A profissão de médico na África. A Fraternidade e o retorno à Alemanha. A adesão à realidade torna-se a descoberta do dom da liberdade
Quando eu era menino, queria estudar Medicina. Minha irmã sofria de um tipo de debilidade física e mental e o meu desejo ingênuo era de poder curá-la. A desproporção evidente entre a falta de possibilidade para minha irmã e aquilo que eu pensava ser o seu merecido destino como ser humano levava-me a querer resolver este problema, queria que alguma coisa mudasse.
Realmente estudei Medicina e, durante os anos de Universidade, em Friburgo, encontrei algumas pessoas que me fascinaram pelo modo com o qual estavam juntas e viviam uma amizade. Depois que me formasse, eu queria trabalhar em algum país do terceiro mundo e pensava na América Latina porque meu pai tinha morado lá durante muitos anos. Por meio de um amigo, acabei, no entanto, chegando a Kitgum, no norte da Uganda, onde conheci alguns médicos e famílias em missão. Fiquei tocado ao ver como eles viviam uma fraternidade e como os africanos acolhiam aquela proposta de amizade porque correspondia ao desejo de seus corações. Alguns anos depois de formado parti para Kitgum com o desejo de aprofundar essa experiência e de ajudar as pessoas com a minha profissão. Imediatamente repetiu-se a experiência da desproporção entre o desejo de felicidade das pessoas e a realidade de pobreza e doença em que se encontravam. A realização do desejo que tinham parecia distante e impossível.
Tentativas de resposta
Percebi que há duas maneiras de reagir a esta situação: a primeira, achando que a realidade deve ser aceita na sua arbitrariedade, como algo impossível de influenciar. Sou uma vítima, um observador e devo resignar-me às dificuldades.
Na segunda postura, a preocupação principal é a de resolver os problemas, olhando para cada coisa como uma questão técnica a ser enfrentada com habilidade inteligente e isto pode chegar ao ponto de me levar a distorcer a realidade, vendo-a como eu a quero fazendo com que a única questão seja a de financiar meus próprios projetos. Muitas vezes fui testemunha deste fato, pois trabalhei obsessivamente por quase 15 anos em projetos de saúde pública em alguns países da África. No primeiro caso, o preço de aceitar a minha fragilidade pode conduzir a uma passividade ou a um desespero. Na segunda hipótese a liberdade de exprimir um gesto positivo tende facilmente a propor um sistema perfeito que pretende resolver o problema. Mas, a experiência mostra que o sucesso não permanece e que nós não somos capazes de ser coerentes.
O denominador comum é que o essencial, aquilo que busco, a minha felicidade, a justiça, encontra-se diante de uma realidade onde a resposta não existe. Às vezes reduzo o meu desejo ao nada (porque penso que ele não é útil) e, às vezes, reduzo-o à minha capacidade de criar (e isto não basta). Percebi que eu não me bastava e que, no fundo, não era aquela a resposta que eu buscava, que eu estava confuso porque não entendia o que Cristo e a realidade tinham a ver com o meu desejo.
A realidade chama
Depois de seis anos de permanência em Kitgum no hospital missionário, voltei com minha família para a Alemanha, para terminar a especialização e porque a situação política no norte da Uganda estava piorando e não permitia mais uma vida normal à nossa família (naquela época minha quarta filha acabara de nascer). Nunca tínhamos saído de Kitgum e a separação dos amigos foi dolorosa, mas a realidade nos mostrava outro caminho. Depois de passar um ano na Alemanha, por uma ocasião providencial tive a oportunidade de voltar à Uganda, a Kampala, como coordenador médico de projetos de saúde no leste da África, por intermédio de uma agência católica alemã. Foi bonito e interessante poder exprimir por meio de projetos de saúde em países difíceis como o Sudão, Congo e Angola, um gesto de proximidade e ajuda para tantas pessoas. Depois de dois anos fomos transferidos para Nairobi, no Quênia, pela mesma organização. Desta vez também vivemos a dor da separação, mas Cristo nos acompanhou na amizade concreta com as pessoas da fraternidade e com quem era o guia do Movimento.
Exatamente no Quênia vimos nascer em volta da Fraternidade de Elena, Stefano e Leo um grupo de famílias quenianas que, vendo a nossa experiência desejava para si um lugar semelhante de amizade e compartilha. No Quênia, como em geral na África, a educação dos filhos é tarefa da mãe e falar abertamente dos próprios problemas familiares é tabu. Junto com Roman, Joaquim, Peter, Judith, Henry, Jane e Consolata freqüentemente julgamos juntos como estar diante do trabalho, como educar as crianças e as dificuldades vividas em certos momentos. A Fraternidade me ajudou a olhar com mais interesse os aspectos da minha vida. Todas a lutas particulares tornam-se importantes. Somos colocados juntos para descobrir algo grande no cotidiano. Isto coincide mais com o meu desejo de felicidade. Para mim, foi como uma estrada que parte da minha percepção ou dos meus conceitos, mas ao mesmo tempo vai além deles.
Normalidade cotidiana
Agora que voltei à Alemanha, a vida, em toda a sua complexidade, me obriga a responder a muitos desafios. No trabalho, freqüentemente me encontro diante de situações difíceis que não são como eu pensava, onde não consigo contentar a todos. As crianças não são como eu esperava e a vida familiar é um desafio contínuo. Em resumo, há sempre uma coisa que falta. Sou grato porque também aqui os amigos me ajudam a estar atento, ou melhor, a ser obediente a algo que já se vê, agora.Continuo a trabalhar no campo médico, mais especificamente em projetos que cuidam de lepra, tuberculose, HIV e outras doenças em mais de 35 países no mundo.
Nesta amizade continuo a aprender a diferença entre generosidade e uma nova maneira, verdadeiramente humana, de olhar para todas as coisas. Uma iniciativa que proponha uma técnica ou uma astúcia para resolver os problemas cotidianos, mas que não tenha a ver com o meu destino não durará muito, não permanecerá interessante por muito tempo, não basta. Se todas as necessidades cotidianas são olhadas com a consciência de que elas têm a ver com o meu desejo de felicidade, se uma iniciativa é expressão de algo que existe, esta coisa vale mais. A vida tornou-se mais interessante. É mais humana e mais completa porque vence a fragmentação e valoriza todos os aspectos da vida. No fim é uma questão da minha liberdade que coloco em jogo. O que digo é verdadeiro porque fiz uma experiência que corresponde mais. Não significa que consigo vivê-la em todos os momentos mas comecei a entender que, se jogo a minha liberdade, se me abro a este juízo novo, se abraço esse olhar sobre mim, isto coincide mais com a minha felicidade e me dá uma serenidade mais completa. A realidade é mais do que algo a ser esquecido ou superado.
Uma liberdade maior
Dar a minha vida pela obra de um Outro, para mim, significa exatamente isto: dar a Ele, quer dizer, à Sua presença real no mundo a coisa mais preciosa da minha vida: a minha liberdade. E isso significa perguntar mais a Ele sobre o que Ele quer de mim, permitindo que Ele entre em todos os aspectos da minha vida: confrontar todas as minhas idéias em relação ao trabalho, as minhas soluções sobre a educação dos nossos filhos, o modo de organizar o meu tempo livre. A solução de todos os problemas não é o meu juízo último. Assim, dando a minha liberdade, recebi uma liberdade maior.
Para mim a companhia significa o lugar onde deve crescer a afeição a Cristo. Estou certo de que os amigos me ajudarão a entender que Ele não apenas indica a resposta mas é a resposta. Vi que Ele não é um sonho, mas uma realidade misteriosa para ser experimentada neste mundo.
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón