e que o mais importante era ter sempre presente o porquê fazia isso; não era porque eu queria acertar, porque eram mais inteligentes ou porque deveria obedecer à regra da São José, mas era porque fazer isso me remetia ao que é mais importante para mim: jogar a minha vida inteira nessa companhia. E então o “sim” se tornou “coisa possível”, pois comecei a entender que esse “sim” é algo maior do que a minha pessoa pode fazer, é revestido de uma Presença. Mesmo se neste momento quem está mais perto são algumas pessoas, o rosto de todos os outros é a possibilidade de fazer a experiência de uma amizade verdadeira, porque todos são sinais concretos dessa história. É com cada pessoa do meu grupo da São José que esse rosto é construído, que essa Presença toma forma. Há pouco tempo eu assisti uma cena de amor na novela das 18h em que os personagens declamavam, em pensamento, um poema que me pareceu ser de Camões. A cena foi bonita porque representava, na entrega, o desejo de “algo maior” do casal. Então pensei na questão da minha afetividade, que tem que ser a mesma coisa, só que com a consciência de que esse “algo maior” tem um nome, é algo preciso e que, por isso, só necessito reconhecer. Não é uma substituição ou esforço para que “isso” me complete sei lá do quê e sim perceber que tudo fica pequeno diante disso. Então, o que se tem a fazer é se dobrar a essa realidade e se deixar maravilhar. Mais do que nunca sei que isso precisa ser cada vez mais afirmado e aprofundado para que as circunstâncias não nos engulam e ao tentar responder as perguntas que padre Gianni fez no nosso encontro – O que é Cristo para você? O que é a vocação para você? Como a vocação é vivida naquilo que você faz? O que é a São José para você? O que significa sentir-se definido pelo pertencer a São José? – não dá para não compartilhar essas coisas, mesmo sendo dessa forma, escrita e, como disse, como
intuição.
Beth, São Paulo – SP
Diante do humano
Depois de ler o livro de padre Vincent Nagle, que me marcou muito, pensei em convidá-lo para dar uma palestra na minha faculdade. Estudando Medicina, antes ou depois somos obrigados a nos colocar diante da dor, do sofrimento, da miséria humana, mas também é suficiente que olhemos ao nosso redor para nos depararmos com o limite que parece que nos destrói, que parece impedir a nossa realização. No hospital encontramos médicos que fazem de tudo para não serem tocados pelo que encontram e tornam-se cínicos, ou permanecem tocados, marcados, com uma espera no coração que porém não entendem de onde recomeçar para enfrentá-la. Sendo assim, junto com o Centro Cultural Enrico Manfredini e a Associação Medicina e Pessoa, a Casa dos Estudantes organizou um encontro com ele. Convidamos a diretora da Faculdade de Medicina, todos os professores e todos os nossos colegas.
A diretora gostou muito do convite e do livro que eu lhe presenteei, e também compareceu ao jantar com padre Vincent realizado antes do encontro. Ficou contente e maravilhada diante de tal homem e nos propôs transcrever o encontro para levar aos professores e inserí-lo nas aulas de “Ciências Humanas”, as aulas nas quais deveríamos aprender a entrar em relacionamento com os pacientes. Compareceram ao encontro mais de 200 pessoas. No final uma moça agradeceu Vincent por “ter abertos os seus olhos, por ter feito com que ela mudasse de idéia sobre várias coisas”. Foi embora pedindo para ser avisada sobre os próximos eventos. Uma amiga me disse: “De fato é preciso que comecemos a viver, que levemos a sério o que temos diante de nós: somos chamados a uma radicalidade”. Também estava presente uma senhora norte-americana de Dakota do Sul que, mesmo não entendendo perfeitamente o italiano, expressou o desejo de saber mais sobre o Movimento. Ver um homem com o coração comovido, tão certo e cheio de audácia diante da dramaticidade da realidade, consciente do seu limite, mas
consciente de que nada é mais essencial do que ser amado e abraçado por Quem vence tudo, faz vibrar as cordas mais profundas do coração e faz desejar Tudo.
Anna, Bolonha – Itália
Maternidade
Marília, Daniela e Carolina de São Paulo nos enviaram a carta que receberam de sua amiga Mônica.
Minhas queridas amigas, ontem estava pensando um pouco na vida e me dei conta de algumas coisas que me comoveram muito. Nesses últimos dias aconteceram três fatos interessantes: as férias dos colegiais, o encontro nacional de cantos e a festa de 25 anos da creche Menino Deus. Eu pensava que há uns anos eu estaria pessoalmente envolvida nesses três acontecimentos para cuidar das músicas. É muito bonito ver como o Senhor constrói uma história conosco, pois hoje Ele me pede que cuide de meus dois filhos pequenos, e isso é muito concreto, é físico. Mas minhas “filhas” maiores, que também Ele me deu uns anos atrás, continuam a história, e são vocês que assumem hoje a tarefa que um dia foi pedida a mim. E eu nem pedi nada a vocês com relação às responsabilidades com os cantos que vocês assumiram nesses gestos que eu citei: os pas-sos são seus, a vida é de vocês, a resposta é pessoal (e intransferível!...). Perceber isso é, para mim, um fato muito importante e que me enche de muita gratidão. Gratidão ao Senhor, em primeiro lugar, e também a vocês que, com simplicidade, aderiram àquilo que de grande aconteceu em suas vidas (como disse Carrón na videoconferência a alguns responsáveis do Brasil em junho, isso é que é ser moral: “quando uma pessoa vê um dia bonito e diz que é feio, é imoral. Quando uma pessoa vê uma atração e não se apega, é imoral, a distância vence. Toda a concepção moral não é um moralismo, não é uma coerência, é um ceder a essa preferência”). Nessa história que vivemos, a vida não é um caótico juntar de episódios desconexos entre si, mas uma linha bem delineada. Quando somos dóceis, Ele escreve a história usando nossas mãos.
Mônica, São Paulo – SP
Credits /
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón