A experiência da dor, da loucura. O desafio de uma esperança sempre possível. Participação no sofrimento do outro, indo além da neutralidade emocional
Eugenio Borgna: livre-docente em Clínica de doenças nervosas e mentais da Universidade de Milão, responsável pelo serviço de psiquiatria do Hospital de Novara e “protagonista da psiquiatria fenomenológica”, como o denominou Claudio Risé, acenando para a profundidade da sua obra. Ao explicar o título do encontro para o qual o Centro Cultural de Milão o convidou (“A negação da alma e o mal-estar contemporâneo: o senso religioso no tratamento psicológico”), Borgna deu, sobretudo, um testemunho de humanidade: “Costumamos considerar cada um de nós como portador de significado, de dignidade humana, na medida em que se faça parte de uma normalidade abstrata, que é sempre uma normalidade da qual foi retirada a dor, o senso profundo de participar da dor alheia”. Ao nome de “psiquiatria fenomenológica”, Borgna prefere o de “psiquiatria da interioridade”, que não prescinde da alma, sem a qual, aliás, o homem não pode entender o significado do que acontece na própria vida. Ao contrário do conhecimento comum da alma como algo totalmente imaterial, indecifrável, parecendo mesmo inexistente, Borgna afirma que a alma existe e pode ser sentida: é, pois, um fenômeno.
A dimensão do infinito
A psiquiatria da interioridade propõe-se a acompanhar aquele que sofre em sua caminhada para descobrir o sentido que se esconde na vida, em todos os seus aspectos. “A psiquiatria deve recuperar os significados humanos daquelas que nós consideramos experiências diferentes das costumeiras”: nem mesmo a loucura é uma experiência desprovida de sentido. Trata-se de uma abertura extraordinária não só do pensamento, mas também da humanidade, porque uma tão intensa tensão para a pessoa é o que permite a Borgna assisti-la – gostar dela – e não apenas analisá-la. É o que lhe permite dizer: “Às vezes, as nossas vidas podem decorrer sem que a dor deixe nela suas marcas, mas ai de nós se não formos capazes de considerar a dor dos outros, como também a nossa possível dor; ai de nós se não conseguirmos entender a dor do outro, que olha para nós e, talvez, pede ajuda sem dizer nenhuma palavra”.
Não podemos ignorar a dimensão do infinito, do indecifrável, que é o que caracteriza principalmente o homem.
Borgna lembra de um encontro ocorrido há muitos anos em Corvara, onde, junto com o padre Giussani, falou-se do sentido da vida, da dor, da dificuldade de se entender o que o outro está vivendo, e da facilidade de se perceber isso “quando a luz religiosa vive em nós”. Se a luz religiosa vive em nós – se percebemos que não somos capazes de explicar de modo exaustivo o que acontece na natureza e em nós; se percebemos que dependemos de Deus; numa palavra, se percebemos o quanto a vida é misteriosa –, sem dúvida fica mais fácil, diante de uma pessoa que sofre, identificar-se com ela, sem procurar explicar algo que é impossível racionalizar, como a dor.
O homem é misterioso: eis a constatação que nos leva a não condenar aqueles que são marcados pela experiência da loucura, e considerar a loucura como sinal não só da miséria humana, tão evidente nas manifestações psicopatológicas, mas também da grandeza humana, que se expressa nessa permanente vontade de entender, de resolver as contradições. O desafio – para todos, não só para os psiquiatras – é esperar: “se não existe esperança em nós, apagamos também as esperanças que existem nos outros”; ou seja, se não há, em nossa vida, a percepção da positividade, não podemos pretender transmiti-la para a vida dos outros.
Envolvimento e compartilhamento
A psiquiatria de Borgna é a psiquiatria do envolvimento, do compartilhamento, “da participação emocional no destino dos outros”, evocando assim aqueles belos escritos de Edith Stein em que ela descreve a experiência da identificação.
Foram muitas as citações literárias – Leopardi, Santo Agostinho, São Paulo, Novalis, Levinas, Heidegger – que confirmaram sua grande paixão não só pela psiquiatria, mas por qualquer descrição que capte a dignidade e a unicidade do homem. Sua ciência baseia-se numa estima infinita pela inexaurível criatividade do ser humano, ainda que enfermo, ainda que demente. Em seu último livro, O rosto sem fim, é reforçada a mesma atitude: “Somente quando aquele que cuida e dá assistência [ao doente] tem a percepção aguda e indelével de que na loucura há significados e valores a serem re-conhecidos, respeitados e acolhidos com gentileza de espírito e com amor, somente então o assistido será ajudado a crer na esperança e na expectativa da cura”.
O que se deve fazer para olhar o doente desse jeito? Eugenio Borgna responde enfaticamente que o desafio a que todos são chamados é observar e respeitar as contradições, “recuperar o mistério da vida do outro”. Em suma, é possível dilatar a nossa compreensão humana; é possível participar do sofrimento do outro, não nos tornando todos psiquiatras, mas liberando, na medida do possível, a nossa humanidade. “Um gesto, o mais banal e corriqueiro como o estender a mão a uma pessoa, significa, às vezes, abrir uma fresta na solidão e na dor da pessoa que temos diante de nós”. Para que o outro não se sinta só, é preciso superar a distância entre aquilo que sentimos e aquilo que o outro sente; ou seja, é preciso libertar-nos daquela neutralidade emocional, daquela distância que comumente consideramos ser condição para um relacionamento seguro e objetivo.
Oração e contemplação
A psiquiatria chamada “da exterioridade” baseia-se nessa distância: não se preocupa em “ouvir” o homem que está diante de si, mas apenas em analisar os seus comportamentos, ignorando que estes possam ter um sentido diferente de um mero “defeito” neuroquímico ou neurofisiológico. Assim, a psiquiatria é totalmente absorvida pela neurologia: a alma do homem perde-se no seu sistema nervoso.
Participar do destino e do sofrimento do outro é resultado de um mistério – conclui Borgna –, pois não se trata de algo automático, mas depende sempre dessa tensão para o homem, que permite conhecê-lo em sua totalidade, em seu ser inevitavelmente misterioso; não simplesmente em seus limites, em seu “mau funcionamento”. “O mistério tem em si pelo menos um vestígio daquilo que, às vezes, só podemos captar com a contemplação ou com a prece, se é que cremos nessas formas de participação no destino dos outros.”
Oração e contemplação soam, na boca de um cientista, como palavras estranhas: são correntes no dia-a-dia, mas absolutamente inovadoras e revolucionárias num contexto científico, no qual é novidade encontrar a exaltação do aspecto misterioso do homem, e não só o material.
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Eugenio Borgna é italiano, nascido no dia 22 de julho de 1930 em Borgomanero. Formou-se em Medicina em 1954 pela Universidade de Turim, obtendo a especialização em doenças nervosas e mentais em 1957. É professor livre docente na Universidade de Medicina de Milão desde 1962. De 1970 a 1978 foi diretor do hospital psiquiátrico de Novara, e a partir de 1978 tornou-se responsável pelo serviço de psiquiatria do Hospital Maggiore de Novara. Em diversos trabalhos Borgna abordou o tema da psicopatologia de depressão e de esquizofrenia. É autor de vários ensaios.
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