Muito esperado nas salas de cinema, o último filme de Scott decepciona boa parte da crítica. Entre interpretações e distorções, a verdade histórica dos fatos desaparece. Assim como a do cristianismo
No centro do filme de Ridley Scott, Cruzada, está a heróica defesa de Jerusalém. O povo cristão, guiado por Baliano de Ibelin, embora inferior em número, detém o imenso exército de Saladino, e concede aos inimigos o salvo-conduto para a Europa. Estamos no final do século XII. Para quem ama o épico da kolossal, esta parte da ação e o exército em combate vale o preço do ingresso. As máquinas de guerra leonardianas idealizadas pelo genial Baliano, a idéia forte de uma amizade entre cavaleiros prontos a morrer pelos inocentes, os combates com armas brancas cimitarras (sabre oriental de lâmina larga e recurva e que tem um só gume) e espadões (espada larga e pesada que se manejava com ambas as mãos) são um espetáculo. Mas o resto... O resto é uma tragédia, não no sentido grego, porém. Uma destruição da verdade histórica e, sobretudo, um preconceito mais profundo: uma distorção absoluta daquilo que o cristianismo era então e é hoje.
O cristianismo na Idade Média
Para Scott, o cristianismo vivido naquele tempo era uma espécie de superstição na mão de bispos sem fé, uma seqüência de condenações insuportáveis e assassinos. A salvação e a redenção dos homens, segundo a conclusão contida neste filme, virá pela obediência aos eternos mandamentos. Esta é a idéia new age em que a possibilidade do reino de Deus na terra está em escutar os nossos bons sentimentos, no pêssego em flor ou na fuga em paisagens românticas. Em suma, a redenção, para Scott, vem do próprio homem. É esta a verdadeira tragédia e a verdadeira mentira. Cristo encarnou-se justamente para redimir o homem, incapaz de construir o bem somente com suas mãos. O inferno de todas as utopias é exatamente este: o instante de pureza transforma-se rapidamente em pretensão de capacidade de realizar um mundo justo, de onde nasce toda infelicidade.
Para Scott, Jesus e Maomé são profetas ausentes. Ambos queriam a paz, mas, depois, chegaram os maus, especialmente os cristãos. Para existir um mundo bom, é necessário escutar as recomendações dos profetas, combatendo as várias estruturas das religiões. Dentro deste panorama ideológico, os ajustes ou as verdadeiras e próprias falsidades históricas ficam em segundo plano, mesmo sendo funcionais à tese do autor. Marco Meschini, Alberto Leoni e Giorgio Rumia as evidenciaram bem. O cristianismo medieval é falsamente visto como uma pura soma de males e a civilização dele nascida é considerada uma fonte venenosa de misérias e maldades. Na batalha, Jerusalém, reconstruída pelos árabes, é um sonho. As figuras dos sacerdotes e dos bispos são cruéis e nefastas e os cavaleiros templários são deturpados a ponto de serem transformados em claros homicidas. Ao contrário, Saladino é (justamente) visto como soberano equilibrado, esquecendo ou justificando, por isso, os episódios de destruição realizados por ele. Esconde-se que foram os muçulmanos que partiram para conquistar o mundo, enquanto a atitude cristã foi uma resposta, um modo para sitiar o invasor o mais distante possível dos próprios confins.
A cavalaria
Na trama do filme, porém, há algo de bonito e santo. Por exemplo, o motivo pelo qual Baliano se agrega aos cruzados, entre os quais está o pai, é verdadeiro e bem mostrado: o pedido de perdão. Tinha matado. Ir a Jerusalém, até o sepulcro vazio, era um gesto de mendicância absoluta, um colocar-se nas mãos da misericórdia. Isso é real e muito bonito, assim como a idéia colocada em evidência por Baliano sobre a defesa do povo unido, a lealdade e o socorro aos desarmados e a vontade de diálogo com os muçulmanos, não por motivos de poder, mas por uma justa convivência. O autor do filme, porém, cala e inclusive nega a origem destes valores, quase como se eles nascessem em contradição com o cristianismo. Ao invés – dizem-no os historiadores e mostra-o a evidência de uma experiência cristã hoje –, eles estão na raiz do relacionamento com Cristo. Não um Cristo filósofo ou sapiente, mas como companhia de Deus que torna a vida mais humana. A cavalaria nasceu assim, de uma amizade com Cristo.
Infelizmente, esse filme sobre as cruzadas torna-se ele mesmo uma cruzada contra as raízes cristãs da Europa. Quer arrancá-las e faz com que sejam odiadas. Como se a paz no mundo e o verdadeiro progresso nascessem da renúncia à identidade, da renegação da Igreja. Sabemos bem que não é assim. A única esperança nesse deserto é o Mistério desta Presença na história.
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