O olhar cristão vibra por um ímpeto que o torna capaz de exaltar todo o bem que existe em tudo o que se encontra, enquanto lhe permite reconhecê-lo como participante daquele desígnio cuja atuação será cumprida na eternidade e que nos foi revelado em Cristo.
O ponto de partida do ecumenismo é o acontecimento de Cristo, que é o acontecimento da verdade de tudo que existe, de todo o tempo e o espaço, da história. É o acontecimento da verdade no mundo: o Verbo se fez carne, a verdade se fez presença humana na história e permanece no presente. Esta Presença investe – tende a investir – toda a realidade. Onde há consciência clara da verdade suprema que é o rosto de Cristo, revela-se alguma coisa de bom ao olhar tudo o que se encontra. O ecumenismo, então, não é uma tolerância genérica que pode ainda deixar o outro como estranho, mas é um amor à verdade que está presente, nem que seja como fragmento, em qualquer um. O cristão, toda vez que encontra uma realidade nova, aborda-a positivamente, porque ela possui algum reflexo de Cristo, algum reflexo de verdade.
Nada fica excluído desse abraço positivo: tal universalidade é o resultado da missionariedade ligada à condição do batizado desde que foi escolhido por Deus e ao destino em vista do qual é por Ele escolhido. A tarefa do batizado é a missão universal que Deus lhe comunica como participação à grande missão de Cristo. Portanto, quanto mais ele se lança na missão, mais ele fica pronto a descobrir em cada coisa o bem resíduo, o fragmento, ou o reflexo de verdade. Como eu sou parte da realidade de Cristo, olho as montanhas, a manhã e a tarde, toda a realidade, antes de tudo procurando a raiz última em cada coisa que vejo. E a persuasão de que a verdade está em mim, é comigo, torna-me extremamente positivo diante de tudo: não equivocado, mas positivo. Se existe um milésimo de verdade numa coisa, eu o afirmo. Nasce assim uma aproximação “crítica” da realidade, de acordo com a expressão de São Paulo: “pánta dokimázete, tò kalòn katéchete” (1 Ts 5,21); “examinai tudo e ficai com o que tem valor”, o belo, o verdadeiro, aquilo que corresponde ao critério original de vosso coração.
O acontecimento de Cristo é a verdadeira nascente da postura crítica, enquanto esta não significa encontrar os limites das coisas, mas descobrir-lhes o valor. A este propósito, existe o episódio atribuído a Cristo por um ágraphon (“Que não foi escrito”, em grego; ndt), segundo o qual, enquanto atravessava os campos, Jesus viu a carcaça apodrecida de um cão; São Pedro, que andava na frente dele, disse: “Mestre, desvia-te”, mas Jesus, pelo contrário, avançou e, parando a um passo do cão exclamou: “Que dentes brancos!” (cf. R. Dunkerley – coord. –, The Unwritten Gospel. Ana and Agrapha of Jesus, Allend and Unwin Ltd, London 1925, p. 84). Era a única coisa boa naquele corpo apodrecido. Os limites saltam aos olhos de todos de forma esmagadora, o valor verdadeiro das coisas, ao contrário, encontra-o somente quem possui a percepção do ser e do bem, quem faz emergir o ser e o faz amar, sem olvidar, cortar, fechar ou negar, já que a crítica não é hostilidade às coisas, mas amor a elas.
(…) Existe, pois, uma única nascente de olhar positivo a tudo. Ao contrário, quem é apegado a uma identificação parcial, à “sua” verdade, não pode deixar de estar diante de tudo defendendo aquilo que ele afirma, a não ser que seja completamente cético ou niilista. Freqüentemente, aqueles que guiam os povos e têm responsabilidades a diversos títulos, se estão cheios de bom senso, favorecem um certo “ecumenismo”, porque têm o terror da guerra e da violência, que nascem inevitavelmente quando alguém afirma só a si mesmo. Parece, assim, que o fato de juntar-se, cada um tentando respeitar o rosto do outro, possa representar a realização da eirene (Paz, em grego; ndt). Mas esta não é paz, é um equívoco. Com efeito, ela resulta ser – na melhor das hipóteses – tolerância, isto é, radical indiferença. O termo “ecumenismo”, assim como usualmente agora é conclamado, parece indicar a expressão melhor da boa vontade de quem, seja ele um chefe religioso ou político, tem coração bom e está a reger o povo. Esse “ecumenismo”, entendido como confraria das diversas tentativas filantrópicas para construir o mundo, revela-se como o principal inimigo da identidade cristã. Ele, de fato, na melhor das hipóteses, é uma tentativa de tolerância onde cada um fica atento aos seus interesses e, dos outros, pega o que lhe convém. Mas, se a pessoa favorece apenas os próprios interesses particulares, acaba por olhar os outros como inimigos potenciais, dos quais se deve defender: diante daquilo que mais interessa, a pessoa de fato cessa de ser tolerante.
Ao contrário, a ecumenicidade católica é aberta a todos e a tudo, até os últimos matizes, pronta para exaltar com toda a generosidade possível aquilo que tem uma também longínqua afinidade com o verdadeiro. Mas é intransigente acerca da equivocidade possível. Se alguém descobriu a verdade real, Cristo, avança tranqüilo em todo tipo de encontro, com a certeza de encontrar em cada um uma parte de si.
O ecumenismo verdadeiro descobre sempre coisas novas, de tal forma que nunca há uma total repetição: a pessoa é arrebatada por um absoluto assombro do belo. É da beleza que nascem continuamente imagens de possibilidades insuspeitadas para restaurar as casas destruídas e construir as novas (cf. Is 58,12). Esta abertura permite encontrar a própria casa junto de qualquer um que conserve um fragmento de verdade, estar a vontade em todo lugar. É o conceito de catolicidade entendido não geograficamente (come o foi a partir de ’500 em diante), mas ontologicamente definido pelo verdadeiro.
Diz a Imitação de Cristo: “Ex uno Verbo omnia et unum loquuntur omnia, et hoc est Principium quod et loquitur nobis” (“Da única Palavra tudo vem, e uma só Palavra tudo grita, e este é o Princípio que também nos fala”; cf. Imitação de Cristo, Livro Primeiro, 3,8). Não é possível encontrar outra cultura que defina qualquer coisa com um abraço tão unitário, potente e sem reservas. Dizia Jacopone da Todi, no século 13, que tudo acontece para que todos juntos possamos ir ao “reino celeste que cumpre todas as festas / que o coração almejou” (Jacopone da Todi, Cantico de la nativitá de Iesú Cristo, lauda XIV, in Le Laude, Libreria Editrice Fiorentina, Firenze 1989, p. 218). E, ainda, no mais belo verso da literatura italiana: “Amor, amore, omne cosa conclama” (Amor, amor, todas as coisas conclamam, Jacopone da Todi, Como l’anima se lamenta con Dio de la carità superardente in lei infusa, lauda XC, in Le Laude, Libreria Editrice Fiorentina, Firenze 1989, p. 318). A palavra Amor deve ser entendida no seu sentido último, isto é, como sinônimo de Cristo, de Deus que se debruçou sobre nós e nos abraçou. As coisas, todas juntas, gritam a verdade. Todas as coisas: as flores do campo, as folhas da árvore, todas as agulhas de todos os pinheiros da terra (quem sabe como Deus pode faz para contar todas!?).
* Texto extraído de Generare Tracce nella Storia del Mondo, E. Rizzoli, Milão 2001, pp. 157-161
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