Se a moralidade está no definir-se de uma postura justa, também esta é determinada pelo objeto em questão. Se considerarmos uma pessoa que trabalhe dando aulas e outra que trabalhe no caixa de uma agência bancária, a primeira deve ser moral ao ensinar; a segunda, ao descontar os cheques e ao depositar o dinheiro nas contas correntes: são duas dinâmicas diferentes. A moralidade também possui uma dinâmica diferenciada. Ora, de qual aplicação da moralidade estamos tratando? Trata-se de uma postura adequada e justa na dinâmica do conhecimento de um objeto. Queremos descrever em que consiste a moralidade no que se refere à dinâmica do conhecimento.
Se este objeto não me interessa, eu o deixo de lado e me contento, no máximo, com certa impressão que o canto do olho, registrando-o, me transmite. Mas para dar atenção a um objeto de modo que se lhe atribua um juízo, eu devo levá-lo em consideração. Para levar em consideração certo objeto – insisto neste ponto –, devo ter um interesse por ele. O que quer dizer interesse pelo objeto? Um desejo de conhecer aquilo que o objeto verdadeiramente é.
Parece banal, mas não pode ser praticado assim de maneira tão desenvolta, porque nós estamos demasiadamente interessados em considerar e em endossar as opiniões que já temos sobre os objetos, especialmente sobre determinados objetos. Mais precisamente, nós estamos inclinados a permanecer ligados às opiniões que já possuímos sobre os significados das coisas, e a pretender demonstrar nosso apego.
Quando um rapaz está apaixonado por uma moça, e a mãe dele, mesmo tentando ser objetiva e sincera, observa algum inconveniente nela, o rapaz tende a não levá-la em consideração, sacando contra a mãe este ou aquele argumento que lhe assegure a opinião que ele já formou para si a respeito da moça.
Na aplicação ao campo do conhecimento, esta é a regra moral: o amor à verdade do objeto mais do que o apego às opiniões que já formamos sobre ele. Numa palavra, poderíamos dizer: “amar a verdade mais do que a si mesmo”.
Há um exemplo gritante: num âmbito mental como o âmbito criado pelo poder, pelo seu instrumento supremo que é a cultura dominante, experimentemos pensar no que aconteceu a partir da segunda metade do século XIX em relação a Deus, à religiosidade, ao Cristianismo. Todos nós crescemos cercados de muitas opiniões a esse respeito, que absorvemos quase por osmose ou por violência mais aberta, impostas pelo ambiente. Ter de dar juízos verdadeiros acerca desses problemas impõe um grande corte, exige uma penosa liberdade para romper com o apego às impressões já recebidas!
É um problema de moralidade. Quanto mais vital é o valor e, por sua natureza, é proposta para a vida, tanto mais o problema não é de inteligência, mas de moralidade, isto é, de amor à verdade mais do que a si mesmo. Concretamente, trata-se do desejo sincero de conhecer o objeto em questão de maneira verdadeira, mais de quanto estejamos arraigados a opiniões pré-fabricadas ou inculcadas em nós.
* Texto extraído de "O Senso Religioso", Nova Fronteira, Rio de Janeiro 2000, pp. 52-53.
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