O XXIV Congresso Eucarístico Italiano foi realizado em Bari de 21 a 29 de maio e teve como tema “Sem o domingo não podemos viver”. O escândalo de um Deus que, além de fazer-se homem, se faz pão e vinho para os homens de todos os tempos. A Eucaristia como o coração da Igreja e sacramento de unidade com os irmãos separados. O testemunho de Bento XVI
Homilia do Papa Bento XVI ao encerrar o Congresso Eucarístico Nacional Italiano. Bari, 29 maio de 2005.
"Glorifica o Senhor, Jerusalém, louva Sião a teu Deus.” O convite do salmista expressa muito bem o sentido desta celebração eucarística: nos reunimos para louvar e bendizer ao Senhor. Essa é a razão que levou a Igreja italiana a encontrar-se aqui, em Bari, por ocasião do Congresso Eucarístico Nacional. Eu também quis unir-me hoje a todos vós para celebrar com particular relevo a solenidade do Corpo e do Sangue de Cristo e, deste modo, render homenagem a Cristo no Sacramento de seu amor, e reforçar ao mesmo tempo os vínculos de comunhão que me unem com a Igreja que está na Itália e com seus pastores. Nesta importante reunião eclesial também teria querido estar presente meu venerado predecessor, o Papa João Paulo II. Sentimos que ele está próximo de nós e que conosco glorifica a Cristo, bom Pastor, a quem ele pode contemplar já diretamente.
Saúdo com afeto todos vós que participais nesta solene liturgia (...). Este Congresso Eucarístico, que hoje chega a sua conclusão, quis voltar a apresentar o domingo como “Páscoa semanal”, expressão da identidade da comunidade cristã e centro de sua vida e de sua missão. O tema escolhido, “Sem o domingo não podemos viver”, remonta-nos ao ano 304, quando o imperador Diocleciano proibiu os cristãos, sob pena de morte, de possuir as Escrituras, reunir-se no domingo para celebrar a Eucaristia e construir lugares para suas assembléias. Em Abitene, pequena localidade no qual hoje é a Tunísia, em um domingo se surpreenderam 49 cristãos que, reunidos na casa de Otávio Felix, celebravam a Eucaristia, desafiando as proibições imperiais. Presos, foram levados a Catago para serem interrogados pelo pró-cônsul Anulino.
Em particular, foi significativa a resposta que Emérito ofereceu ao pró-cônsul, após questionado sobre o motivo pelo qual haviam violado a ordem do imperador. Disse-lhe: “Sine dominico non possumus”, sem reunir-nos em assembléia no domingo para celebrar a Eucaristia não podemos viver. Faltariam-nos as forças para enfrentar as dificuldades cotidianas e não sucumbir. Depois de atrozes torturas, os 49 mártires de Abitene foram assassinados. Confirmaram assim, com o derramamento de sangue, sua fé. Morreram, mas venceram: nós os recordamos agora na glória de Cristo ressuscitado.
Temos de refletir também nós, cristãos do século XXI, sobre a experiência dos mártires de Abitene. Tampouco é fácil para nós viver como cristãos. Desde um ponto de vista espiritual, o mundo no qual nos encontramos, caracterizado com freqüência pelo consumismo desenfreado, pela indiferença religiosa, pelo secularismo fechado à transcendência, pode parecer um deserto tão duro como esse deserto “grande e terrível” (Dt 8, 15) do qual nos falou a primeira leitura, tomada do Livro do Deuteronômio. Deus saiu em ajuda do povo judeu em dificuldade com o dom do maná para dar-lhe a entender que “não só de pão vive o homem, mas que o homem vive de tudo que sai da boca do Senhor” (Dt 8, 3). No Evangelho de hoje, Jesus nos explicou qual é o pão ao que Deus queria preparar o povo da Nova Aliança com o dom do maná. Aludindo à Eucaristia, disse: “Este é o pão descido do céu; não como o que comeram vossos pais, e morreram; quem comer deste pão viverá para sempre” (Jo 6, 58). O filho de Deus, fazendo-se carne, podia converter-se em Pão e deste modo ser alimento de seu povo em caminho para a terra prometida do Céu.
Temos necessidade deste Pão para enfrentar os esforços e cansaços da viagem. No domingo, dia do Senhor, é a ocasião propícia para tirar força dEle, que é o Senhor da vida. O preceito festivo não é, portanto, um simples dever imposto desde o exterior. Participar na celebração dominical e alimentar-se do Pão eucarístico é uma necessidade para o cristão, que deste modo pode encontrar a energia necessária para o caminho que irá percorrer. Um caminho que também não é arbitrário: o caminho que Deus indica através de sua lei vai para a direção inscrita na essência mesma do homem. Segui-lo significa para o homem realizar-se, perdê-lo é perder-se.
O Senhor não nos deixa sós neste caminho. Ele está conosco, e mais, deseja compartilhar nosso destino até conformar-se conosco. No colóquio que nos acaba de referir o Evangelho, diz: “Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6, 56). Como não alegrar-nos por uma promessa assim? Contudo, escutamos que, ante aquele primeiro anúncio, o povo, em vez de alegrar-se, começou a discutir e a protestar: “Como pode este dar-nos a comer sua carne?” (Jo 6, 52). A dizer a verdade, aquela atitude se repetiu muitas vezes ao longo da história. Pareceria que, no fundo, o povo não tinha vontade de ter Deus tão perto, tão disponível, tão presente em suas vicissitudes. O povo quer que seja grande e, em definitivo, mais bem longe. Propõem-se então questões que querem demonstrar que em definitivo uma proximidade assim é impossível. Mas mantêm toda sua clareza gráfica as palavras que Cristo pronunciou precisamente naquela circunstância: “Em verdade, em verdade vos digo: se não comeis a carne do Filho do homem e não bebeis seu sangue não tereis a vida em vós” (Jo 6, 53). Frente ao murmúrio de protesto, Jesus havia podido retroceder com palavras tranqüilizadoras: “Amigos – poderia dizer – não vos preocupeis! Falei de carne, mas é só um símbolo. O que quero dizer é só uma profunda comunhão de sentimentos”. Mas Jesus não recorreu a estes artifícios. Manteve com firmeza sua afirmação, inclusive ante a atitude de muitos de seus discípulos (Cf. Jo 6, 66). E mais, se mostrou disposto a aceitar inclusive o afastamento dos apóstolos, com tal de não mudar para nada o caráter concreto de seu discurso: “Também vós quereis partir?” (Jo 6, 67), perguntou. Graças a Deus, Pedro deu uma resposta que hoje assumimos também nós, com plena consciência: “Senhor, a quem iremos? Só Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6, 68).
