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Passos N.117, Julho 2010

EUROPA - CRISE NA GRÉCIA

A (verdadeira) necessidade do povo

por Paolo Perego

Um agricultor que perdeu os cabelos, pela ansiedade. Médicos sem salário fixo, filhos por criar, medo, incerteza quanto ao futuro... Cenas da vida cotidiana de uma cidadezinha onde a crise não é feita só de números e estatísticas, mas de dor e solidão. Onde, porém, desabrocham flores impensáveis

A feira está sempre lotada. E, apesar da crise, as bancas estão cheias de produtos. Os feirantes vêm da zona rural. Rosária comparece todas as semanas. Procura sempre os mesmos vendedores. São de sua confiança: o das melhores abobrinhas, o das frutas... Mas, desta vez, um deles está diferente, nem parece o mesmo. Em apenas uma semana perdeu os cabelos. “O que aconteceu?” “É a ansiedade. Pensamos no futuro, na família... E aí vem a angústia. Não temos perspectiva.”
Cidade de Lárissa, fim de abril. Um dia como tantos outros nessa pequena cidade de 120 mil habitantes da região de Tessália, no nordeste da Grécia, ao longo da estrada que atravessa a costa oriental do país, entre Salônica e Atenas.
Rosária nasceu em Nápoles. O encontro com o grego Nicola remonta ao período da universidade. Ele estuda Medicina. Ela, Pedagogia. Conhecem-se, se apaixonam, ele a pede em casamento. “Demorei um pouco para concordar, mas afinal decidi aceitar e vim com ele para a Grécia.” Treze anos de casamento, dois filhos. Hoje, Rosária dedica-se em tempo integral às obrigações de uma mãe, quando pode ajuda o marido no consultório, mas tem muito trabalho com a casa, com as crianças. E também dá uma mão nas atividades da paróquia. Jornadas feitas de coisas simples. De encontros com o povo, enquanto leva as crianças à escola ou faz as compras. Como naquela manhã na feira, por exemplo. E a crise? “Está se tornando sufocante. Quando encontro o povo, as amigas, os conhecidos... não se fala de outra coisa.”
Sem dúvida. Só que o povo não fala dos 250 bilhões de euros da dívida pública do Estado grego. Ou de especulação financeira, das agências de rating que não cumprem o seu dever ou de evasões fiscais. Fala-se dos empréstimos facilitados, com juros atraentes, e que agora se tornaram uma corda no pescoço das famílias. Fala-se da dificuldade de manter os filhos na escola. Ou de chegar ao fim do mês com algum dinheiro. Ou do emprego recém-conquistado.
“O salário médio é de cerca de oitocentos euros por mês. O FPA, o IVA (tipo de imposto europeu) subiu de 19 para 21%. E parece que vai subir para 23%. Um ano atrás, comprávamos o macarrão por €1,60 o quilo. Hoje, custa quase €2,50. E a anchova, alimento pobre por excelência, pelo menos aqui, foi de €1,50, no ano passado, para €5,50 o quilo. Antes, eu conseguia fazer a feira semanal com €20,00. Hoje, com muita atenção, não gasto menos de €40,00.”

Noites de insônia. Rosária diz que, no fundo, a sua família está em melhor situação do que as outras, apesar de Nico estar sem salário fixo há mais de um ano. “Muitos médicos foram obrigados a pegar empréstimo para sobreviver. Mesmo os que têm consultório particular. Até porque, acontece muito de os pacientes não terem como pagar a consulta...” Assim, às vezes, a angústia também toma conta deles, em casa. Eclodem os conflitos. “Porque, por exemplo, eu fiz as compras para a senhora albanesa que faz a limpeza no condomínio, com cinco filhos e um marido desempregado. Nós não nadamos em ouro, me repreende Nico. Mas depois reconhece que eu fiz a coisa certa...”
São, pois, compreensíveis as preocupações, as ansiedades, as noites de insônia. Mas depois as pessoas saem de casa, de manhã, e dão de cara com o rosto triste dos outros, com as necessidades do povo. “Que não são só de coisas materiais. Aos poucos, fui compreendendo isso. Esta é uma crise sobretudo humana. A crise econômica é só uma gota, ainda que grande, que faz transbordar o vaso.” O povo grego – fala ela, como “imigrante” – é um povo habituado a gastar mais do que pode, frequentador de cafeterias, onde o café expresso não custa menos do que €3,00. Gente que adora comer fora. E agora que os cintos têm que ser apertados, tudo vem à tona. “As pessoas se descobrem sozinhas. Por cultura, são desconfiados, orgulhosos. Agora têm que enfrentar sozinhos os problemas, o dia a dia cada vez mais cansativo.”
Foi aí que Rosária fez uma descoberta. “Não podemos ajudar todo mundo. Mas podemos estar presente. Eles precisam da mesma coisa de que eu preciso: de um lugar seguro em meio à tempestade da vida. Como ocorreu comigo no encontro com o Movimento. É a única explicação que encontro para o fato de muitas pessoas continuarem a nos procurar, fazendo confidências. Com frequência elas nos procuram em nossa casa.”
O povo grego começa a ficar desorientado. “Porque quando, a partir do Estado e chegando à família, ao bem-estar, ao trabalho, tudo em volta começou a ruir, deixando as pessoas sem perspectiva, sem segurança, muita gente passou a usar tranquilizantes. As pessoas ainda tentam esconder os problemas, algo típico de certo formalismo da cultura grega, pelo qual a roupa suja deve ser lavada em casa. Mas uma hora nem isso fica de pé.”
Rosária fala de Veronika, professora de seu filho. Catequista, mulher de Igreja, muito formal inclusive no modo de conceber a fé. “Fui conversar com ela. No início, discussões sem fim. Depois, a certa altura, parei de me fixar nas divergências. Comecei a prestar atenção nela. E aí nasceu uma relação muito bonita. Uma noite, pouco tempo atrás, toca a campainha de casa. É Veronika. ‘Você não vai acreditar; estou caminhando pela cidade há uma hora. Não sabia para onde ir. Aí resolvi procurar você; preciso conversar com alguém e sei que você não é fofoqueira’. Assim, me contou alguns problemas importantes, pessoais. É a solidão. Que também é uma falta de liberdade.” Há poucas semanas, Rosária e Nico, em vez de deixar as pequenas economias no banco, tendo em vista os tempos que correm, decidiram comprar o apartamento acima deles, alugado por Sophia. Rosária conhece bem as dificuldades econômicas da mulher: com frequência deixa de pagar as contas, o marido tem um trabalho precário, quando o tem. Um dia, a mulher bate à porta de Rosária: “Soube que vocês são os novos proprietários, não me despejem!”. “Mas por que você está com medo?”, perguntou Rosária. E ela, então, se abriu. “Sentou-se e começou a falar, chorando.” Passa por dificuldades, não paga o aluguel há tempo. E o marido... “Eu disse que não tinha importância, que quando ele tivesse dinheiro pagaria. Ela me abraçou. À noite, chega Nicola: Você está louca? Nós precisamos do dinheiro do aluguel. Mas se eles não podem pagar, o que você vai fazer? Expulsá-los?” E Nicola: “Não...”. Feitas as contas, são dois loucos... Mas a verdade é que, alguns dias depois, Sophia se reapresenta. Rosária está fora. Nicola a recebe. Trouxe o dinheiro do aluguel: “Senhor Nico, é verdade que não vão aumentar o aluguel?”. “Não, nada de aumento, senhora. E quando tiver o dinheiro, a senhora nos paga.”
“É Jesus quem muda tudo”, diz Rosária; é Ele quem faz nascer uma humanidade diferente. Como aquela família de romenos que, no domingo, embora se esforçando para sobreviver durante a semana, prepara uma mesa farta para os necessitados, desempregados, para quem perdeu tudo. E estão juntos. “São flores. A necessidade do povo é como uma flor. E o poder nos afasta dessa necessidade, esconde essa flor que existe dentro das pessoas. Eu, ao contrário, sou educada diariamente pela fé a ficar atenta, a observar essas flores. E o povo, quando é olhado assim, percebe.”

