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Passos N.120, Outubro 2010

RUBRICAS

Cartas

AQUELES VINTE MINUTOS
ATRÁS DAS GRADES

Publicamos a carta de um detento a um amigo
Como em outras ocasiões, depois dos nossos encontros, fiquei pensando naquilo que conversamos, nos rostos, nas expressões, na vontade de fazer juntos. Tudo contido em 20 minutos. Sempre me lembro daquilo que as pessoas queridas diziam. “Mesmo que se sinta sozinho e vazio, nunca deixe de buscar Cristo, em qualquer lugar em que esteja”. Entender, às vezes, não é assim tão simples e outras vezes não tenho dúvidas. Esta é a Sua grandeza. Conseguir nos fazer “crescer” para conseguirmos distingui-Lo claramente no meio de todos. A confiança em mim e nas pessoas só acontece por um dom d’Ele. Para mim, ter fé também é isso. Às vezes “praguejo” conta Ele, imploro a Ele, O provoco, peço a Ele. A certeza que não me abandona, existe. E esta certeza é o combustível para a minha vida. Você e Daniela, mais do que qualquer outra pessoa, são testemunhas da minha vida. Estou envaidecido e orgulhoso por Ele ter me dado compartilhar com vocês esta minha longa viagem. Quando penso naquilo que eu era e nos ideais em que acreditava... Olhando para mim, hoje, tenho a consciência de que se “relaxamos” libertando-nos dos estereótipos e das prisões sociais e culturais, é possível descobrir uma nova realidade. Não existe mais aquilo que é certo ou errado, o que é bonito e o que é feio, existe apenas aquilo que é verdadeiro. Se aprendi a me amar e a aceitar a vida com todos os seus desafios, o fiz porque não é possível viver uma vida passivamente. Tudo tem como fim o Amor. Quando, através de Passos e vários artigos, li sobre os amigos da penitenciária de Pádua, meu coração se preencheu. Saber que amigos nossos estão vivendo esse relacionamento com Cristo dessa maneira tão importante me deixou feliz. Talvez alguém possa pensar que é loucura gozar da alegria de outros. Não é assim, tenho certeza de que a alegria de alguns hoje será a minha amanhã. Aprendi a aceitar o caminho que Ele escolheu para mim e acho que quanto mais duro, difícil e “perigoso”, maior será a alegria que acontecerá. Sei que muitas pessoas rezaram (e rezam) por mim, mas essas orações não são unidirecionais, é tudo como um dominó. Esta beleza é única, irrepetível.
Ivan, Nápoles – Itália

“QUEM ÉS TU, CRISTO, QUE
NOS ENCHE ASSIM DE VIDA?”

Caro Carrón, dois fatos foram importantes nestes últimos meses: a doença de Ugo, que tem Hepatite, e a amizade com Vicky, uma jovem que conheci quando, com outros adultos, acompanhava um grupo de colegiais. Vicky afastou-se da Igreja e do Movimento há cerca de dois anos e se “agarrou” a um rapaz. Abandonou a universidade, está sem trabalho e me procurou: “Estou grávida, me dê razões para não abortar!”. Pensei: só me procuram quando estão em apuros, vai me usar porque sou obstetra. Mas depois me lembrei das coisas que ouvi e intuí nos Exercícios da Fraternidade e pensei: o que me importa ser usada? Então, abandonei-me literalmente a Vicky e não a deixei. Entendi aquilo que Dom Giussani sempre nos lembrava citando Péguy: Deus se importa mais com a nossa liberdade do que com a nossa salvação. Assim, assisti ao seu renascimento quando lhe disse: “Tenha uma certeza: qualquer coisa que decidir, estarei com você”. Ela decidiu o caminho a seguir e agora está no meio da gravidez. Apresentei Vicky a Ugo, sua esposa Silvia e seus filhos. Compartilhamos com eles algumas noites e para nós foram momentos de verdadeira gratidão. Quando, no início da doença, via Ugo na missa, para mim era como receber um tapa no rosto ouvir seus desejos justos sobre a vida: “Quero ser marido, segurar meus filhos nos braços, mas não posso, estou completamente dependente”. Há três dias, Ugo me disse: “É impressionante perceber como, mesmo nestas condições, me sinto diretor da minha vida, como se não quisesse ceder a um Outro”. Quantos passos está dando aquele homem e como o Espírito Santo tem agido em sua vida. Diante da janela, olhando a chuva cair, me pediu que a abrisse para poder ouvir as crianças e o barulho da água, sentir o cheiro da terra. E ficamos maravilhados, todos observamos a beleza em um breve instante de tempo. Quem és Tu, ó Cristo, que nos enche assim de vida? Ontem, o velho capelão de meu hospital veio me procurar, levava a comunhão para os doentes e me perguntou: “Você quer Jesus?”. Sim, quero. Depois da bênção, me disse: “Não silencie diante da pergunta que Ele mesmo lhe faz durante o dia: ‘Você me ama?’. Responda: ‘Claro’”. Estou fazendo uma grande experiência de vida. Ela explode dentro de mim. Lembro as palavras do hino: “Em nosso nada, só em Ti esperamos, em Ti a vida tem sua plenitude”.
Silvia

