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Passos N.58, Fevereiro 2005

DESTAQUE / OCIDENTE

A religiosidade autêntica e o poder

por Luigi Giussani

De um diálogo de Luigi Giussani com um grupo de Comunhão e Libertação.
Nova York, 8 de março de 1986


O que o senhor pensa da cultura ocidental? Essa pergunta, para nós, é importante porque vivemos num país que quer ser a expressão realizada do Ocidente.
Acho que essa é uma pergunta onicompreensiva. Creio que, antes de tudo, a cultura ocidental possui valores tais que a levaram a se impor, como cultura, operativa e socialmente, a todo o mundo. Acrescento uma pequena observação: todos esses valores, a civilização ocidental herdou-os do cristianismo: o valor da pessoa, absolutamente inconcebível em toda a literatura do mundo, porque a pessoa é concebível como dignidade exclusivamente se reconhece que não deriva integralmente da biologia do pai e da mãe; do contrário, é como uma pedra na torrente da realidade, uma gota dentro da onda que se bate contra o rochedo; o valor do trabalho, que em toda a cultura mundial, na antiga, mas também para Engels e Marx, é concebido como uma escravidão, é comparado a uma escravidão, ao passo que Cristo define o trabalho como a atividade do Pai, de Deus; o valor da matéria, ou seja, a abolição do dualismo entre um aspecto nobre e um aspecto ignóbil da vida da natureza, o que não existe para o cristianismo; a frase mais revolucionária da história da cultura é aquela de São Paulo: “Toda criatura é boa”, e por isso Romano Guardini pode dizer que o cristianismo é a religião mais “materialista” da história; o valor do progresso, do tempo carregado de sentido, porque o conceito de história exige a idéia de um desígnio inteligente.
Esses são os valores fundamentais da civilização ocidental, na minha opinião. Não citei um outro, porque me parece implícito no conceito de pessoa: a liberdade. Se o homem deriva totalmente dos seus antecedentes biológicos, como a cultura dominante pretende, então o homem é escravo da casualidade dos encontros e, portanto, é escravo do poder, porque o poder representa a emergência provisória do acaso na história. Mas se no homem tem algo que deriva diretamente da origem das coisas, do mundo, a alma, então o homem é realmente livre. O homem não pode conceber-se livre em sentido absoluto: como ele antes não era, e agora é, depende. Necessariamente. A alternativa é muito simples: ou depende dAquilo que faz a realidade, isto é, de Deus, ou depende da casualidade do movimento da realidade, isto é, do poder. A dependência em relação a Deus é a liberdade do homem em relação aos outros homens. A falha terrível, o erro terrível da civilização ocidental é ter se esquecido disso, deixado isso de lado.
Assim, em nome da própria autonomia, o homem ocidental tornou-se escravo do poder. E todo o criativo desenvolvimento dos instrumentos da civilização só aumenta essa escravidão. A solução é uma batalha salvadora: não a batalha para deter a criatividade da civilização, mas a batalha para redescobrir, para testemunhar, a dependência do homem em relação a Deus. O que foi, em todos os tempos, o verdadeiro significado da luta humana, ou seja, a luta entre o afirmar-se do humano e a instrumentalização do humano por parte do poder, agora chegou ao auge. Como João Paulo II alertou tantas vezes, o perigo mais grave, hoje, não é nem mesmo a destruição dos povos, o assassinato, mas a tentativa, por parte do poder, de destruir o humano. E a essência do humano é a liberdade, isto é, a relação com o infinito. É por isso que, sobretudo no Ocidente, a grande batalha deve ser combatida pelo homem que se sente homem: a batalha entre a religiosidade autêntica e o poder. O limite do poder é a religiosidade verdadeira – o limite de qualquer poder: civil, político e eclesiástico.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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