Alguém que nos faz respirar. E quem diz isso é alguém que tinha problemas para dormir, e que não conseguia pregar os olhos ao pensar nas pessoas que passam dificuldade. “Onde encontro a paz? Em Alguém. Alguém que a gente precisa olhar e seguir. Onde quer que Ele esteja. Assim a gente dorme, descansa, respira. Inclusive com os filhos. Aprende a educá-los, e a se educar. À mesa, por exemplo. Porque nunca é garantido que haja um prato de macarrão para comer.”
Nada é garantido. Nem o macarrão, nem o estudo dos filhos. Kikilia é uma inspetora de alunos com cerca de quarenta anos de idade. Rosária está indo para a missa e cruza com ela. Seus filhos estudam na mesma escola. Kikilia tem o rosto triste. “O que você tem?” “Olho para o meu filho e fico pensando que talvez não possa mandá-lo para a faculdade. E você? Não se preocupa?” “Vamos parar de falar da crise. Não consigo respirar. Existem outras coisas na vida.” “Mas e se seu filho, amanhã, não tiver condição de estudar?” “Kikilia, o amanhã não nos pertence. As preocupações, o dinheiro, não podem tomar conta da gente.” Kikilia abaixa os olhos: “Agora você vai me dizer que to Mysterio (o Senhor) é a coisa mais importante...”. “Claro, se não, o que poderá nos salvar? O que poderá nos sustentar?” “Então, que to Mysterio nos dê a graça de eu poder ver você todos os dias”, lhe responde Kikilia.

Almoço para 14. É uma coisa que se vê. E que nos muda. “Como para os nossos vizinhos. Separados em casa. A mulher Agnes veio me procurar em lágrimas, no final de abril, depois da enésima briga. ‘Vou voltar para minha terra. Não aguento mais’.” Rosário e Nicola haviam decidido passar o Primeiro de Maio tranquilos, sem convidar ninguém. Só eles. Mas chega um telefonema. Era o vigário. Está sozinho em casa. “Venha para cá”, dizem a ele. Em seguida, outro telefonema. Os amigos albaneses. No fim, para o almoço são 14 pessoas! O marido de Agnes observa a cena da janela. Soa a campainha da porta. “Posso entrar? Vi lá da janela essa mesa, e como estava sozinho...” Rosária e Nico o acolhem. Uma troca de palavras e logo nasce uma discussão. “Vocês defendem minha mulher.” “Não. Nós gostamos dela. E gostamos também de você.” O homem, comovido, se senta à mesa. Com o vigário, com os albaneses, com os gregos, com os romenos... “E isso porque eu e Nico gostaríamos de ficar a sós. Mas é Deus quem semeia. Mesmo em tempos de crise. Eu apenas vejo e saboreio os frutos.”

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OS NÚMEROS

250 bilhões de Euro os valores de dívida pública grega

150% a relação entre dívida pública e PIB previsto para o final do ano

12,7 % do PIB é o déficit real da Grécia, contra os 6% declarados e o teto máximo de 3,7% prometidos pelo velho Governo à União

110 bilhões de Euro é o valor das ajudas dirigidas à Grécia, das quais 30 bilhões foram enviados pelo Fundo Monetário Internacional




 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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