UM TRABALHO CONTÍNUO
EM DIREÇÃO AO IDEAL
Caríssimo padre Carrón, a reflexão sobre o texto “A voz única do ideal” me fez rever momentos decisivos na minha vida. Depois de ler o primeiro parágrafo cheguei a pensar que o texto era mais apropriado para os meus três filhos adolescentes. Por eu ter acabado de completar 28 anos de trabalho profissional como engenheiro e 25 anos de matrimônio, pensava que a questão da vocação estava fechada para mim. À medida que fui lendo os parágrafos seguintes fui me admirando ao ver como diversos momentos ainda enigmáticos na minha vida eram descritos e explicados de uma forma simples, profunda e bonita. Quando eu cursava a universidade (1978-1982), fiz uma experiência de trabalho na periferia da cidade. Tendo visto a situação de fome do povo, pensava em trabalhar com a produção de alimentos, de forma a ajudar a aliviar esse problema. No último ano da universidade, o Brasil passou por uma grande crise econômica, o que determinou uma grande onda de desemprego. Em que pese este fato, fui o primeiro da minha turma a arrumar um emprego; fiz a última prova do curso de graduação em uma sexta-feira e comecei a trabalhar na segunda-feira seguinte. Os anos seguintes foram por mim vividos com entusiasmo e alegria, pois fiz carreira na área de pesquisa nuclear, tendo conhecido muitas pessoas brilhantes e trabalhado em importantes centros de pesquisa da Europa e Estados Unidos. Porém, dois fatos me deixavam um pouco desconcertado: minha área de trabalho não tinha uma ligação direta com a solução dos problemas da fome do povo (nunca tive uma única possibilidade de trabalho nessa área); e, além disso, meus amigos sempre me gozavam dizendo que eu estava fazendo a bomba atômica brasileira. Assim, frequentemente me perguntava se não teria traído “a voz do ideal”, que era a de trabalhar para ajudar a resolver a fome do povo. Ao ler o parágrafo do texto que afirma que “a circunstância inevitável é 100%, com certeza absoluta, sinal do caminho a ser seguido”, senti-me feliz por ver confirmada a estrada que percorri, pois na vida profissional segui sem pestanejar a sugestão que a realidade tinha me apresentado. Fiquei ainda mais feliz ao ler o paragrafo que fala da “pessoa [o cônjuge] que desperta o desejo de felicidade, é a pessoa mais é incapaz de satisfazê-lo”. Nestes 25 anos de matrimônio eu e minha esposa tivemos diversos desentendimentos, que foram radicalizados pelo não entendimento da incapacidade do outro em satisfazer nosso desejo de felicidade. A minha experiência confirma a verdade do que você disse sobre a experiência da posse. Sinto-me provocado a viver de forma diferente a minha vida matrimonial. Sempre tive certeza que Cristo me chamava para compartilhar de Sua amizade por meio do meu envolvimento com a Igreja, ou de forma ainda mais precisa, com o Movimento. Antes eu pensava que tendo já encontrado a Cristo, tudo estava resolvido na minha vida. O que mudou neste último ano é que estou começando a entender que a minha maneira de pensar e agir não é aquela de Cristo (mesmo depois de mais de 30 anos de participação sincera e consciente na vida da Igreja) e que é necessário um trabalho pessoal para uma mudança de mentalidade. Isto exige uma verdadeira disponibilidade.
Olívio, São Paulo – SP

