A mudança do Código Civil espanhol para permitir o chamado casamento homossexual contradiz o bom senso, a natureza e a história do Ocidente. É a última iniciativa tomada pelo governo Zapatero, que tomou posse logo depois do atentado de 11 de março de 2004. A Igreja está de olho
Como o Movimento viveu esses meses de batalha cultural? E qual o seu ponto de vista, frente à mentalidade dominante? É urgente recolocar em discussão a questão educacional
Falam, nestas páginas, Javier Prades e três importantes jornalistas de Madri
Depois dos atentados de 11 de março de 2004 e da virada eleitoral de 14 de março, a realidade da Espanha passou por uma reviravolta. O Partido Socialista optou por uma política radical, que está impondo à sociedade um programa utópico, que não nasce de reais exigências sociais, mas de uma posição ideológica. As reformas legislativas promulgadas recentemente têm um duplo objetivo: de um lado, procuram relançar o lema de 68 de “revolta contra o pai” (no sentido mais amplo da palavra: revolta contra tudo o que veio antes); do outro, querem superar a transição política espanhola e a Constituição de 78.
Paradoxalmente, o governo é a instância que está promovendo uma política de ruptura do consenso social e constitucional, sobre o qual se apóia a convivência dos últimos 30 anos da nossa história.
O poder político – apoiado por setores muito poderosos da mídia – cria uma situação de desafio social e cultural, que força uma tomada de posição. Esse desafio apresenta-se como uma oportunidade – não buscada – de despertar a própria consciência e de contribuir para o bem do nosso povo.
Antes de descrever como nos movemos neste último ano, é bom colocar que os últimos anos de governo do Partido Popular já nos haviam levado a julgar algumas iniciativas, injustas tanto com a sociedade quanto com a Igreja. Basta indicar os manifestos que divulgamos em relação à guerra do Iraque e à tentativa de instrumentalizar a Igreja espanhola em função da luta entre os partidos em relação ao terrorismo.
Muito nos impressionou a insistência com que o padre Giussani, em seus discursos sobre a guerra, evocava a necessidade de uma educação à altura da situação que vivemos, ou seja, à altura das exigências mais profundas do coração humano. Fundamentamos nessa avaliação a nossa posição, seja frente aos acontecimentos sociais e políticos (atentados, eleições legislativas e européias, referendo sobre a Constituição européia), seja no debate com outras posições, laicas e católicas. Talvez a nossa contribuição mais original – como juízo e como ação – seja evocar, a partir do coração desses problemas, aquela educação que nasce dos fatores essenciais da experiência cristã. No povo comum há, ainda, uma abertura à exigência de uma vida plenamente humana, talvez enfraquecida pela mentalidade dominante, mas não cancelada.
De fato, é inútil limitar-se a passar a culpa ao governo ou atribuí-la a uma ideologia estranha à tradição cristã, ainda que não desvalorizemos a gravidade desses fatores. Devemos nos perguntar sobre os resultados da educação em nosso país. O que não funciona? A educação estatal vai perdendo as própria referência ideais, e se reduz a mera instrução e à tentativa de manter a disciplina, como apontam alguns expoentes da esquerda. A educação convencional (escolas de iniciativa social subvencionadas pelo Estado) alcança porcentuais de 30-40%, e é, em sua maioria, católica. Embora na complexidade da situação, deve-se dizer que um grave limite da educação oferecida nas escolas católicas – e, por isso, se mostram fracas na capacidade de gerar personalidades adultas – é a ausência quase total de uma educação cristã do senso religioso. Por várias gerações a ligação entre a pessoa e o seu destino – a sua felicidade – identificou-se quase que exclusivamente com o “dever”. Professores, pais e sacerdotes asseguravam a felicidade – tendencialmente, na outra vida – na medida em que propunham com clareza os deveres que, na educação da liberdade, a levariam a pessoa à própria realização. A palavra “desejo” estava praticamente ausente do vocabulário e da práxis educativa. Não é de se admirar que essa redução do Fato cristão e da natureza do coração do homem tenha tornado meramente formal, para muitos, a pertença à Igreja. Daí, o abandono ou a permanência nela em termos de pura tradição social.
A proposta educativa de Giussani permite reconhecer Deus como fator interno (e transcendente) à experiência cristã, de tal modo que nos reconhecemos como criaturas, como filhos, e não como senhores (e aí pode-se enraizar o “dever”); por outro lado, é abolida toda forma de “escravidão”, pois Deus não é percebido como o limite externo ao meu desejo, mas como a sua interna condição de possibilidade. Nesse sentido, Deus – que se fez homem em Cristo – encontra e pode realizar aquelas exigências dos jovens, que hoje, desconectadas de qualquer referência transcendente, se expressam amplamente como exasperação do desejo e, pois, como insatisfação.
Fiquei particularmente impressionado, depois dos atentados de 11 de março, como se tornou quase que impossível reconhecer na mídia espanhola a exigência sinceramente religiosa suscitada pela tragédia desencadeada pelos atentados, como se a referência a Deus fosse desnecessária para se olhar humanamente as vítimas e as conseqüências tremendas da chacina. Não se ouviu nem mesmo o grito de desespero ou de raiva: Deus pode ser posto de lado, proclamou a cultura dos “intelectuais”. Mas essa censura às exigências humanas, que, apesar disso, permanecem latentes no povo, é em si mesma precursora de graves danos para a convivência civil .
Nestes anos, estamos procurando identificar-nos com a proposta integral de vida que padre Giussani fez a cada um de nós e a todos. Qualquer tomada de posição pública – da participação nas grandes manifestação do 12-M, 4-J ou 18-J aos panfletos de avaliação – ou iniciativas de encontro são tentativas de fixarmo-nos nesse olhar sobre a realidade como um dado, como dom que convoca nossa liberdade a aderir, a construir a sociedade.
O testemunho insistente de padre Carrón sobre o trabalho da Escola de Comunidade vai lentamente abrindo caminho, e começa a obter frutos de personalização nas circunstâncias quotidianas. Torna-se, também, a fonte de iniciativas da parte de alguns adultos. Penso, sobretudo, nas obras educacionais nascidas em Villanueva de la Cañada e em Madri, mas também no grupo espanhol Famílias para a Acolhida e em todos aqueles que se empenham em acompanhar as famílias, ou em iniciativas culturais como Encuentro Madrid. Para favorecer a consciência de que a educação é nosso maior bem e, ao mesmo tempo, a nossa responsabilidade para com todos, estamos lançando uma campanha intitulada “Tempo de educar”, que, a partir de junho e por todo o próximo ano letivo, envolverá os indivíduos e as nossas realidades associativas num trabalho de aprofundamento e de difusão da concepção cristã do padre Giussani, envolvendo o mais possível personalidades e realidades sociais, com o objetivo de suscitar uma realidade popular.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón