Uma assembleia com pessoas de todo o país, que se reuniram em São Paulo para um diálogo com padre Julián Carrón sobre o tema da vocação. “Anjos” de carne e osso, que se unem para ajudar e sustentar uns aos outros na caminhada rumo ao destino
Um galpão na zona oeste de São Paulo aquecido pelo sol do inverno atípico paulistano. Esse foi o local em que cerca de mil e quinhentas pessoas se reuniram na tarde de domingo, 12 de setembro, para ouvir algumas experiências e perguntas sob a luz do tema “vocação”. Nessa assembleia com padre Julián Carrón estavam presentes membros de Comunhão e Libertação de todo Brasil e também jovens da Associação Educar para a Vida, presidida por Cleuza e Marcos Zerbini.
Marco Montrasi (Bracco), responsável de CL no Brasil, fez uma breve introdução no início do encontro: “Essa palavra – vocação – se tornou uma descoberta para muitos de nós. Em particular, para mim. Cada um de nós está aqui por causa de um olhar que o fascinou – dentro do Movimento ou através da Associação. Eu me comovi pensando em como isso nos torna uma coisa só: por causa de um olhar que tem a mesma origem, que vem daquela mesma pessoa e hoje está me alcançando, tanto que fez com que cada um de nós tomasse uma decisão de vir até aqui”.
Depois de alguns cantos para introduzir o gesto, a pedagoga recém-formada Milena Nunes, de Salvador, fez a primeira colocação falando sobre como o trabalho do texto “A voz única do ideal” a deixou mais livre para olhar a relação que existe entre aquilo que faz e o destino último. “Hoje, a vocação para mim significa responder a um chamado cotidiano”, disse. Ela contou sobre a dificuldade de lidar com os amigos que negam a verdade e a Cristo: “Saber que alguém por quem eu tenho uma grande afeição opta por ‘apodrecer’ é uma dor. Mas isso exige que eu me agarre mais a Cristo, pois não consigo responder ao problema do outro, não consigo fazê-lo mudar com as minhas próprias forças, com as minhas palavras. (...) Isso para mim é a vocação, é responder à realidade para encontrar Cristo. O critério que tem determinado as minhas escolhas é aquele que me revela mais o Mistério, desde a decisão de com quais amigos estar no final de semana, até a decisão da escolha de um trabalho”. Milena descreveu essa experiência como “libertadora”. “Não porque os problemas sejam eliminados, mas porque, deixando de olhar o meu umbigo e olhando o ideal, desloco o centro afetivo e vou além daquilo que a minha postura limitada consegue conceber”, finalizou.
Carrón respondeu que o Ideal não é algo que uma pessoa de fora nos introduz, mas que está em nós. “Quem não reconhece o desejo de felicidade que tem? Todos os dias estamos diante dessa escolha: dar voz a esse desejo ou se contentar com uma vida medíocre. O Papa diz que ‘o homem foi criado para algo grande e, por isso, nunca se contentará com nada que não seja o infinito’. Por isso, quando cada um de nós decide por escutar a voz do ideal, a voz desse desejo, toma a decisão mais importante da vida.” E ele afirma que quanto mais queremos realizar o desejo, mais nos damos conta de que não somos capazes de responder a esse desejo. “Quando uma pessoa começa a viver conforme esse ideal, ela se torna um anjo que me ajuda a sustentar o ideal. Viemos aqui hoje porque precisamos ser sustentados por muitos anjos que nos ajudem a manter o ideal. Os anjos que precisamos não são anjos com asas, são pessoas de carne e osso que nos ajudam, que nos sustentam. Estamos juntos para que não vença em nós a redução do desejo”. Viver à altura do Ideal: este é o desafio que Carrón lançou a todos os presentes, seja para os jovens ainda a decidir a carreira profissional e o estado de vida, seja para os mais velhos. A questão não está fechada para ninguém. É preciso estar sempre disponíveis à conversão.
Um olhar diferente. Marcelo Cruz, de São Paulo, contou como vive o final do curso de medicina e quais questões têm surgido em relação à especialidade que vai fazer e com que vai trabalhar no próximo ano. “No ambiente onde estou o critério é muito claro: um trabalho ou especialização que tenha pouco serviço e no qual se ganhe muito dinheiro”. Mas olhando para a realidade tem algo que grita. Há um incômodo no modo superficial de tratar o paciente. O coração é feito para algo a mais. Ele conta da paciente que o reconheceu, agradecida pelos seus cuidados e atenção, oito meses depois da consulta. “Mas apesar de todo esse percurso que eu venho fazendo me dou conta que ainda não basta, que ainda precisa ficar mais clara, mais evidente, essa relação desse meu coração que vibra com o Outro que me dá isso, pois sei que se eu não chegar até esse ponto tenho certeza que vou perder tudo isso que eu vivi”.
Carrón enfatizou que a vida é uma escolha. “Cada um deve decidir o que quer, se quer desfrutar, se quer aproveitar a vida, se quer que tudo na vida interesse; ou que a vida passe como tantos dias sem que nada tenha tomado nosso coração em nenhum instante. Não há nada mais triste do que um dia no qual não acontece nada, no qual nada nos chama a atenção, nos interessa, nem nos envolve. Esta é a desgraça do momento em que vivemos. Cresce em nós e ao nosso redor esse desinteresse por tudo”. (...) “Nada pode ser mais gratificante para uma pessoa do que, depois de meses, ouvir de uma paciente que ela ainda se lembra da consulta que você fez com ela. Não há dinheiro que possa pagar essa satisfação. Isso se paga com uma intensidade da vida, que para sentir essa satisfação a pessoa nem precisaria receber, porque viver assim nos deixa mais contentes.” Mas em um mundo “sem Cristo, depois de Cristo”, esta é uma luta contínua. “Talvez nós não sejamos capazes de viver à altura desse ideal, porque somos mesquinhos, porque nos conformamos com pouco. Porém, se estivermos doentes, nós gostaríamos de ter um médico assim: um médico que nos consultasse com paixão pela nossa vida! (...) Amanhã podemos esquecer o ideal, porém quando nos lembrarmos do que Marcelo contou poderá despertar em nós novamente o desejo de viver à altura do ideal.”