O REBOTE DE UM
GOLPE SOFRIDO

Caro Carrón, recentemente sofri um golpe de um amigo do meu grupo de Fraternidade. Na hora, deixei para lá. Voltando para casa, a questão começou a se inflamar e crescia a raiva e o mau humor por causa da injustiça sofrida. Depois de uma noite agitada decidi que queria enfrentá-lo com a intenção de mandá-lo para aquele lugar. Na manhã seguinte, acordei cedo e ao retomar as anotações da Escola de Comunidade, uma resposta sua a uma pergunta me tocou: “O que acontece logo depois que alguém te machuca? Introduz-se uma distância. Acontece também quando é alguém de quem você gosta. E esse é o mal do mal: atacar o nível da ligação que introduz à consciência verdadeira”. Um verdadeiro contragolpe que fez com que eu percebesse a minha divisão. Diante daquele fato reagia, julgava como todos, com um olhar completamente voltado para o golpe sofrido querendo fazer justiça e esquecendo de todo o positivo e do sinal que o amigo é. Aqui, Cristo ressuscitado não vencia. Mas o contragolpe do juízo da Escola de Comunidade não me deixava tranqüilo. Naquela manhã, fui até a casa deste amigo, cheio de dor por aquilo que tinha acontecido, pedindo, mendigando a graça de olhar para ele e para mim como Deus nos olha. Não que eu não precisasse esclarecer as coisas, mas é diferente partir do reconhecimento de que ele também é amado por Jesus como eu sou amado, mais do que partir do golpe recebido. Olhar a realidade deixando-me gerar pela Escola de Comunidade me fez verificar como Cristo vence, antes de mais nada, em mim.
Alessandro, Milão – Itália

AQUILO QUE BUSCAVA
(E QUE ENCONTREI) NO HAITI

Caro Carrón, sou médica e estive durante um mês no Haiti trabalhado com a Fundação AVSI. O que principalmente ficou evidente ali para mim é que nós, ocidentais, vivemos uma grande ilusão: pensamos que somos Deus e, desse modo, Deus não nos serve realmente. Quando cheguei, fiquei muito impressionada com a miséria das pessoas, a sujeira, um contexto social impensável para nós. Entendi que tudo aquilo que podemos fazer não levará a nenhuma solução, vivi uma sensação de impotência, de desproporção e de injustiça. Além disso, a reação entre as pessoas, inclusive do Movimento, não são sempre perfeitas, quer dizer, existem as dificuldades, como em todo lugar, muitas vezes com uma carga de moralismo. Muito bem, nesse contexto, no início disse ao Senhor: “Eu vim para crescer na fé, não para perdê-la”. E, assim, me dei conta de uma série de coisas. No entanto, fiquei surpreendida ao me ver pensando como Pedro: “Senhor, se formos embora aonde iremos?”. Quer dizer: qual é o sentido de tudo isso? Sem Cristo, não há sentido naquilo que vemos e isto seria ainda mais terrível. Com Cristo, há um sentido, mesmo que imediatamente não o entenda. Depois, no domingo da Santíssima Trindade, ouvi o salmo que Dom Giussani tantas vezes repete: “O que é o homem para que dele te lembres, o filho do homem para que cuides dele?”. Fiquei muito tocada porque isso também era para aquelas pessoas, naquela miséria. Assim, é possível começar a “entrar” nas coisas, mesmo as feias, com uma postura de abertura, e descobri-Lo ali dentro, é possível descobrir o Belo nas situações mais terríveis (como, por exemplo, irmã Marcella, que cuida das pessoas em seu ambulatório no posto mais pobre e miserável da cidade). A Escola de Comunidade se torna algo essencial e deve ser lida todos os dias comparada com aquilo que existe porque não entendemos, precisamos ter uma consciência (diferente) daquilo que existe, que vivemos, que vemos. O Senhor sempre nos dá “pessoas ou momentos de pessoas” aos quais olhar. Em particular, encontrei irmã Marcella e Bebé (Maria), de Lisboa. Com ela, vivi uma companhia muito próxima, onde todos os dias conversávamos sobre o que aconteceu procurando julgar tudo à luz da Escola de Comunidade. E isso não era uma coisa imposta, lá não é possível impor Cristo porque senão você não resiste: a realidade é “muito forte”. Você entende que as coisas não dependem de você a partir da sua própria vida, que você percebe mais “precária” do que em outro lugar, entende que tudo é dado, que em cada coisa, até conseguir consertar um pneu furado do caminhão tem dentro um componente “misterioso” que, em última instância, não depende de você. Percebi o valor da nossa companhia, tanto como um fator fundamental na decisão de partir, quanto um apoio, quando estava lá. Entendi São Francisco Xavier, que viajava com as cartas dos amigos no coração porque senão, não resistiria. Não é possível resistir, porque entendi que através da nossa companhia, Cristo é contemporâneo. Fui ao Haiti para encontrar Cristo e Ele não faltou ao encontro.
Chiara, Pavia – Itália


ALGO QUE FALTA
Publicamos a carta que uma criança escreveu ao padre Aldo Trento
Papai, o senhor é o maior pai do mundo que eu conheço. Sei que gosta de mim, de mim e do meu irmão. Eu também gosto muito do senhor. E também é um milagre de Deus que o senhor tenha nos encontrado. Se o senhor não tivesse nos encontrado nunca estaríamos aqui. Meu pai, me falta alguma coisa, mas não sei o que é. Talvez o afeto, o amor dos meus pais, por isso, sempre estou triste. Só o senhor pode me dar este afeto, mas não me sinto tão contente, e não agüento mais que todos dêem as costas para meu irmão; não quero que ele sofra papai; por favor, nos ajude para que eu e o Antonio não caiamos em tentação. Obrigada por sua ajuda.
Sua filha Noemi
(Assunção – Paraguai)


UMA AMIZADE QUE
LANÇA AO TRABALHO

Em agosto passado, depois de três anos em São Paulo, padre Marco Lucca voltou para a Itália. Preciso testemunhar a amizade especial que tive com ele e o que me motiva foi uma convivência que trouxe tantas coisas para minha vida e um grande aprendizado. Escrevo com simplicidade e sinceridade, dois traços marcantes da personalidade do padre Marco. Começo pelo fim: quando soube de sua ida para a Itália, primeiramente achei bom porque ele precisava descansar, mas ao saber que ele não retornaria, senti muito, pois estávamos construindo uma grande amizade. Essa amizade nasceu logo após a sua chegada, vivemos juntos as várias circunstâncias do Movimento – missas, viagens, Escolas de Comunidade. Com ele também pude ajudar algumas pessoas, e se não fosse por sua presença e iniciativa eu não poderia ter feito nada disso. Eu o encontrava tantas vezes já exausto no fim do dia, às vezes sem ter feito as refeições direito e, mesmo assim, saindo para dar atenção ou socorrer a alguém em necessidade, seja espiritual ou material: o padre não media esforços e acolhia todo mundo, todos eram bem vindos, e estava sempre reunindo as pessoas. E quando terminava o socorro ainda me convidada para rezar o terço com ele. Em nossas conversas, enquanto eu reclamava das circunstâncias da vida (parece que quando participamos do Movimento os desafios ficam até maiores), ele falava da grande aventura da vida que era ser padre e missionário. E falava do Movimento, de Dom Giussani... Tenho uma dívida de amizade e gratidão com o padre Marco, um amigo de verdade, presente nos momentos mais difíceis, uma presença essencial na minha vida e na de muitas pessoas. Nunca vou esquecer seus gestos, ações, palavras, ajudas, e da sua generosidade. Ele gostava muito de agradecer falando “obrigado”. Quem deve falar sempre “obrigado” sou eu: padre Marco, obrigado por tudo, e não foi pouco.
Oduwaldo, São Paulo – SP

QUANDO A PAIXÃO DE JOANA D’ARC
DESEMBARCA EM HOLLYWOOD

TJ, um jovem de 26 anos da comunidade de Los Angeles, trabalha em uma produtora de cinema. Voltando do Encontro de Nova York, contou que fez com que um amigo seu, compositor, assistisse a projeção da Paixão de Joana D’Arc, e propôs que ele fizesse uma composição sobre este filme. Ele aceitou o desafio e escreveu música moderna para acompanhar o filme. Fomos ver e escutar a projeção, que aconteceu no centro, no business district, ao ar livre, no “Grand Performance”, onde acontecem regularmente apresentações culturais. Tocaram-me muito, tanto o filme quanto a discussão, depois. Em resposta às perguntas do público, o compositor foi muito explícito ao dizer que sua música nasceu de um olhar para Joana e contou como a vida da santa tinha sido uma provocação para sua fé. Pode-se apenas imaginar o nível das reações: alguns diziam que Joana D’Arc era um símbolo contra o poder, outros lhe atribuíam uma diferente identidade sexual, foram muitas as referências aos gays ou à ligação da Igreja com o poder... Em todo este clima, o compositor que diz que seu trabalho nasce da sua fé católica e Guido que intervém agradecendo-o por mostrar a verdadeira essência do cristianismo: não um conjunto de regras, mas o diálogo do eu com o Mistério.
Cristina, Los Angeles – EUA

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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