Na Eucaristia Cristo está realmente presente entre nós. Sua presença não é estática. É uma presença dinâmica, que nos faz seus, assimila-nos a ele. Havia-o compreendido muito bem Agostinho, que, ao provir de uma formação platônica, havia-lhe custado muito aceitar a dimensão "encarnada" do cristianismo. Em particular, ele reagia ante a perspectiva do “alimento eucarístico”, que lhe parecia indigno de Deus: nos alimentos comuns, o homem se faz mais forte, pois é ele que assimila a comida, fazendo dela um elemento da própria realidade corporal. Só mais tarde Agostinho compreendeu que na Eucaristia sucedia exatamente o oposto: o centro é Cristo que nos atrai para si, faz-nos sair de nós mesmos para fazer de nós uma só coisa com ele (Cf. Confissões, VII, 10, 16). Deste modo, introduz-nos na comunidade dos irmãos.
Aqui enfrentamos uma ulterior dimensão da Eucaristia, que quero tocar antes de concluir. O Cristo com o que nos encontramos no sacramento é ele mesmo aqui em Bari, como em Roma, como na Europa, América, Ásia, Oceania. É o único e o mesmo Cristo que está presente no Pão eucarístico de todo lugar da terra. Isto significa que só podemos encontrar-nos com ele junto a todos os demais. Só podemos recebê-lo na unidade. Não é isto o que nos deu o apóstolo Paulo na leitura que acabamos de escutar? Escrevendo aos coríntios, afirma: “Porque ainda sendo muitos, um só pão e um só corpo somos, pois todos participamos de um único pão” (1 Cor 10, 17). A conseqüência é clara: não podemos comungar com o Senhor se não comungamos entre nós. Se quisermos apresentar-nos a Ele, temos de sair ao encontro uns dos outros. Para isso é necessário aprender a grande lição do perdão: não há que deixar que se apodere do espírito a poeira do ressentimento, mas abrir o coração à magnanimidade da escuta do outro, da compreensão, da possível aceitação de suas desculpas, do generoso oferecimento das próprias.
A Eucaristia, repitamos, é sacramento da unidade. Mas, infelizmente, os cristãos estão divididos precisamente no sacramento da unidade. Com maior motivo, portanto, apoiados pela Eucaristia, temos de sentir-nos estimulados a tender com todas as forças para essa plena unidade que Cristo desejou ardentemente no Cenáculo. Precisamente aqui, em Bari, cidade que custodia os ossos de São Nicolas, terra de encontro e de diálogo com os irmãos cristãos do Oriente, quero confirmar minha vontade de assumir como compromisso fundamental o de trabalhar com todas as energias na reconstrução da plena e visível unidade de todos os seguidores de Cristo. Sou consciente de que para isso não bastam as expressões de bons sentimentos. Requerem-se gestos concretos que entrem nos espíritos e agitem as consciências, convidando cada um a essa conversão interior que é o pressuposto de todo progresso no caminho do ecumenismo (Cf. Discurso de Bento XVI aos representantes das igrejas e comunidades cristãs e de outras religiões não-cristãs, 25 de abril de 2005). Peço-vos a todos que empreendais com decisão o caminho desse ecumenismo espiritual, que na oração abre as portas ao Espírito Santo, o único que pode criar a unidade.
Queridos amigos vindos a Bari de várias partes da Itália para celebrar este Congresso Eucarístico, temos de redescobrir a alegria do domingo cristão. Temos de redescobrir com orgulho o privilégio de poder participar da Eucaristia, que é o sacramento do mundo renovado. A ressurreição de Cristo aconteceu no primeiro dia da semana, que para os judeus era o dia da criação do mundo. Precisamente por este motivo, o domingo era considerado pela primitiva comunidade cristã como o dia no qual teve início o mundo novo, o dia no qual com a vitória de Cristo sobre a morte começou a nova criação. Reunindo-se em torno da mesa eucarística, a comunidade se ia modelando como novo povo de Deus. Santo Inácio de Antioquia chamava os cristãos “aqueles que alcançaram a nova esperança”, e os apresentava como pessoas “que vivem segundo o domingo”. Desde esta perspectiva, o bispo antioqueno se perguntava: “Como poderemos viver sem aquele a quem esperaram os profetas?” (“Epistula ad Magnesios”, 9, 1-2).
“Como poderemos viver sem ele?” Escutamos o eco da afirmação dos mártires de Abitene nestas palavras de Santo Inácio: “Sem o domingo não podemos viver”. Daqui surge nossa oração: que os cristãos de hoje voltem a encontrar a consciência da decisiva importância da celebração dominical e que saibamos tirar da participação na Eucaristia o impulso necessário para um novo compromisso no anúncio ao mundo de Cristo “nossa paz” (Ef 2, 14). Amém!
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