Um problema de fé. A terceira colocação foi de Gustavo Gonçalinho, do Rio de Janeiro, que começou agradecendo pelas palavras de Carrón sobre a vocação que o ajudaram bastante nesse momento em que se formou e começou a trabalhar. Em seguida, falou sobre o drama que vive pela falta de paciência com o tempo de Deus em relação aos acontecimentos do cotidiano. “Quero resolver tudo logo, ser feliz logo, visto que não consigo esperar com tranquilidade. Como as questões de trabalho, emprego, família, vocação, se tornam muito sérias e dramáticas sem uma resposta imediata, acabo vivendo como se Cristo tivesse me abandonado. Tenho um problema sério de esperar para ser feliz”. O jovem colocou diversas perguntas nesse sentido: “De onde vem a confiança que eu posso esperar e que isso será o melhor para mim, pois revelará mais o meu caminho preparado para a minha felicidade? De onde vem a tranquilidade para esperar em paz, sem que a postura vertiginosa se torne uma tortura de ficar olhando para algo que você deseja ardentemente que se resolva?”.
Para Carrón, isso é um problema da nossa fé. “Nós não temos tranquilidade para esperar porque não temos certeza sobre Cristo como temos certeza do amor de nossa mãe e, por isso, ficamos sem paciência, porque as coisas não acontecem segundo o ritmo e a imagem que nós temos na cabeça.” Ele usou um exemplo simples para explicar que é a certeza que nos dá tranquilidade e que ela chega lentamente, falando da mãe que precisa sorrir muitas e muitas vezes até que a criança dê seu primeiro sorriso. “A nossa questão não é tanto a espera, mas ter alguém que nos acompanhe no caminho e que isso prevaleça sobre a impaciência. A única coisa que a impaciência gera é isto: ela nos desgasta e esvazia. Ao contrário, se prevalece a certeza de estarmos acompanhados, podemos fazer o caminho tranquilos, em paz. E aí a vida cresce.”
O tempo foi breve para as demais colocações. E, para encerrar o evento, Cleuza e Marcos tomaram a palavra para agradecer a Carrón pela amizade e companhia que tem sido para eles e contaram um pouco sobre a forma como têm trabalhado na campanha eleitoral de Marcos que concorre à reeleição como deputado estadual por São Paulo (leia mais nas páginas 20 a 22). Antes, esperavam um resultado nas urnas, agora, a vocação é a resposta diária ao que acontece, sem esperar o desfecho: “A vitória já aconteceu”.
Muito contente com que ouviu, Carrón pediu aplausos para o casal. “Marcos é um exemplo, junto com Cleuza, do que seja seguir a voz do ideal. (...) Eu me sinto tão amigo dos dois porque neles encontrei companheiros que me acompanham para viver esse ideal e quero dizer isso publicamente, porque é assim mesmo.”
Início de um percurso. Logo após a assembleia, padre Carrón saiu rapidamente, pois na mesma noite retornou à Milão. Em seguida, foi celebrada uma missa e ouvimos algumas impressões do público sobre o impacto das palavras de Carrón em cada um. “Para mim, ficou ainda mais claro que a vocação é um seguir de verdade com o coração escancarado, é uma ferida aberta”, afirmou a mineira Cristiane Nunes. Afonso Rezende, do Rio de Janeiro, disse que as palavras de Carrón, nessa tarde, ajudaram a retomar no que deve apostar: “Vir aqui me lembra a modalidade com a qual eu gosto de viver e de como esse gosto de viver entrou no passado”. Já Lucila Carbone, de São Lourenço, disse que o encontro mostrou uma nova possibilidade para sua vida: “Sempre fico atrás de coisas a mais e não olho para aquilo que tenho, para a minha realidade. Meu modo de vida vai mudar”. Ana Lúcia Souza, de São Paulo, ficou marcada com o chamado de Carrón de que o caminho é pessoal: “Carrón nos desafia a fazer experiência e ele não tem medo do nosso nada. Para fazer a experiência que nos convida, não é preciso ser coerente, nem negar aquilo que somos, cabe tudo. É um caminho muito pessoal”.
O impacto do encontro sobre aqueles que se envolveram muito antes dele acontecer também foi evidenciado. Marcela Bertelli, de Belo Horizonte, foi uma das responsáveis pelas músicas e saiu com certeza de que é amada. “Não importam minhas falhas ou meus desafinos”. Para João Marcos Llanas, de São Bernardo do Campo, trabalhar na organização é uma forma de ser educado no trabalho. “Ao lado dos amigos, temos a certeza de estar construindo essa história. Estamos aqui para trabalhar e é impressionante a correspondência, porque saímos sempre mais felizes. Isso só pode ser Cristo”.
A visita e as provocações de Carrón lançam luzes na estrada. Todos voltaram para casa com o coração vibrando. Algo novo aconteceu. Agora, resta a cada um acolher o desafio.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón