Houve um momento, nas últimas semanas, em que até a tempestade lançada sobre a Igreja parou de repente. Apenas um instante, daqueles em que a respiração fica parada na garganta e cala um silêncio cheio de estupor. O Papa chorou. Aconteceu em Malta, diante de algumas vítimas dos abusos dos quais se fala há algum tempo. Eles, falando de sua dor e ferida, ele, abraçando aquela dor e aquela ferida – e, com elas, o mistério do mal – até o fundo, até às lágrimas. Ali, até as mídias mais cruéis não puderam deixar de ficar atônitas. Apenas um instante. No dia seguinte, já estavam – estávamos – tomados por outra coisa. Já prontos a reduzir, cortar, esquecer.
Porém, o que se viu ali? A humanidade paterna de Bento XVI, certamente. Uma sensibilidade que muitos ainda insistiam em não reconhecer e que aflorava com toda sua intensidade. E sua coragem; porque também é preciso coragem para estar diante de quem sofreu assim por culpa de seus filhos. Há tudo isso, no Santo Padre. Mas não basta. Não basta para explicar suas lágrimas nem, sobretudo, aquilo que as lágrimas geraram: uma paz, impensável, nas próprias vítimas, como vocês lerão nesta edição de Passos. Parecia impossível. Mas aconteceu. Por quê?
É o sinal de que, nesse gesto do Papa, há muito mais do que um homem comovido. Há o coração do cristianismo. Que não é uma série de leis ou de boas ações, mas um fato. Um relacionamento. O abraço, ao homem, de uma misericórdia misteriosa e sem medida. De uma Presença misteriosa e fora de nossa medida: Cristo.
Porque uma coisa é evidente, como lembrava Julián Carrón nos Exercícios da Fraternidade de CL (cujo texto encontra-se encartado nesta edição): “Se o acontecimento de Cristo é cristalizado em doutrina, é reduzido a ética ou a espiritualismo, não é mais capaz de despertar todo o humano e, portanto, de responder diante das verdadeiras exigências humanas. Se não fosse por essa sua paixão por Cristo, o Papa não conseguiria olhar a situação de frente sem ceder ao medo das consequências que poderiam acontecer. Só pôde enfrentá-la porque tem certeza, porque está suspenso na plenitude da presença única de Cristo, que torna possível agir assim”. E “nós podemos estar diante de toda exigência de justiça, de todas as exigências do nosso eu, sem sucumbir ou reduzi-las às imagens que possam vir da mídia, se, como ele, estamos suspensos sobre algo pleno, se somos sustentados pela presença de Cristo. A experiência de Cristo agora – agora! – é decisiva para haver todo o respiro do humano. E só é possível porque tem, no meio, o Mistério. Somente o divino pode salvar o humano”.
O Papa não é simplesmente um símbolo. Um objetivo a ser perseguido para arrancar das costas aquela estranha instituição que aborrece o mundo, com suas pretensões. Ou uma bandeira a ser defendida, de acordo com determinada posição. Pedro é uma presença real. É a companhia de Cristo ao homem, agora. É a possibilidade de viver o cristianismo por aquilo que é: um relacionamento dramático com um Tu. Com o Mistério que se comove por você.
É por isso que, no dia 16 de maio, estivemos todos em Roma, na Praça de São Pedro, acompanhando – pessoalmente ou à distância – a oração do Regina Coeli. Uma maneira de nos colocarmos junto do Papa “como filhos ao lado do pai, com o desejo de apoiá-lo no seu ministério cheio de luta, exprimindo-lhe afeto e gratidão por sua paixão por Cristo e por toda a humanidade”, como dizia o texto do convite aos movimentos e associações. Mas foi, também, uma maneira de ceder àquele abraço e àquelas lágrimas. Àquele Tu de Deus, comovido pelo meu eu.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón