Vai para os conteúdos

Passos N.58, Fevereiro 2005

DESTAQUE / OCIDENTE

“Foi a humanidade que abandonou a Igreja
ou foi a Igreja que abandonou a humanidade?”

por Magdi Allam

A contribuição do vice-diretor do jornal italiano Corriere della Sera a partir da questão colocada por T.S. Eliot, nos coros de “A Rocha”, a que padre Giussani fez referência no vídeo dos 50 anos de CL

Se colocarmos lado a lado os conceitos de humanidade, Igreja, Deus, e concluirmos que entre eles não existe correlação, empatia, sintonia, então devemos tomar consciência de que estamos diante de uma crise de identidade. Esse é um pressentimento forte que vejo bem presente nas palavras do Papa Wojtyla, logo após a queda do muro de Berlim. Indo contra a corrente, enquanto o mundo ocidental festejava a dissolução do bloco comunista – o “império do mal”, como o definiu Ronald Reagan – João Paulo II advertiu para o perigo do laicismo, do consumismo e do liberalismo, alçados à condição de ideologia universal. Porque, como sagaz profeta, o Papa intuiu que a ameaça mais séria à comunhão do homem com Deus está na perda dos valores espirituais. O comunismo de Estado fundava-se na negação de Deus, mas não estava desprovido dos valores da solidariedade, justiça e fraternidade, que são próprios do cristianismo. Em sentido contrário, o capitalismo desenfreado corre o risco de se esvaziar de todos os valores espirituais. Não é, provavelmente, por acaso que hoje, na Itália, personalidades políticas declaradamente atéias, que sobreviveram e se reciclaram depois do fim do comunismo, manifestem publicamente que compartilham as idéias do Papa e o apontam com orgulho como emblema do Bem Comum.
Diante disso, compreende-se como é atual a pergunta de T.S. Eliot: “É a humanidade que abandonou a Igreja ou é a Igreja que abandonou a humanidade?”. No fundo, trata-se da crise de identidade de um mundo ocidental que é constrangido a olhar-se em profundidade, a descobrir as próprias raízes para dar um sentido ao presente e imaginar um futuro intimamente satisfatório. Esse imperativo tornou-se urgente depois do desaparecimento do estado de emergência imposto pelo “inimigo comunista”, que obrigava o Ocidente a olhar mais para “fora” do que para “dentro” de si mesmo. E se repropõe hoje com o advento do novo perigo do terrorismo islâmico globalizado, que lançou a guerra total contra os cristãos, os judeus e os próprios muçulmanos moderados. De certo modo, o Ocidente redescobre as suas raízes cristãs, até porque os terroristas islâmicos o vêem essencialmente em sua dimensão religiosa, por eles percebida como antagonista e com uma conotação negativa. E é assim que o cristianismo termina por assumir uma dimensão identificadora até para as laicos, para os ateus que honestamente reconhecem o lugar e o papel que ele vem exercendo no curso da História. E em todo caso, o assumem como aliado na comum contra-ofensiva para bater a ideologia e a cultura de morte desfraldada pelos terroristas islâmicos.
Resta ver se o cristianismo, depois de ter recolhido uma forte e ampla legitimação no plano da identidade e no plano moral, como berço dos valores fundantes da sociedade no Ocidente e alhures no mundo, conseguirá reconquistar também a esfera mais propriamente religiosa. É provavelmente esse o desafio mais urgente do novo milênio que se apresenta à Igreja em sua missão universal no seio da humanidade.




“Além do mais, Eliot já tinha algo para dizer com uma certa segurança de si quando perguntava: “Foi a Humanidade que abandonou a Igreja ou foi a Igreja que abandonou a Humanidade?”. Mas como é que um homem do meu tempo, um homem destes tempos, ao falar de cultura, usando a palavra cultura, pode ignorar esta frase aqui? Ele ignora quatro quintos do mundo”.

É uma crítica à Igreja ou à humanidade?
“A ambas, a ambas, pois em primeiro lugar é a humanidade que abandonou a Igreja, visto que, se eu preciso de algo, e este algo vai embora, eu corro atrás dele. Ninguém corria atrás”.

E a Igreja, quando abandonou a humanidade?
“A Igreja começou a abandonar a humanidade, na minha opinião, na nossa opinião, porque esqueceu quem era Cristo, não se apoiou sobre…, teve vergonha de Cristo, de dizer quem é Cristo”.

(da entrevista com padre Giussani para o vídeo sobre os 50 anos de CL)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página