No segundo ano da romaria, universitários e jovens trabalhadores foram convidados a percorrer mais uma vez os 60 km que separam Campos do Jordão da Basílica de Aparecida. Nas dificuldades do percurso, a descoberta do caminho da vida e a certeza de um Fato que é mais forte que tudo
“Percival, não se detenha e deixe que sempre seja a voz única do Ideal a lhe indicar o caminho”. Percival é o cavaleiro da lenda do Santo Graal: um jovem, audaz e criativo, que doa a vida por um Ideal. É ele o protagonista da canção Parsifal de Claudio Chieffo, que se tornou o hino da caminhada deste ano, quando o Movimento Comunhão e Libertação (CL) convidou novamente aos universitários e jovens trabalhadores a seguir por 60 km de Campos de Jordão até a Basílica de Aparecida. Todos chamados a olhar para este jovem cavaleiro, para o seu “fogo que não se apaga”, e a buscar o “Ponto Fixo entre as ondas do mar”.
Foram quatro dias de caminho pedregoso, frio e escorregadio, pois a chuva e a neblina foram companhia constante. Mas ao entrar na Basílica de Aparecida, domingo de manhã, entoando cantos de louvor a Nossa Senhora, o que se via eram rostos alegres e corações vibrando. Todos estavam comovidos e levavam pedidos próprios e dos amigos ou até mesmo de desconhecidos que colaboraram financeiramente para que os jovens sem condições de pagar a viagem pudessem participar da romaria.
Tudo começou na quinta-feira, dia 15 de julho. Chegando ao ponto de partida, depois de poucas ou muitas horas de viagem, todos foram recebidos com um prato quente de comida, água e fruta. Cleuza Zerbini e uma dezena de amigos da Associação dos Trabalhadores Sem Terra se dedicaram gratuita e incessantemente para alimentar os 200 jovens que participaram de todos os dias de caminhada. “Eu não posso caminhar, mas eu posso fazer a comida. Esses meninos que vieram de tão longe, como os da Bahia, são um testemunho para nós e o pouco que eu faço é para agradecer pelo encontro que fizemos e por essa amizade. Nós estamos olhando para o mesmo lado, estamos olhando para o Carrón e, através dele, para Cristo”, afirmou Cleuza.
Na hora da partida, sentados no gramado de um campo de futebol, a primeira provocação antes dos 12 km iniciais de subida foi um desafio lançado por padre Julián de la Morena, que guiou a peregrinação: “Para que nasci? Que sentido tem o mundo? O homem Jesus respondeu a essa pergunta afirmando que é para o Reino de Deus. Cada um de nós deve se perguntar: eu quero colaborar na construção do Reino de Deus?”. O chamado era para manter os olhos abertos para a beleza da natureza e a beleza não óbvia da nossa companhia. O grupo era bem variado e muitos não se conheciam. Além de brasileiros de todo o país – sendo os pontos mais distantes de Aparecida os que vieram das cidades de Aracaju e Manaus –, havia também um grupo de 36 colegiais paraguaios acompanhados por padre Paolino e por outros dez adultos que trabalham nas obras de padre Aldo Trento, em Assunção. Outros três argentinos e um mexicano completavam a caravana.
Após organizar as malas em um caminhão, todos começam a caminhada seguindo a cruz e a bandeira da romaria. Para facilitar a locomoção são feitos dois grupos. As pessoas se ajudam e quem começa a perder o ritmo é logo surpreendido por uma mão amiga que se oferece para levar a mochila ou lhe doa um pouco de água e lhe faz companhia. O caminho é feito em oração. Primeiro recita-se o terço acompanhado da leitura dos comentários de Dom Giussani ao Santo Rosário. Depois vem o silêncio. Em seguida é possível conversar sobre o tema proposto. Estão todos provocados, já surgiram perguntas e inquietações. Escurece. Os passos ficam mais rápidos para chegar logo ao acampamento. A neblina nos impede de ver o que temos à frente, as pessoas se apóiam umas nas outras. E aquela pergunta ecoa em cada um: “Para que serve a minha vida?”
À noite, já alojados, o céu começa a se abrir. Ilumina-se toda a via láctea diante de nós. Milhares de estrelas formam um espetáculo que surpreende a todos. Depois da Santa Missa, o jantar é ocasião para conversar com os novos amigos, descobrir suas histórias e compartilhar a experiência do dia. Mas ninguém fica acordado até tarde e todos se recolhem logo para o merecido repouso.
