Breve viagem por um país desprovido de padres, onde é possível se divorciar em seis meses e em que, de cada três casamentos, dois acabam mal. No entanto, é lá também que uma batalha de dois anos “em defesa do humano” vem levando a resultados (e encontros) importantes, a começar pelo Parlamento
“Uma batalha em defesa do humano”. Lijana Gvaldaité, pesquisadora da Universidade de Vilnius e diretora da ONG Sotas (parceira lituana da Fundação AVSI), define desse modo a sua luta nos últimos dois anos, junto com amigos, colegas e funcionários. Uma batalha sobretudo cultural para proteger a família, ameaçada pelos ataques de “uma sociedade cada vez mais tomada pela mentalidade relativista”. E uma batalha que, por ora, já trouxe dois resultados: a aprovação, no Parlamento, de uma Carta sobre a família, e, em setembro passado, um seminário que pode provocar conseqüências imprevisíveis.
Esses são os fatos. Vêm dos anos 90 as tentativas do Seimas (o Parlamento lituano) de redigir uma Carta sobre a família, um ato jurídico com a função de dar uma definição de família e das suas funções. Documento importante, destinado a influenciar as escolhas dos políticos. Várias comissões encarregaram-se de elaborar a Carta, mas seus membros terminavam sempre brigando entre si. As idéias eram muito diferentes. Em 2007, foi convocada a enésima comissão, composta por cerca de vinte pessoas, entre parlamentares, cientistas, representantes do Ministério e expoentes de associações familiares. À Universidade foi requisitado um especialista e o departamento de Lijana (“embora meu chefe seja ateu e saiba bem o que penso”) decide pelo seu nome.
O primeiro impacto não foi dos melhores, mas logo nasceu uma sintonia com alguns membros. Em torno de Lijana começou a se formar um grupinho que aceitou cuidar da primeira parte da Carta, justamente aquela que contém a definição de família, tão debatida. Durante os trabalhos, conheceram aliados preciosos, que foram convidados na qualidade de peritos no tema: entre eles, Eglé Laumenskaité, socióloga muito conhecida na Lituânia, em cujo currículo constam os anos de estudo no John Paul II Institute de Washington, e mestres como padre Lorenzo Albacete. A conclusão é a definição de família como “comunidade natural fundada no casamento entre um homem e uma mulher, reconhecida pelo Estado como sujeito jurídico”. Houve reações contrárias. “Pessoalmente eram favoráveis à família tradicional, muitos tinham esposa e filhos. Mas pensavam que não se devia propor esse modelo a todo o país”. Com a aproximação do dia da votação, o clima esquentou: “Alguns membros fizeram de tudo para barrar o documento”. Por isso, no dia 3 de junho de 2008, dia da votação, Sotas e outras associações organizaram uma manifestação diante do Parlamento, onde também recolheram assinaturas. Com 69 votos a favor e 6 contra, a Carta foi aprovada.
Herança soviética
Resultado destinado, segundo Lijana, a “produzir muitas mudanças. Embora sejam necessários tempo, paciência e trabalho”. Dizem-no os números. Na Lituânia, uma em cada três crianças nasce fora do casamento e uma em cada duas vive sem pai; conseqüência da altíssima porcentagem de divórcios (65%), facilitados também por uma prática-relâmpago de apenas seis meses. Hoje, então, difunde-se uma nova forma de abandono, que se refere aos filhos dos que emigram em busca de trabalho (em geral na Inglaterra, na Irlanda ou nos EUA): essas crianças permanecem com a mãe ou, quando ambos partem para o Exterior, são confiadas aos avós ou a não-familiares. Enquanto isso, crescem o alcoolismo e a violência no âmbito familiar.
A essa situação “a Lituânia faz frente de modo redutivo. Quando caiu a URSS, adotamos o modelo de políticas sociais da Escandinávia, muito assistencialista”, explica Lijana. O passado soviético deixou uma pesada herança. “Vemos nas pessoas que ajudamos que é falha a educação. Também no nível da sociedade não existe uma rede de convivência comunitária: as famílias em crise não pedem ajuda. Falta uma cultura de pertença”. Para dar continuidade ao que nasceu com a Carta, dia 29 de setembro, Sotas propôs um seminário sob o tema “Por que a família é o fundamento da sociedade e do Estado?”. Participaram especialistas lituanos e estrangeiros, muitos dos quais conhecidos durante os meses de funcionamento da comissão.
Um aliado de Bruxelas
Para abrir os trabalhos, um convidado importante, Rima Baskiené, que era a presidente daquela comissão. Parlamentar da União Popular Agrária Lituana, Baskiené estava entre os principais opositores ao “grupinho” dirigido por Lijana; com o passar do tempo, porém, foi “conquistada” (como ela própria diz) pelas razões dos católicos presentes e “lentamente mudou de posição – conta Lijana –, reaproximando-se também da Igreja. Hoje, continua a repetir-nos: quanto mais avançamos, mais me convenço de que fizemos a escolha certa”. Tanto que, na véspera do seminário, quando chegou uma saudação de Mario Mauro, vice-presidente do Parlamento Europeu, ela reuniu toda a família para ler a Carta e logo escreveu a Lijana para agradecer-lhe (acrescentando: “Com tudo o que vem acontecendo no mundo, essa mensagem é um verdadeiro consolo”).
É o fim da história? Não propriamente. Com tudo isso, está mudando também o modo de trabalhar de Lijana na Universidade: “Hoje tenho mais razões para dar. Muitos podem não estar de acordo, mas a Carta oferece uma ocasião para discutir o tema. E os imprevistos se sucedem”. Exemplo? “Quatro alunas minhas sempre foram contrárias à família tradicional. Sempre na primeira fileira, sempre dispostas a me desafiar. Há algumas semanas, pelo contrário, me pediram a tese justamente sobre esse tema. Perguntei por quê. Responderam: ‘Sentimo-nos provocadas. Interessa-nos aquilo que a senhora ensina’. É mesmo uma aventura que a gente não sabe aonde nos leva”.
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