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Passos N.64, Agosto 2005

SALVADOR / EDUCAR É UM RISCO

A experiência da
educação na família

por Miriã e Otoney Alcântara

Na relação com a criança, além dos cuidados básicos com saúde e o acompanhamento da instrução oferecida pela escola, o mais importante é que os pais se interessem em introduzir o filho na realidade total. Isso quer dizer que os pais transmitem (mesmo quando não são conscientes de que o fazem) uma hipótese positiva a partir da qual a criança julga e enfrenta toda a realidade. Neste ponto, existem dois desafios: a consciência dos pais desse papel e a influência de amigos e dos meios de comunicação sobre a formação da criança

Como vivemos a educação dos filhos a partir do significado de ser pai e mãe nos dias de hoje? Para responder a essa pergunta procuramos rever nossa experiência partindo do livro de Luigi Giussani, Educar é um Risco (Edusc, São Paulo 2004; nde). Longe de pretender oferecer regras sobre condutas com os filhos, este breve relato visa compartilhar a experiência de paternidade e maternidade com outros educadores, podendo contribuir para um diálogo a respeito do papel da família na educação. Entendemos que esse papel consiste em transmitir uma hipótese positiva para as gerações mais novas.

A posição dos pais
A televisão e os amigos só terão maior influência do que a família no caso em que os pais não se percebem como ativos na formação da criança ou agem segundo referenciais entendidos como modernos, que privilegiam o sentimento no lugar da ação guiada pelo ideal e pelo pertencer a alguém. Essa é a afirmação de Cesana que pudemos constatar na nossa experiência de pais. Os nossos filhos preferem permanecer diante da televisão somente quando não lhe fazemos uma proposta de convivência. É como se a programação de TV substituísse a ausência de algo melhor, como é o relacionamento deles conosco. Dessa observação, começamos a propor momentos para estarmos juntos com eles, sacrificando muitas vezes momentos de descanso e de lazer nos finais de semana. No início, observamos que o compartilhar a vida com a criança abria para um conhecimento maior de quem ela é, de seus gostos e interesses, da necessidade imediata de limites, e também de questões a serem corrigidas com o tempo dentro do relacionamento, muitas vezes contando com o auxílio de amigos em diálogos sobre alguma dificuldade ou comportamento manifestado pela criança. Reconhecendo a importância do convívio com os filhos, passamos a planejar o tempo de trabalho procurando conciliá-lo, na medida do possível, com as tarefas de organização da casa e de relacionamento do casal, priorizando o proveito de pequenas quantidades de tempo livre como o caminho feito até a escola, o almoço e o jantar para fazer orações e sustentar diálogos e brincadeiras.
Tomando a frente na organização do dia, não só no aspecto material, mas principalmente na direção do nosso olhar sobre a criança, procuramos sempre chamá-la para perto de nós. Ao contrário da tendência a oferecer insumos para distraí-las e, assim, ficarmos mais “tranqüilos” para ocuparmo-nos com outras atividades (à primeira vista mais importantes ou prazerosas), passamos a assumir mais o drama de nos colocar disponíveis para as necessidades delas.
Percebemos que este é o primeiro ponto da transmissão da hipótese positiva de que fala Giussani: reconhecer que os filhos nos são dados, e a nossa principal resposta a esse chamado é o interesse verdadeiro por eles, pela disponibilidade em ocupar-nos com suas necessidades, a partir do reconhecimento da importância deles para nos realizarmos enquanto pai e mãe. Para que isso ocorra, é necessária uma decisão, é preciso que “eu” opte entre a satisfação das minhas múltiplas necessidades pessoais insatisfeitas no curto espaço de tempo que me resta entre um trabalho e outro, e o contrário disso, que é priorizar algumas dessas necessidades, as essenciais, e manter o olhar aberto aos filhos.
O segundo passo veio a partir daí, e foi a possibilidade de julgar a experiência da criança a partir do nosso ponto de vista educativo. Isso implica em sustentar no tempo e aprofundar a relação com os filhos e com o cônjuge, a partir da experiência com uma comunidade que segue um ideal. Nesse horizonte, surgem as tradições e as redes de relacionamento que fundamentam esse ponto de vista educativo. É interessante ver o desdobrar-se no tempo desta tarefa que é educar e ser educado, que não se esgota, mas, ao contrário, implica em uma contínua retomada, passando por momentos que incluem cansaço, preocupação e, até mesmo, perplexidade pelo que acontece à nossa volta. Nesse sentido, somos alimentados continuamente pelo olhar a Cristo e à nossa comunidade.
Ao contrário do que aparenta à primeira vista, convidar a criança a julgar sua experiência a partir do que pai e mãe lhe dizem por meio de atos e palavras não é autoritarismo, mas é conseqüência do interesse verdadeiro pelo outro; a modalidade pela qual agir com o objetivo de tomar conta do que nos é dado, a resposta à nossa tarefa de pais.
Em relação à programação da TV, começamos a assistir a filmes e a alguns desenhos animados junto com eles e a dar critérios para julgar até que ponto são bons ou prejudiciais, em diálogos conduzidos de forma natural nos quais eles aprendem a reconhecer e a selecionar os programas para assistir. O mesmo ocorre na escolha de amigos na escola, na forma como se portar em casos de discussão e de brigas, na forma como considerar as orientações dadas pelos professores, na assiduidade à escola e aos exercícios didáticos.
Passamos a partilhar detalhes importantes da vida deixando claro que também temos limites. Há momentos em que o diálogo não é possível, seja por cansaço, seja por falta de tempo ou por ser necessário que fiquemos afastados por motivos de viagem ou pelo trabalho. E pouco a pouco as crianças aprenderam a reconhecer que nem sempre podem satisfazer suas necessidades em relação à nossa presença. Entenderam que precisam tomar decisões e utilizar as orientações dos momentos em que conversamos em sua conduta quando estão sozinhas, com amigos ou outros adultos.
As crianças também aprendem que não podem adquirir tudo o que querem, pois também procuramos transmitir a elas o valor do trabalho que no seu caso é estudar, e o valor do dinheiro, oferecendo a idéia de que há prioridades a serem satisfeitas no ato de comprar. Não se pode ter tudo e se deve diferenciar o que é supérfluo e, portanto, de interesse da propaganda e da moda passageira, daquilo que é necessário ter.
Todo o conhecimento que surge desse relacionamento nos parece uma vantagem para eles e também para nós que nos sentimos realizados em sermos pai e mãe.

A hipótese positiva orienta o agir
Observamos que as crianças manifestam curiosidade e interesse em conhecer a tradição, seja no contato com a arte e a história (da humanidade e do Brasil), como também a respeito do significado da vida na terra. Elas expressam esse desejo de compreender o real não só quando nos pedem para contar histórias, mas também em encontros e diante de fatos. Essas circunstâncias suscitam perguntas sobre a origem e o fim da vida, o por quê da morte e do mal, a paternidade que gera cada ser existente. São perguntas e observações agudas que surgem de maneira às vezes inesperada e espontânea ou, ainda, são provocadas por circunstâncias particulares que podem ir desde os assuntos de disciplinas da escola, em visitas a amigos com diferentes condições sociais, ou por ocasião de doença ou morte; seja pelo nascimento de uma criança deficiente; em visitas a lugares sagrados, ou ainda, em locais de trabalho ou onde se pode entrar em contato com a natureza, etc. Não apenas nós, mas certamente muitos pais podem contar frases e feitos inesperados e até mesmo engraçados realizados pelos filhos, com variações de acordo com seu temperamento e características da idade. Às questões postas pelo filho, o adulto pode responder com uma frase que lhe vem à mente ou ainda com uma ‘história moral’, mas esses momentos se mostram de maior riqueza quando é aproveitado para iniciar um diálogo amigável onde novos elementos são colocados em jogo. Esses elementos são agregados e levam a formar um juízo sobre o fato que é dialogado. É evidente que a origem do juízo é a experiência do adulto e o seu confronto com um ideal e com pessoas às quais pertence. No nosso caso, esse espaço é o Movimento Comunhão e Libertação e a Escola de Comunidade. Outros movimentos que fazem parte da tradição e da história da Igreja Católica oferecem uma resposta a essas questões. Também podemos encontrá-las no ponto de vista de um adulto que vive uma espera e uma abertura a essas perguntas. Para que esse diálogo possa acontecer, os pais têm que se deixar tocar pelas perguntas e buscar respostas, fazendo também eles uma experiência de encontro e de pertença.
Na medida em que a criança e o pai/mãe se deparam com o significado dos sinais que suscitam o diálogo, sentem-se correspondidos e amados uns pelos outros, nascendo um grande afeto entre pais e filhos que se torna cada vez mais sólido nos momentos de oração. Por meio desse relacionamento, as duas gerações são renovadas na consciência do valor da existência do outro em sua vida e inseridas mais uma vez na compreensão das razões pelas quais vale a pena viver (trabalhar, estar em família, amar, ser amigo) e morrer.
Essa dedicação à criança possibilita inseri-los no caminho da verdade, transmitindo-lhes a certeza de que a positividade de tudo o que é criado e nasce do encontro é renovado pela oração. Portanto, fica cada vez mais evidente que o caminho não é vencer a criança por meio de argumentos eficazes em um diálogo supostamente “bem construído”, mas é alcançá-la com afeto, valorizando aquilo que nos conta e acolhendo-a dentro do nosso pedido e oferta a Deus sem negar ou camuflar a vida como ela se mostra.
Para nossa experiência de pais e de cônjuges, acompanhar as crianças num percurso educativo tem se mostrado um constante renovar-se dos motivos que nos mantém juntos dentro do casamento: o encontro feito e o desejo de responder-Lhe por meio de todas as circunstâncias que Ele nos oferece

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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