Tensão ao Ideal. Sexta-feira de manhã os baianos começam o dia animados. Cantam e batucam seus pandeiros aguardando o início dos trabalhos. Padre Ignazio Lastrico, que chegou acompanhando os jovens de Salvador, ajuda a conduzir a peregrinação e apresenta o texto “A voz única do Ideal”. É a colocação de padre Julián Carrón, o responsável mundial de CL, aos formandos dos colegiais sobre o tema da vocação. Fala-se de três critérios na escolha da própria vocação: a) inclinações ou dons naturais; b) circunstâncias inevitáveis; c) o que serve mais ao Reino de Deus. E padre Ignazio lança uma tarefa para acompanhar o dia: identificar um amigo com o qual falar destas coisas.
Durante o trajeto era bonito ver a tensão com que cada um se colocou inteiramente no gesto buscando responder a proposta feita. Neste dia foram 17 km de descida. Roberta, de Sorocaba, estudante de medicina, disse: “Os três critérios que o padre Ignazio colocou me fizeram pensar. É uma novidade levar em conta as necessidades do mundo e da Igreja. E ajudar na equipe médica me fez ficar menos egoísta na caminhada, porque precisava ficar atenta às pessoas e fiquei contente com isso”. Na largada a névoa cobria a estrada e durante o dia a chuva foi aumentando e o caminho foi feito quase sempre pela lama. Não se via ninguém reclamar. Pelo contrário, todos ficaram mais atentos. No meio da estrada a equipe da cozinha surge no caminhão para nos servir a comida. E surge a pergunta: “Quem nos deu pessoas capazes de uma oferta assim? Obrigado, Senhor”.
À noite, uma breve assembleia de testemunhos. Dentre outros, Raquel, de São Paulo, fala da descoberta pelo gosto em servir; Romilson, de Salvador, agradece a ajuda que recebeu para não desistir da caminhada e revela sua esperança em chegar à Basílica; e Daniel, do Paraguai, comove-se por ter se surpreendido como protagonista ao dizer sim ao convite para tocar violão nestes dias. Em seguida, padre Julián sintetizou o que foi vivido na jornada: “Hoje tivemos uma caminhada difícil, com muita chuva e muita lama, mas não somos definidos por isso. Não existe circunstância negativa que nos defina. O que precisamos é uma atração forte todas as manhãs. (...) Levar a sério esses critérios garante que a vida se cumpra. Sozinhos não podemos olhá-los. Na vida nos espera fracasso, doenças, traição, que são como a lama. Isso exige que sejamos mais atentos”.
Para Leandro, do Rio de Janeiro, este dia também foi muito marcante: “Eu estou cansado, mas muito contente e hoje, especialmente, enquanto a gente estava caminhando na lama, algumas pessoas ficavam me perguntando quando íamos chegar. Aí eu pensei que a vida é exatamente assim: quando a gente começa a pisar em lugar desconhecido ou quando é mais difícil, a gente quer logo que aquilo acabe, mas se não olhamos o caminho perdemos o melhor”. O melhor foi dar o braço ao amigo para atravessar a pista escorregadia, receber o copo de suco na hora do almoço, o sorriso e o abraço no momento da pausa. “Durante a caminhada a neblina abriu e eu vi uma montanha muito bonita e me dei conta de que ali dentro já tinha uma beleza, pois foi Deus criou tudo. Esta peregrinação está me ajudando a ter mais certeza de como é correspondente se colocar a serviço do Reino de Deus. Depois, a forma específica Ele vai revelar”, conclui Leandro.
E ao final da noite, com a fina chuva que caía, fomos dormir com o eco das palavras de padre Julián: “Como eu posso servir a Cristo, como posso servir ao Reino de Deus assim como eu sou? Não tenham medo de se colocar essa pergunta. A nossa companhia já nos proporcionou olhar a própria vida no futuro com esperança. É uma medida nova sobre a nossa vida”.
Seguir a luz. Chegamos ao terceiro dia. É sábado e todos descansaram um pouco mais tentando guardar forças para a caminhada noturna. Depois do café padre Ignazio continuou apresentando o tema da peregrinação falando da vocação como escolha do estado de vida e da vocação como escolha da profissão. Todos ouviam atentos. Ignazio pedia para não bloquearmos a própria humanidade e ter a coragem de enfrentar estas questões. Para ajudar propôs duas perguntas: Estou disponível a escutar a voz de Deus através dos sinais da realidade? Estou disponível a me envolver e seguir a vocação que Deus me doa?
À tarde os mais jovens lançaram-se nos jogos. Brasileiros versus estrangeiros. Risadas, discussões com o juiz e no final os donos da casa perderam. Mas tudo era festa. Nos momentos de pausa nada de dispersão. Livremente, os jovens juntavam-se em grupos e conversavam sobre os critérios apresentados. “Eu nunca tinha pensado que a vocação profissional tem a ver com o Reino de Deus. Eu fiquei muito impressionada. Essas perguntas me ajudaram a olhar a minha vida, a como eu fui interpretando os sinais e quero guardar esta emoção comigo. Para mim está sendo maravilhoso estar aqui e eu quero continuar a perceber Cristo em todos os momentos da nossa vida”, afirmou Emanuela, de Aracaju. E nestes dias, uns eram testemunhas para os outros, como contou Paula, de Belo Horizonte: “Vir para cá e encontrar tantas pessoas novas, que deram tantos testemunhos bonitos, ver o fascínio destas pessoas faz meu coração vibrar de novo. Eu vim com um grande desejo e encontrar essas pessoas foi muito importante pra mim”.
No início da noite começam a chegar os 200 adultos que se uniram aos jovens para percorrer os últimos 22 km em uma caminhada noturna. É realizada novamente uma breve assembleia. Padre Aldo também chegou do Paraguai e contou de modo breve o percurso da sua vocação: “Aos 11 anos, seguindo a voz do Ideal, peguei uma mochila com algumas coisas e fui para o seminário. A única coisa que dependeu de mim foi a fidelidade a uma intuição que eu tive ao assistir um filme [sobre São Damião] que despertou o meu coração, e me fez ver que ontem como hoje eu desejo o todo. Mesmo diante das desventuras da vida, a certeza de algo maior me fez seguir o Ideal e me fez encontrar a felicidade. Mas sem o sacrifício e sem a obediência ao que o coração te pede, isso é impossível. E posso dizer que na minha vocação à virgindade eu não perdi nada, mas ganhei tudo”.
Depois, na Santa Missa, padre Ignazio provoca novamente a todos: “Não vamos só levar os pedidos, mas devemos nos identificar com Nossa Senhora quando foi encontrar sua prima Isabel, cheia de certeza. Após a Anunciação Maria deve ter se perguntado: Como posso servir ao Reino de Deus? Como posso te agradecer, Senhor, com a minha vida?”. E pediu para termos em mente um trecho que Carrón falou durante dos últimos Exercícios da Fraternidade do Movimento: “A Ti me agarro com gratidão: cola-me cada vez mais a Ti, ó Cristo! Esse estar grudado em Ti é o que me dá força para estar com todo o meu ser no real. Tu és a minha força, não eu: estar agarrado a Ti é a minha força”. Enquanto se aguardava os últimos ônibus, os amigos do Paraguai prepararam uma breve apresentação com música e dança. A beleza do canto e o som do violino tocado por uma adolescente, além da apresentação de outra menina vestida com roupas típicas, encantou a todos. Por volta de uma hora da madrugada recebemos um pouco de sopa para nos esquentarmos e começamos a última etapa debaixo de uma chuva fina. Pouco antes padre Julián chamou a atenção de que “a nossa amizade segue uma luz. A companhia não basta. A vocação é encontrar um caminho onde achar esta luz, é ter Cristo como a coisa mais querida. Ele não veio para atrapalhar a vida, mas para trazer luz à vida”. Agora formamos quatro grupos. Se não estamos rezando é o silêncio que invade a noite. Estão todos tensos ao Ideal. Quando o cansaço parecia querer dominar, o amigo ao lado estava pronto a ajudar a seguir a cruz, a manter o pedido. Passou a chuva e o frio e enfim amanheceu. Ao longo da estrada via-se a Basílica ficar cada vez mais próxima.
Em uma grande praça, já bem próxima de Aparecida, todos param. Ali se juntam ao grupo mais uma dezena de amigos, vindos de todo o Brasil, que chegaram para participar do gesto final. Canta-se novamente Parsifal: “Eu sempre soube que tu trairias mil vezes por dia e depois mil outras vezes ainda, mas teus olhos que buscam são os olhos de quem se surpreende ferido e o meu braço é mais forte do que o mal, é maior que o tempo”. É dado o abraço do perdão. Depois de um pouco de descanso todos seguem em um único grupo até a igreja. Todos fazem um último esforço seguindo Bracco, responsável nacional do Movimento no Brasil, que carrega a cruz no trecho final. Chegamos. Nossa Senhora nos abraça.
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón